Independent denuncia escravidao e destruicao da Amazônia e confirma omissao dos jornais nacionais
2004-11-04
Primeiro foram acoes alternativas de mídia como o consciência.net e o Observatório Social que denunciaram o que a imprensa nacional ignorou. Agora é a vez dos medalhoes do jornalismo internacional mostrarem uma versao crítica das principais questoes ambientais brasileiras, numa postura rara para os grandes jornais tupiniquins. A última delas ocorreu no primeiro dia de novembro. — As casualidades humanas do desastre da Amazônia no Brasil, diz o título de uma longa reportagem produzida pelo The Independent, de Londres (http://news.independent.co.uk/world/americas/story.jsp?story=578098). No texto o Independent afirma que seus repórteres visitaram áreas no Pará, onde, segundo estimativas do próprio jornal, cerca de 25 mil homens atuam como trabalhadores escravos, sendo forçados a destruir milhares de acres da floresta. — Além de serem forçados a destruir vastas áreas da floresta, os homens que atuam na Amazônia precisam trabalhar para amenizar dívidas relativas a transporte, alimentação e ferramentas, que nunca conseguem saldar, diz o texto.
Jornalismo vexado
Mesmo valendo-se de estatísticas suspeitas, o The Independent aborda um tema denunciado há meses pelo Observatório Social - iniciativa de comunicacao ligada à CUT - em um relatório-reportagem (http://www.observatoriosocial.org.br/almanaque/almanaque.htm) sobre o trabalho escravo no Brasil. A diferenca é que a mídia brasileira só se preocupou em noticiar os ajustamentos de conduta assinados pelas grandes empresas que se valem da falta de fiscalizacao do governo para manter custos baixos na obtencao de carvao vegetal usado na producao de ferro gusa. Nenhum repórter de Sao Paulo, Rio ou Brasília foi enviado para lá a fim de verificar se a situacao havia mudado ou se permanecia conforme a denuncia inicial. O Independent fez isso, deixando os jornalistas brasileiros numa posicao vexatória.
Veja, o papelao
Mas as brechas do trabalho de reportagem sobre a questao ambiental no Brasil sao muito maiores. Elas comecam a aparecer na medida em que o assunto ganha importância nas rodas empresariais e governamentais e ao passo que as ONGs ligadas ao tema se organizam e passam a multiplicar suas denúncias. Uma dessas denúncias foi feita por Gustavo Barreto, editor do Consciencia.net (www.consciencia.net), uma revista eletrônica experimental criada e mantida por estudantes de comunicacao da UFRJ. Em uma parte, o texto, que aborda o tratamento parcial da revista Veja sobre a questao do agronegócio no Brasil, lembra : — No começo de outubro, por exemplo, o relator nacional para direitos humanos e meio ambiente, Jean-Pierre Leroy, visitou o estado do Mato Grosso. O objetivo era verificar casos de violação a direitos humanos e relatá-los, de forma a pressionar o poder público. Jean-Pierre, que também é assessor da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), relatou um pouco do que viu por lá. — Por trás dos casos de violência organizada e crimes, foram identificados claramente velhos e incessantes interesses econômicos, que no Mato Grosso estão ligados ao cultivo de soja, à pecuária e à construção de hidrelétricas. No rol das vítimas, índios, quilombolas e pequenos agricultores despossuídos, todos avassalados pela perversidade atrasada do meio rural moderno, diz trecho do documento da FASE. Jean-Pierre Leroy denuncia: — O grão acaba com qualquer nascente, com brejos, acaba com tudo. A gente ia pelas estradas com a bacia do Araguaia de um lado e do outro a bacia do Xingu. O que é desses rios? Nós vimos dezenas de afluentes e neles não havia mais água! Tudo secando! Nenhuma mata ciliar. É das nascentes e dos brejos que começam os rios, e todas estão acabadas. A causa primeira disso são as fazendas de pecuária, nas quais ainda sobra um pouco de mata, uma lagoa etc. Agora, quando vem a plantação de grão, ela não se contenta com uma fazenda de mil hectares. Quem planta soja quer limpar milhares de hectares de solo, então liqüida absolutamente com tudo.
Próxima denúncia
Agora mesmo, outras iniciativas independentes ou alternativas preparam novos alertas. O Observatório Social trabalha em um relatório para desmascarar a farsa da indústria do álcool combustível. — Enquanto o Ministro da Agricultura voa de helicóptero sobre as usinas para mostrar aos japoneses a modernidade do álcool, no canavial os bóia-fria trabalham em condicoes medievais, sem falar que como monocultura, a cana tem impactos ambientais que o governo finge esquecer, argumenta um dos responsáveis pelo levantamento. O que convém perguntar é se há possibilidade de se confiar num sistema de mídia que acabou de receber este ano do Governo Federal, via BNDES, um empréstimo bilhonário para saldar dívidas. O fato é inédito na história do país, mas torna-se grave se considerarmos os interesses políticos e econômicos ligados às questoes ambientais.