Retomados polêmicos estudos sobre pesticidas nos EUA
2004-12-28
Os efeitos dos pesticidas nos seres humanos voltam a ser objeto de estudo nos Estados Unidos, apesar das críticas sobre os interesses industriais nessas pesquisas. Depois de
seis meses negando-se a aceitar estudos de terceiros, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) anunciou que começará a vetar estudos eticamente problemáticos analisando caso a caso. A agência também procura realizar suas próprias pesquisas sobre o uso doméstico de pesticidas no Estado da Flórida, com fundos do Conselho Químico Norte-americano, um grupo industrial de pressão. O chamado Estudo de Pesquisa sobre Exposição Ambiental da Infância (Cheers) inclui bebês e crianças até três anos. Em troca da participação no estudo, cada família receberá US$ 970, uma câmera de vídeo e outros incentivos. As crianças são especialmente vulneráveis aos pesticidas porque em relação ao seu peso absorvem mais as substâncias do que os adultos e, além disso, seus órgãos em desenvolvimento têm menor capacidade
para descompor os compostos tóxicos.
Em nome da ciência
A EPA explicou que não se requer dos participantes o uso de pesticidas nem que alterem de maneira nenhuma a rotina em casa, mas os críticos afirmam que o incentivo financeiro é intrinsecamente falta de ética. ? Induzem as pessoas de baixa renda a submeterem-se a riscos, acusou Jay Feldman, diretor-executivo da Beyong Pesticides, um grupo de pressão sem fins lucrativos. ? A mensagem é que se usarem esses pesticidas, serão recompensados, acrescentou. Entre os produtos estudados estão os utilizados na limpeza do lar e no tratamento de jardins, bem como ftalatos (substâncias usadas em plásticos) e éteres difenilbrominados(retardadores do fogo).
Vazios estatisticos
Após uma enxurrada de críticas, a EPA arquivou o estudo Cheers até uma revisão final por um painel de especialistas integrado por membros da Junta Científica Assessora dos Estados Unidos, do Painel Assessor Científico Federal e do Comitê Assessor sobre Proteção da Saúde Infantil, cujo relatório será divulgado no início do próximo ano. Entretanto, a metade dos participantes já foi selecionada e a agência rejeitou os pedidos para abandonar totalmente a pesquisa. ? Os cientistas da EPA devem compreender plenamente como as crianças são expostas aos pesticidas e através de quais meios, argumentou o
órgão. ? Cheers foi projetado para vazios estatísticos críticos e para adotar medidas que reduzam a exposição
infantil aos pesticidas, acrescentou. As crianças que vivem em lares onde se usa pesticidas registram maiores índices de leucemia, tumores cerebrais e sarcoma de tecidos moles. Um estudo realizado pela organização ambientalista
Greepeace/Índia em abril determinou que mesmo a exposição a pequenas doses dessas substâncias limita a capacidade analítica, a memória e a motricidade das crianças.
Níveis aceitáveis
A EPA justificou a escolha do condado de Duvall, na Flórida, para realizar o estudo dizendo que essa região tem grande concentração de pesticidas e, além disso, existem dados de um estudo anterior, feito em 2001. Porém, os críticos alegam que as três clínicas desse condado escolhidas para participarem da pesquisa atendem os membros mais pobres e com menos instrução da comunidade e que o estudo poderia favorecer a indústria química, sujeita a crescentes restrições de seus produtos. ? Cheers faz parte de um esforço mais amplo para coletar dados que permitam (à industria) aumentar os níveis aceitáveis de pesticidas, afirmou Dennis McKinney, do grupo Funcionários Públicos pela
Responsabilidade Ambiental. As regras de ouro sobre ética nas pesquisas médicas com seres humanos estão contidas na Declaração de Helsinque, um conjunto de princípios adotados pela Associação Médica Mundial em 1964. Entre outras coisas, estabelece que os protocolos experimentais devem ser aprovados por comissões independentes do pesquisador, do patrocinador ou de qualquer outro tipo de influência
indevida.
Ética patrocinada
Entretanto, uma revisão de seis estudos a respeito do efeito dos pesticidas em seres humanos realizados pela
indústria química entre 1992 e 1999 concluiu que os experimentos foram aprovados por comitês éticos que faziam parte das organizações patrocinadoras. Os estudos foram realizados na Europa e nos Estados Unidos, mas todos tinham por objetivo influir nas normas da EPA. ? Todos apresentavam graves deficiências éticas ou científicas, ou ambas, inclusive falta de consentimento informado, conflitos financeiros de interesses, falta de capacidade estatística, métodos de testes inapropriados e resultados distorcidos, afirmou Alan Lockwood, professor de neurologia da Universidade de Búfalo, cuja crítica foi publicada em
novembro no American Journal of Public Health. (IPS/Envolverde 23/12/2004)