Poluição de termelétrica gera processo contra Tractebel e IBAMA em SC
2004-11-23
O Ministério Público Federal acaba de ajuizar ação civil pública contra a Tractebel por conta da termelétrica Jorge Lacerda (SC), requerendo que a área da usina no município de Tubarão seja submetida a uma Auditoria Ambiental. O objetivo é determinar o volume e espécie de poluição produzidos, seus efeitos ecológicos e sobre a saúde humana. De acordo com o resultado será proposta indenização às pessoas vitimadas por doenças em razão das emissões. Além da Tractebel, são réus:
a)UNIÃO, a qual outorgou vários incentivos (subsídios econômicos, como a contribuição do seguro-apagão hoje arcada pelos consumidores) à Jorge Lacerda sem exigir a devida correção ambiental;
b)ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica);
c) IBAMA, o qual, assim como a ANEEL, cobra taxas de fiscalização repassadas ao preço final da energia elétrica paga pelo consumidor sem que jamais qualquer ato de fiscalização tenha sido praticado;
c) FATMA, órgão estadual que licencia a usina sem impor as cautelas legais.
História anti-ecológica
A Jorge Lacerda, inaugurada em 1957 com 100 Megawtts/hora, é atualmente o maior parque termoelétrico da América Latina (857 mw/h). Apenas para a unidade IV(363 mw/h), que comecou a ser construída em 1986, fez-se Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Hoje, a Tractebel não sofre qualquer fiscalização. Apenas autofiscalização. Elabora relatórios que são acriticamente acatados pela Fatma. Não há aferição do que e quanto a usina polui, ou seja, o que efetivamente é lançado à atmosfera pelas chaminés. Em 03 postos próximos à Tractebel (Municipio de Capivari, Bairros Vila Moema e São Bernardo de Tubarão) faz-se monitoramento do ar, diagnosticando índice de dióxido de enxofre (SO2) e material particulado (MP), ou seja, partículas em suspensão, substâncias que não sedimentam, mantendo-se na atmosfera por vários meses ou anos, sendo que as menores de 10 microns penetram nos pulmões das pessoas.
3.000 pulmões de pedra
Mesmo deficiente, o EIA recomendava que fossem realizados os estudos epidemiológicos, pois já atestava que a população da região apresentava índice médio de mortalidade por neoplasias (câncer) e doenças respiratórias (bronquites, sinusites, alergias, etc.) superior a de SC e do próprio Brasil. Os casos de óbitos de crianças menores de 01 ano por doenças respiratórias, anomalias congênitas, notadamente no sistema nervoso, incluindo anencefalia (fetos sem cérebro) também são numerosos. No Sul de SC, apenas os registros oficiais - notória a subnotificação dos casos - de pneumoconiose (petrificação dos pulmões) somam 3.000 casos. Além dessas moléstias, típicas da poluição pelo carvão mineral, há ainda elevados número de doenças cardiovasculares. O gado de consumo humano (carne e leite) é contaminado com a deposição das cinzas nas pastagens. O EIA está repleto de registros sobre inúmeras manifestações da população irresignada com a poluição. Com a Jorge Lacerda IV, inaugurada em 1997, aumentou substancialmente a poluição, agravou-se o problema.
Limiar da asfixia
O EIA previu postos móveis de controle além de mais um fixo, no centro de Tubarão, nunca exigidos pela Fatma. O próprio EIA atestou que menos de
5% do material particulado alcança o solo num raio de 20 km. Recomendou controle da chuva ácida à distância de 300 km. Porém nenhuma das medidas foi adotada e hoje não há qualquer controle da chuva ácida, apesar de notório que a poluição atinge raio de centenas de quilômetros. O fato da qualidade do ar estar acima do limite suportável pelas pessoas é imprestável para atestar a regularidade da Tractebel, pois se estaria concedendo à usina, e apenas
a ela, a prerrogativa de poluir até o limiar da asfixia humana. Embora sem aferição dos poluentes emitidos pela Tractebel (medidores nas chaminés, conforme preconizava o EIA ainda em 1986), é possível estimar a emissão pelo volume de carvão mineral queimado. A Fatma autorizou a Tractebel emitir 156.671,17 toneladas/ano de dióxido de enxofre (SO2). Esta e as demais emissões ultrapassam em muito os limites da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente(CONAMA) nº 08/90. Violam também a Convenção da ONU sobre a Mudança do Clima, dela sendo o Brasil signatário, a qual impõe sempre o emprego da tecnologia de última geração à redução/controle da poluição.
Poluentes lesivos
Poluentes altamente lesivos não são objeto de qualquer análise. Citaremos alguns exemplos, somada a poluição total em 10 anos de atividade da
usina.
— Arsênio: emitidas mais de 22 toneladas, o elemento é carcinógeno.
— Bário: emitidas 53 toneladas, o elemento é altamente tóxico.
— Boro: emitidas mais de 320 toneladas.
— Chumbo: emitidas mais de 100 toneladas, entre outros males, afeta o desenvolvimento cerebral das crianças, causando distúrbios de
atenção e desempenho escolar.
— Flúor: emitidas mais de 3.380 toneladas, o elemento causa morte da medula óssea e dos dentes.
— Selênio: emitidas mais de 40 toneladas, o elemento é carcinógeno.
— Urânio: emitidos mais de 500 kg, o elemento é radiativo, dos mais nefastos à vida humana.
Além desses, há vários outros, como o mercúrio, cloro, ozônio, iodo, bromo, cujo próprio EIA atesta que 50% desses elementos orginalmente presentes no carvão são emitidos à atmosfera. Mercúrio que a Tractebel, proprietária da Usina Wiliam Arjona (MS), sonegou sua emissão, conforme certificou a Secretaria da Saúde daquele Estado. Sequer providências as mais óbvias não foram impostas à Tractebel pela Fatma. Situação emblemática é a das chaminés, cuja maior altura facilita a dispersão da poluição mais distante da população. A Unidade IV da Jorge Lacerda tem torre de 200 metros. Todavia, 1/3 de toda usina continua com chaminés de apenas 100 metros, com freqüência, ocasionando que a poluição, ao invés de espargir-se na atmosfera, descenda ao solo, diretamente sobre a população.
Passivo da Privatização
Visando a privatização, formou-se a Gerasul que, além da Jorge Lacerda, tinha participação em várias usinas no Estado do RS, fornecendo 68,6%
de toda a energia elétrica consumida em SC e 38,1% do RS, de forma que, em 1998, o total de ativos da empresa somava R$ 3,8 bilhões. Apenas a
Jorge Lacerda IV custara US$ 531,6 milhões. A Gerasul foi privatizada em 15.09.98, sendo arrematado o controle acionário(50,01 % do capital votante) pela
Tractebel, multinacional com sede na Bélgica, por apenas R$ 947,7 milhões. Tão somente em 2003, a Tractebel obteve lucro líquido de R$ 517 milhões. Aos cidadãos restaram tarifa de energia exorbitante e poluição desmedida. (www.riosvivos.org.br/contaminacao)