Contaminação por chumbo em Adrinópolis (BA) ainda não tem culpados
2005-01-11
O compositor Caetano Veloso cantou em versos as dores de quem foi contaminado pelo chumbo em sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Cantou – os riscos que corre essa gente morena – diante das 490 mil toneladas de lixo tóxico abandonadas pela Mineradora Plumbum do Brasil S.A. Inspirados pela melodia, as vítimas se mobilizaram, as ações judiciais se multiplicaram. Desde o fechamento da fábrica, em 1993, a contaminação de parte dos 48 mil nativos virou assunto nacional. Em situação oposta, outra cidade sofre no ostracismo as seqüelas deixadas pela mesma mineradora. Talvez porque Adrianópolis não tenha um filho ilustre para cantar as dores de seus conterrâneos.
No Recôncavo Baiano, a poluição da Plumbum alcançou o estuário do rio Subaé; em Adrianópolis, chegou às águas do rio Ribeira, um importante reservatório de água doce à meia distância das metrópoles Curitiba e São Paulo. O Vale do Ribeira, no extremo-sudeste do estado de São Paulo e nordeste do Paraná, hospeda parte significativa dos remanescentes da Mata Atlântica. Em Santo Amaro da Purificação, a Associação das Vítimas de Contaminação por Chumbo diz que 574 pessoas foram afetadas. Vinte e cinco morreram. Em Adrianópolis, dois estudos identificaram pelo menos 404 contaminados. Mas ninguém, em tempo algum, se deu ao trabalho de contar os mortos. Não se sabe ao certo quantas são, nem quem são as vítimas.
A filial baiana da Plumbum – chamada os malditos na música de Caetano – responde a processos na Justiça. Lá, um procurador da República atua em dois casos que responsabilizam a empresa francesa pela contaminação do solo. No Paraná, um único processo caminha a passos lentos na Justiça estadual da comarca de Bocaiúva do Sul. Dez mudanças no contrato social da empresa, iniciadas no final da década de 1980, tornaram difícil o trabalho de encontrar os novos proprietários para a citação judicial. Numa das mudanças mais recentes, o empresário Henrique José Zaffari, de Porto Alegre (RS), incorpora-se à sociedade com um capital de R$ 9,3 milhões. O dono anterior, José Carlos Leprevost, mantém o vínculo com um capital simbólico de R$ 1,00.
Enquanto o lixo tóxico continua contaminando e matando, os habitantes de Adrianópolis lançam a pergunta: quem vai pagar a conta das indenizações? Na interpretação do professor aposentado de Direito Administrativo Fernando de Andrade Oliveira, a responsabilidade recai sobre os atuais proprietários, que assumiram todo o passivo ambiental ao adquirir o espólio da mineradora falida. A União, o estado e o município são co-responsáveis, uma vez que cabe ao poder público prover a saúde pública. A única ação pública contra a Plumbum foi ingressada na Justiça em maio de 2001. Movida pela prefeitura de Adrianópolis, ela pede a reparação dos danos ambientais, mas nada que se relacione a indenizações às vítimas da contaminação.
Ação semelhante foi impetrada pela prefeitura contra a Mineradora Rocha, que extraía minerais em outro ponto da cidade para beneficiamento na usina da Plumbum. O processo ficou dois anos num empurra-empurra entre as justiças estadual e federal, cada qual se considerando incompetente para julgar a matéria. Só em abril de 2003 o tema ficou de vez na comarca de Bocaiúva do Sul. A mineradora foi citada judicialmente em 11 de julho de 2001, para dar a destinação correta às mais de 300 mil toneladas de resíduos de chumbo que contaminavam as encostas dos morros da Vila Rocha, zona rural de Adrianópolis. Dona da área desde 31 de maio de 1996, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) concluiu a retirada em agosto de 2003.
A ação da CBA não extingue a ação civil pública, considera o advogado José Melquíades da Rocha Júnior, que representa a prefeitura. A companhia transferiu o resíduo para o pico do morro e ali fez o aterro rodeado de curvas de nível cimentadas. Foi feito para resíduos Classe 2, mas o material pode ser de Classe 1, bem mais perigoso segundo as Normas Brasileiras de Controle de Resíduos Sólidos. A dúvida existe porque antes de executar o trabalho, a CBA havia contratado uma empresa especializada para analisar o rejeito das minas. A Intertechne o incluiu na Classe 1, que exigiria bem mais cuidados no aterro. O local foi feito com base em um laudo posterior, da Procalcim Consultoria S/C Ltda, que rebaixou o lixo tóxico para a Classe 2. – Qual é o verdadeiro, afinal?, questiona José Melquíades.
No primeiro laudo, a CBA admite os danos dos resíduos para o homem e o meio ambiente. Também reconhece a necessidade da retirada imediata do lixo. No outro lado do morro, a companhia mantém uma grande quantidade de rejeitos de chumbo no meio da mata, em local íngreme. Não há registro da quantidade exata. A presença desse material é mais um complicador para que o Ibama negue à CBA autorização ambiental para construir no lugar a hidrelétrica Tijuco Alto. A usina inundaria uma área de 52,8 quilômetros quadrados e deixaria sob a água o lixo tóxico. (Gazeta do Povo/PR 10/01)