Artigo reproduzido sob licença do site
www.biodireito-medicina.com.br onde foi originalmente publicado.
Resumo: Dificilmente alguém deixa de assistir, ler ou ouvir algo sobre previsão do tempo, eis que todos precisam, desde as primeiras horas da manhã, saber se vai chover, fazer frio etc. Nunca a informação sobre este assunto esteve tão avançada. Fala-se e escreve-se efusivamente sobre clima e mudança climática, e os meios de comunicação conseguem explicar fenômenos sobre o assunto em linguagem popular. Mas uma análise da cobertura de dois jornais diários brasileiros, de grande circulação, mostra que as matérias que eles publicaram sobre o assunto, em 2003, pouco ou quase nunca relacionam mudança climática ao cotidiano. Este artigo resume um estudo exploratório que mostra que a mudança do clima não apenas é abordada como algo fora do dia-a-dia pelos jornais, mas que, na raiz desse problema de cobertura, pode estar algo mais sério: a fragilidade da governança ambiental.
Difícil de explicar, mas nem tanto
Para a compreensão popular, mudança climática é, em geral, associada apenas à loucura do tempo, algo como um belo dia de sol que, de repente, transforma-se em densas nuvens que se convertem em um temporal. A cultura popular – aqui entendida como o conjunto de representações sociais de pessoas a partir de seu senso comum, sem base em conhecimento científico – costuma associar o termo mudança climática a temporais, trovões, ventos e casas destelhadas, desabamentos e tragédias humanas, algo que tem a ver com suas vidas cotidianas e que os jornais sabem explorar muito bem. Porém, de uns tempos para cá – especialmente desde que foi realizada a Conferência Mundial de Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 1992 – a expressão mudança climática ganhou um refinamento em meio aos significados não precisos que a imprensa diária costumava atribuir-lhe. Com a criação da Convenção do Quadro das Nações Unidas para a Mudança Climática (UNCCC) e, em especial, com o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, o termo vem deixando de ser apenas uma ponta de iceberg – o que se vê da mudança climática, como resultado de um fenômeno complexo e de longo prazo – para ser conjugado em suas formas mais técnico-científicas. É em relação a estas formas que a inserção deste termo, no meio popular, perdeu-se ou, pelo menos, distanciou-se.A imprensa tem um papel relevante na mudança das formas de trabalhar-se com as representações do fenômeno. Especificamente na mídia impressa, observa-se uma tendência a explorar os lados científico, político e econômico da mudança climática, mas sem uma contumaz relação destas abordagens com o dia-a-dia das pessoas.
Um estudo exploratório realizado a partir da avaliação de matérias jornalísticas sobre mudança climática e Protocolo de Kyoto publicadas de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2003 em dois jornais diários de grande circulação – jornal Correio do Povo (CP), de Porto Alegre (RS) e jornal Folha de São Paulo (FSP/SP) – mostra que a imprensa trata o assunto de forma predominantemente elitista e com um certo ceticismo, embora torne o assunto acessível ao conseguir explicar, de maneira simples, os termos básicos envolvidos na conceituação e no desdobramento do complexo fenômeno que é a mudança climática e na equação de controle de emissões que se tornou o Protocolo de Kyoto. Do ponto de vista da governança ambiental, conceito segundo o qual a mobilização por mudanças visando a melhorias ambientais depende muito mais das respostas da sociedade do que unicamente das ações do governo por si mesmas, raras vezes os jornais analisados dão margem para a expressão do fenômeno mudança climática como algo de responsabilidade de cada pessoa ou que possa ser relacionado a uma conduta pessoal, cotidiana, ou que tenha um efeito sobre a história, a trajetória individual. Em geral, ela é vista como algo que cabe aos governos e às grandes empresas poluidoras resolverem: é um problema de cúpulas governamentais, ou resultado de meganegociações aparentemente abstratas entre empresas que compram direitos de poluir na Europa plantando árvores na Amazônia, por exemplo. Estes planos de entendimento, com certeza, pouco têm a ver com a realidade diária das pessoas e podem mesmo contribuir para a perda de interesse delas pelo assunto. As perguntas que se fazem são: por que a imprensa tem uma visão tão cética a respeito da realização da mudança climática ao mesmo tempo em que divulga estudos científicos nos quais ela (a mudança) é afirmada? Por que este tipo de mudança é, muitas vezes, colocado pela imprensa como mais uma profecia pessimista que não se cumpre? Há alguma relação entre esta postura de distanciamento do dia-a-dia e da elitização no tratamento do assunto com as características mapeadas da governança ambiental do Brasil comparativamente, por exemplo, a alguns países vizinhos – apenas para ficar no âmbito das comparações mais próximas?
Instituição: Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo (RS).
Autor: Cláudia Viegas.
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