Municipalização do controle ambiental é só o primeiro passo para sustentabilidade costeira
2004-10-29
Por Eugênio Singer
A recente decisão do Governo Federal de transferir aos municípios litorâneos o controle ambiental da faixa de 33 quilômetros a partir da linha da maré pode constituir-se em avanço importante para a preservação da Costa. A adesão de 13 municípios, em sete Estados, aos convênios de cooperação técnica com os ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente indica ser a iniciativa bastante promissora. Entretanto, a medida é insuficiente para equacionar o problema da devastação ambiental e, mais do que isto, para transformar o imenso litoral brasileiro em base sólida para o crescimento sustentável, geração de emprego, renda e desenvolvimento. É preciso estabelecer amplo e integrado processo de governança costeira, com a realização de políticas públicas conjuntas pela União, Estados, municípios, ONGs, empresas e comunidades. Inserir os vários segmentos envolvidos nesta questão, com o objetivo de construir um modelo que realmente defenda a costa nacional, capaz de representar, com legitimidade e soberania, as expectativas da sociedade brasileira em toda a sua diversidade, não é tarefa para ser resolvida do dia para noite. Ao contrário de outros biomas brasileiros, o litoral ainda se mantém órfão de um modelo de desenvolvimento sustentável que proteja seus recursos - naturais e culturais - de apropriações descomprometidas com o bem público. Assim, torna-se cada vez mais importante desenvolver um mapeamento completo da região costeira, ao longo dos oito mil quilômetros da orla, valorizando os aspectos socioculturais das comunidades locais e, é lógico, sempre preservando o patrimônio histórico e natural, por intermédio de práticas sustentáveis.
Mobilização e articulação
A preocupação com a região oceânica não pode ser apenas um modismo ou uma causa abraçada por alguns Estados. Precisa, sim, tornar-se objeto de discussão ampla e não incipiente como é hoje. Não podemos mais fechar os olhos para os problemas que começam a nos afetar, como a pesca predatória e a especulação imobiliária voltada para projetos turísticos. Respeitar a diversidade da nossa Costa, sem sacrificar os recursos naturais, é assegurar aos nossos filhos e netos a oportunidade de conhecerem manguezais, restingas, dunas, praias, ilhas, costões rochosos, baías, brejos, falésias, estuários, recifes de corais e outros ambientes. Discutir a governança costeira é permitir, ainda, que o Brasil entre de fato no contexto mundial das questões do meio ambiente e que o litoral transforme-se em indutor de desenvolvimento. Como nas áreas da promoção social, educação, saúde, cultura e alimentação, o gerenciamento costeiro, dada a sua complexidade e amplitude, não pode ficar restrito à ação estatal. Exige ampla mobilização e articulação do setor público e da sociedade organizada. Afinal, são poucos os países com orla e mar territorial como os nossos, com grande extensão, rica biodiversidade e potencial para atividades sustentáveis. Precisamos converter tudo isto em desenvolvimento, qualidade de vida e justiça social.
Eugenio Singer, 49, empresário é formado em engenharia civil, possui mestrado em energia nuclear e doutorado em engenharia de recursos hídricos e ambiental, é consultor ambiental, sócio da ERM Brasil e presidente do Conselho do Instituto Pharos.