A ligação entre meio ambiente e o câncer
2004-10-21
Em nosso meio ambiente existem numerosos fatores cancerígenos: radiações, substâncias químicas etc. Eles são responsáveis por uma parte dos 280 mil novos casos de câncer e das 150 mil mortes por ano registradas na França. Mas em que proporção? E eles são evitáveis? Para os especialistas, que redigiram a pedido do governo o anteprojeto do Plano Nacional Saúde e Meio Ambiente, de 7% a 20% dos cânceres seriam imputáveis a fatores ambientais. Esses números estão próximos dos da comissão de orientação do Plano Câncer, que se baseia em trabalhos dos epidemiologistas britânicos Richard Doll e Richard Peto. Segundo eles, as exposições profissionais seriam responsáveis por apenas 4% das mortes de câncer, a poluição por somente 2% e os fatores geofísicos
(sol, radônio), por 3%.
Influência ambiental
Setenta por cento das mortes por câncer seriam imputáveis a comportamentos individuais (tabaco, 22%; álcool, 12%; nutrição 35%). O professor Dominique Belpomme contesta essa avaliação. Em seu livro: Ces maladies créées par l homme (ed. Albin Michel). — As doenças criadas pelo homem, podemos finalmente considerar que de 80% a 90% dos cânceres são causados pela degradação do meio ambiente, sendo o meio ambiente entendido no sentido amplo do termo, incluindo o modo de vida. Publicada pelo Ministério da Saúde de os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, o folheto Câncer e meio ambiente (http://www.nci.nih.gov) confirma essa hipótese. — A exposição a um vasto leque de substâncias naturais e outras de origem humana no meio ambiente é responsável por pelo menos dois terços do total de cânceres nos Estados Unidos, escrevem os autores. Aí também o termo fatores ambientais inclui o modo de vida (consumo de tabaco e álcool), alimentação, condições de trabalho, medicamentos, hormônios, radiações, vírus, bactérias, agentes químicos e também o ar e a água.
Comparação continental
A relação entre meio ambiente e câncer é confirmada por estudos que comparam populações que migraram com as que permaneceram em seus países de origem. Na Ásia, a população apresenta um baixo índice de cânceres de próstata e de seio, mas uma freqüência elevada de câncer de estômago. Os
asiáticos radicados nos Estados Unidos, ao contrário, apresentam índices maiores de câncer de próstata e de seio, enquanto o do estômago diminui ao longo do tempo, equiparando-se aos números da população americana. Desde o século 18, os estudos conduzidos no meio profissional revelaram a existência de ligações com o meio ambiente e permitiram identificar diversos agentes cancerígenos, como o benzeno ou o amianto. — São mais ou menos os mesmos agentes que encontramos para a população em geral, explica o doutor Paolo Boffetta, do Centro Internacional de Pesquisas sobre Câncer em Lyon, França. — No meio profissional, os níveis de exposição são superiores e a população exposta é identificada. No meio não-profissional, a exposição é menor e o efeito do agente mais difícil de evidenciar na ausência de uma fonte bem localizada. Como o câncer é uma doença rara (5 casos em cada 10 mil pessoas), é preciso trabalhar com grandes amostras para poder evidenciar causas de câncer na população em geral.
Faltam dados
— Infelizmente, a França ainda não tem um registro nacional de cânceres de adulto, lamenta Jean-François Viel, epidemiologista no CHU de Besançon. — Apenas recentemente esse registro foi criado para crianças. No entanto, a responsabilidade do meio ambiente é estabelecida em certo número de casos. Assim, a poluição do ar por partículas aumenta de maneira limitada, mas muito provavelmente real, o risco de câncer do pulmão, indica Boffetta. — Ela explicaria 3,7% dos cânceres de pulmão, ou seja, 7.200 casos por ano na Europa, dos quais 1.300 na França. Outro exemplo é a cloração da água - atualmente
empregada para combater sua contaminação por bactérias -, que favorece a presença na água de subprodutos do clorofórmio como o triclorometano, que pode ter um efeito cancerígeno na bexiga. — Essas substâncias sem dúvida são responsáveis por uma porcentagem de cânceres da bexiga, mas por outro lado a cloração representa um benefício sanitário importante, lembra Boffetta. Outro exemplo: o da exposição ao arsênico, presente no subsolo de certas regiões do mundo, que implica diversos cânceres: de pele, fígado, pulmão, bexiga, pâncreas.
Suspeita industrial
Podemos citar também o radônio. Nos Estados Unidos, 20 mil mortes por câncer de pulmão são atribuídas anualmente à exposição doméstica dos descendentes desse gás naturalmente radiativo e presente nos solos de granito. Ao lado desses exemplos documentados existem suspeitas: a poluição de origem industrial por metais pesados, sem que tenha sido demonstrada na França; os pesticidas envolvidos em cânceres de pele, ainda que uma exposição prolongada ao sol também possa ser responsabilizada nesse caso; herbicidas suspeitos de causar cânceres do sangue (linfomas) ou do tecido conjuntivo
(sarcomas). A explosão da central de Chernobyl aumentou o número de cânceres? Evidentemente sim na área ao redor da central, pois o número de cânceres se multiplicou por um fator entre 7 e 10, principalmente entre os jovens, explica Boffetta. Na Europa ocidental, por outro lado, não houve um aumento notável das leucemias infantis nos 15 anos seguintes à catástrofe. Notamos um pouco mais de cânceres de tireóide. — Provavelmente houve cânceres de tireóide ligados a
Chernobyl, mas em número limitado, adianta o doutor Boffetta. Os potenciais efeitos nocivos dos campos eletromagnéticos também deram lugar a muitas hipóteses. — Os únicos dados tangíveis envolvem exposições em dose muito elevada em campos eletromagnéticos de muito baixa freqüência e o aumento do risco de leucemia infantil. Mas no Reino Unido o número de casos imputáveis é da ordem de 2 ou 3, sem que saibamos com certeza se não há fatores de confusão, resume Paolo Boffetta. A lista de novos fatores de risco não está encerrada, como vemos, e a incerteza sobre sua nocividade continua aumentando os temores de uma parte da população. (Le Monde 13/10)