Relatório da associação de fiscais de radioproteção aponta falhas da Cnen e possibilidade de novos acidentes
2004-12-13
ANDRÉ SOLIANI
MICHELE OLIVEIRA
A Afen (Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear) e
especialistas consultados pela Folha apontam a falta de poder da Cnen
(Comissão Nacional de Energia Nuclear) para obrigar usuários de fontes
nucleares a seguir normas de segurança, o conflito de interesses dentro da
comissão -que tem a função de estimular e, ao mesmo tempo, fiscalizar o uso
de energia atômica- e falhas no controle das fontes existentes no país como
problemas carentes de correção.
Relatório elaborado pela Afen em 2000 e reconfirmado neste ano afirma que há
a possibilidade de ocorrência de acidentes nucleares e radiológicos em
território brasileiro, fruto das vulnerabilidades existentes. A Afen
representa 150 dos 310 fiscais da Cnen, que tem 3.000 funcionários.
Uma série de eventos, compilados pelo deputado federal Edson Duarte (PV-BA)
e confirmados pela Cnen, demonstra a necessidade de rever a atual legislação
que regulamenta o setor. – Parece que não aprendemos o necessário com o
acidente nuclear com o césio-137, em Goiânia, afirma Duarte. Em 1987, uma
fonte de césio abandonada em Goiânia matou sete pessoas.
- O problema é que a Cnen tem, ao mesmo tempo, a responsabilidade pelo
fomento e pela fiscalização da energia nuclear no Brasil. Isso claramente
tem aspectos conflitantes. É preciso existir duas administrações
independentes para que não haja conflitos de interesses, diz o professor
Anselmo Paschoa, da PUC-RJ.
A Cnen não tem instrumento legal para punir os controladores de usinas de
energia, hospitais, clínicas, indústrias e mineradoras que não observam as
normas de segurança ao manusear material radioativo.
– Temos o poder de
fechar a operação em casos extremos, diz Odair Dias Gonçalves, presidente
da Cnen. Mas práticas inadequadas que não justifiquem a suspensão da
concessão costumam passar impunes.
Mesmo o poder de cassar as autorizações de operação é limitado. – Não é claro
se podemos fechar operações com fontes radiológicas, diz o presidente da
comissão. Fontes radiológicas, como o raio-x de aeroportos, emitem
radioatividade a partir de aceleradores movidos a energia elétrica. Nesses
casos, a comissão depende da ajuda da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária).
A falta de poder de polícia da Cnen faz com que muitos usuários não invistam
na segurança. Em 2002, duas fontes de césio-137 foram roubadas da Companhia
Siderúrgica de Tubarão, no Espírito Santo. As fontes foram encontradas num
terreno baldio. Era o mesmo material que causou o acidente em Goiânia.
A fragilidade também se revela quando a comissão precisa resgatar fontes em
desuso. Muitas dessas fontes, se roubadas, poderiam ser usadas para fabricar
as chamadas bombas sujas.
Neste ano, um incêndio na Poesi (fábrica de lingerie, no Rio de Janeiro),
que estava falida, também revelou que o cadastro de fontes da Cnen é
incompleto. Quando os bombeiros chegaram, acharam um equipamento de baixa
radioatividade usado para medir a espessura dos tecidos. A fonte não estava
no cadastro da comissão. Mais grave: uma das duas fontes havia sido roubada.
A Cnen, segundo documento elaborado por sua diretoria, também sofre com a
falta de recursos humanos para cumprir suas funções. – Considerando-se o
elevado número de instalações e atividades fiscalizadas pela Cnen, torna-se
evidente a insuficiência desse corpo técnico de fiscalização.
Para corrigir essas deficiências, a Afen quer uma legislação que garanta aos
fiscais nucleares os mesmos poderes de fiscais do Ibama, da Receita Federal
e da Anvisa. Os membros da Afen defendem uma nova legislação com punições
claras para condutas que fujam das normas de segurança. A Cnen apóia a nova
legislação, mas discorda em dar aos fiscais o poder de polícia. (FSP 12/12)