Estudos sobre moratória na pesca buscam evitar o desaparecimento de espécies
2004-12-27
Em 1992, 44.000 pescadores da região de Newfoundland, no Canadá, perderam o emprego. As autoridades decidiram proibir a pesca do bacalhau, base da economia local, ao constatar que a produção baixara 90% em relação à década de 70. A responsável foi a chamada sobrepesca, ou seja, aquela que impede a reprodução do peixe. Cidades inteiras faliram. Pior, a medida foi tardia. Doze anos depois, o bacalhau não reapareceu. O caso não é isolado. O Conselho Internacional de Pesquisa Marinha recomendou à União Européia que proíba a pesca do bacalhau no Mar do Norte. O máximo que se conseguiu, porém, foi uma redução de 45% nas cotas de pesca. Todos os anos são retirados dos mares e rios do planeta 100 milhões de toneladas de pescado. A indústria pesqueira movimenta 200 bilhões de dólares anuais e ocupa diretamente 15 milhões de pessoas. Fonte barata de proteínas e de riqueza durante milênios, o mar dá sinais de perder fôlego pela primeira vez na história. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) calcula que em apenas seis anos a produção será até 20 milhões de toneladas menor que a atual. Das 200 espécies mais valiosas no mercado, 120 são exploradas além de sua capacidade de reprodução. No Brasil, entre as consideradas sobrepescadas estão a lagosta, certas variedades de sardinha e camarão e peixes de água doce, como o tambaqui amazônico. A frota pesqueira mundial só sobrevive graças a subsídios ? perde 54 bilhões de dólares por ano e recebe quase a mesma quantia em ajuda de governos. Artesanal desde o início dos tempos, hoje a pesca também é industrial. A pesca de arrasto, com redes que varrem o fundo do mar, é extremamente predatória. Além de recolherem indiscriminadamente todas as espécies, as redes usam bolas de aço que destroem corais e revolvem o fundo do oceano. O jornalista inglês Charles Clover mostra no livro O Fim da Linha: como a Sobrepesca Está Mudando o Mundo e o que Comemos (eleito um dos melhores de 2004 pela revista inglesa The Economist) que a indústria pesqueira investe tudo no aprimoramento das tecnologias de captura e nada em métodos menos destruidores. Equipadas com sonares e softwares de localização por satélite, as embarcações modernas encontram os cardumes com uma facilidade jamais vista. Com o colapso dos estoques em várias partes do Mar do Norte, na Europa, pesqueiros europeus e asiáticos se aventuram em águas internacionais próximas à África e ao Brasil. ? Seguirão nesse ritmo até chegarem à Antártica. E essas serão as últimas águas a ser exploradas, diz Clover.
A sobrepesca é agravada pelo desperdício. A cada ano, descartam-se ainda a bordo dos navios 8 milhões de toneladas de pescado em boas condições de consumo. São espécies de menor valor comercial, rejeitadas para dar espaço a peixes mais valiosos. Essa sobra encheria 200.000 carretas e corresponde ao consumo de peixe no Brasil em seis anos. ? Para cada tonelada de camarão pescada, outras 4 de peixes são jogadas fora, diz o ecólogo Miguel Petrere Júnior, da Universidade Estadual Paulista, membro do Comitê Consultivo em Pesquisa da Pesca da FAO.
Há esperanças
Mas elas dependem de medidas drásticas. Para evitar o colapso da pesca industrial, a FAO cogita propor uma moratória. Em certas áreas só poderiam atuar os pescadores artesanais, que representam 90% da mão-de-obra em atividade e respondem por metade da produção mundial. Outra solução, a criação de fazendas marinhas, vem se impondo como uma alternativa de exploração ordenada de um recurso outrora inesgotável ? mas longe da escala necessária para substituir as quantidades pescadas em mar aberto. (Veja 22/12)