Uso controlado do amianto é uma ficção, diz Fernanda Giannasi
2004-12-14
Nos ultimos meses a industria do amianto iniciou uma campanha para recuperar a imagem do mineral na sociedade. No final de novembro, por exemplo, o presidente da Eternit, Elio Martins, falou com a imprensa. Ele defendeu o esclarecimento da sociedade com relacao ao amianto. Argumentou, entre outras coisas, que o tipo do mineral usado no Brasil (crisotila) nao e prejudicial a saude. A fiscal do Ministerio do Trabalho e coordenadora do Movimento pelo Banimento do Amianto na America Latina, Fernanda Giannasi, leu as declaracoes do empresário. Ela classificou os argumentos como - conversa de sempre ? e na entrevista que segue analisa os principais pontos. Tambem aproveita para alfinetar as incongruencias do judiciário brasileiro.
Ambiente JÁ ? Confere o dado de que o amianto usado no Brasil atualmente não é perigoso?
Fernanda Giannasi - Todos os amiantos, tanto o branco(crisotila), produzido no Brasil, como os do tipo anfibólio (marrom, azul etc), que não são usados há mais de 20 anos em todo o mundo, são cancerígenos, conforme classificações da IARC-International Agency on Research of Cancer da Organização Mundial da Saúde(OMS) e do Critério 203 do amianto Crisotila do Programa Internacional de Segurança Química, também ligado à OMS. O fato de ser mais ou menos agressivo, não significa que exista um bom e um mau amianto. Todos são classificados como reconhecidamente cancerígenos para os seres humanos.
Ambiente JÁ ? Mas com relação a nocividade do produto. O dado de que o amianto crisotila permanece no máximo em 2,5 dias no pulmão, enquanto o anfibólio permanece mais de 100 dias, não representa um maior grau de segurança?
Fernanda - O fato de permanecer menos tempo no organismo não significa que o amianto não induza ou possa induzir ao câncer. O fato de ser menos nocivo, Volto a insistir, não significa que a crisotila não seja cancerígena e não faça mal à saúde. Estes testes de biopersistência são feitos em laboratórios e com ratos. Os resultados não são podem ser simplesmente extrapolados para os seres humanos e devem ser vistos com reservas. Outra questão importante a ser mencionada é que as doenças relacionadas ao amianto podem levar até 40 anos para se manifestar. Portanto, só teremos certeza do que se afirma com
tanta ênfase pelos defensores do amianto daqui há muito tempo. Antes disto, não é ciência, não é epidemiologia e sim futurologia ou exoterismo. Aguardar mais 40 anos para tomar a decisão do banimento do amianto, esperando a comprovação do que pretendem os defensores do amianto, é condenar a
sociedade brasileira a uma experiência cruel, cujos resultados são sobejamente conhecidos na literatura médica, produzida em todo o século XX.
Ambiente JÁ ? Segundo a indústria brasileira do amianto os processos de manipulação do mineral hoje no país são absolutamente seguros. Como exemplo, o uso do produto para fazer telhas e caixas dágua. Um processo onde a fibra está almagamada em uma matriz de cimento e esta utilização é controlada legalmente (lei n°9.055 decreto 2.350). O uso controlado do amianto não representa uma alternativa segura?
Fernanda - O uso do amianto sob a decantada segurança e inexistência de risco é uma ficção tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. A própria OMC-Organização Mundial do Comércio considerou a tese do uso controlado do amianto como irreal. Nos 22 anos à frente da inspeção do trabalho, podemos assegurar que nenhuma empresa mantém por toda a jornada de trabalho estas condições ditas seguras ou controladas.
O Critério 203 sobre o amianto Crisotila concluiu que não se identificou nenhum limite seguro abaixo do qual o amianto crisotila não apresente riscos à saúde. Temos sim algumas empresas mais limpas e com tecnologias mais modernas, mas isto não significa inexistência de riscos. É imporante mencionar, complementarmente, que os riscos do amianto não se restringem à sua mineração ou às fábricas de produção de telhas e caixas dágua e está presente em todas as etapas da cadeia produtiva, da sua prospecção à disposição final.
Ambiente JÁ ? Mas a industria brasileira do amianto e considerada uma das mais avançadas do mundo. Certamente há um diferencial tecnico-legislativo que leva a isso, não?
Fernanda - A nossa legislação trabalhista tem 13 anos e precisa ser urgentemente revista e atualizada. O Limite de Tolerância adotado por nossa
legislação é um dos mais permissivos do mundo. Enquanto nos Estados Unidos, um dos poucos países desenvolvidos onde o amianto ainda é permitido, adota-se um limite de 0,1 f/cc, no Brasil nosso limite é de 2,0 f/cc, isto é 20 vezes superior, como se nossos trabalhadores fossem muito mais resistentes e imunes a doenças do que os americanos. Ainda para o limite de 0,1 f/cc se espera que em cada 1000 trabalhadores, 2 desenvolvam asbestose, segundo pesquisas americanas. Os EPIs ou máscaras anti-poeira podem reduzir a exposição mas não eliminam o risco.
Ambiente JÁ ? As empresas garantem que não existem entre seus trabalhadores nenhum caso de disfunção respiratória provocada pelo amianto em operários que começaram depois de 1980.
Fernanda - Só teremos esta confirmação lá por volta de 2.020, devido à longa latência das doenças como mesotelioma e por volta de 2010 para
cânceres. Afirmar isto, antes destas datas, é futurologia ou uma leviandade. Se não há doentes, como afirmam as empresas, por que então a Eternit indenizou mais de 1500 ex-trabalhadores em acordos extrajudiciais?
Ambiente JÁ ? O presidente da Eternit, Elio Martins, afirma que não ha nenhum registro hoje na literatura médica e científica comprovando que a população que utiliza os produtos da empresa nos seus 64 anos tenha contraído qualquer doença relacionada a esses produtos por conter amianto.
Fernanda - O fato da Eternit não reconhecer ou não querer reconhecer os doentes não significa que eles não existam. Outro problema grave é que não há o follow up (acompanhamento médico) das populações expostas ao amianto. Quando se procurou, se encontrou. O fato é que não existe vontade política do governo e muito menos disposição das empresas em encontrá-los.
Ambiente JÁ ? E a respeito da pesquisa feita pela Unicamp, mostrando ser possível fazer o uso controlado e responsável do amianto?
Fernanda- Já denunciamos em outras ocasiões na mídia e em audiências públicas na Câmara dos Deputados em Brasília que esta pesquisa tem problemas de conflito de interesses de seus responsáveis técnicos. Ela foi custeada em mais de 50% pela empresa interessada em seus resultados, a SAMA-S.A. Mineração de Amianto, controlada pela Eternit.
Esta relação promíscua de pesquisadores e empresa produtora de amianto compromete seus resultados, já que além de pesquisadores, ligados à Universidade Pública, os mesmos prestam serviços privados à empresa como árbitros do acordo extrajudicial, definindo as categorias de indenização e os valores a serem pagos, entre 5 a 15 mil reais. Eles fazem parte da Junta Médica prevista nos termos do Acordo Extrajudicial oferecido pela empresa aos ex e empregados diagnosticados como portadores de doenças relacionadas ao amianto.
Como já mencionamos anteriormente, a Eternit já indenizou, através deste Acordo, mais de 1500 de seus ex e atuais empregados.
Ambiente JÁ? Essa indenização não seria um demonstrativo de que a empresa assume as suas responsabilidades?
Fernanda - Na prática, a empresa não cumpre com suas responsabilidade e por isto foi condenada a indenizar 2.500 vítimas em ação civil pública, num
valor aproximado de 160 milhões de dólares. Maiores detalhes sobre a condenação podem ser obtidos no site www.abrea.com.br.
Ambiente JÁ ? E a respeito do apoio que os sindicatos de trabalhadores mantem a empresa? A mina de Goiás recentemente recebeu a certificação pela ISO 14.000 e a justica tem revogado algumas leis estaduais que proibiam o uso do amianto. Como explicar esse reconhecimento institucional?
Fernanda - Aos trabalhadores não é dada outra opção: ele tem de escolher entre o emprego e a saúde. Os sindicatos são reféns desta política, em
especial aqueles manipulados ou controlados pelas empresas, os chamados pelegos. Infelizmente a CNTI, herança da estrutura sindical getulista, tem ao longo das última 2 décadas se posicionado sempre ao lado dos empregadores. A ADI -Ação direta de Inconstitucionalidade têm sido o meio que as empresas e seus apoiadores se utilizaram até o momento para barrar o
banimento do amianto nos Estados e municípios. Isto já ocorreu nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, onde o STF derrubou as leis aprovadas, alegando a inconstitucionalidade das mesmas, por terem invadido competência da União.
O federalismo conquistado na Constituição de 1998, que deu a Estados e Municípios poderes concorrentes com a União para legislar sobre saúde e meio ambiente, foi simplesmente ignorado pelo STF, que atropelou esta conquista da sociedade brasileira, basendo sua decisão no fato de que o Estado de Goiás perderia arrecadação de 30% com os negócios atribuídos ao
amianto. A mim não me surpreende estas ADIs ou ADINs, nem muito menos o fato da coincidência de que um dos relatores, o Ministro Eros Grau, seja pai de um dos mais influentes advogados da Eternit, o jovem Dr. Werner Grau do escritório Pinheiro Netto.
No mínimo, reza a ética e o bom senso, que o Ministro Eros Grau se declarasse impedido.