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2004-10-13
Por Roberto Smeraldi
— Sim, parece que lá no golfo começou uma guerra. Aqui, ela continua. Foi assim que Wangari Maathai me respondeu, quando finalmente desembarquei em Nairóbi na madrugada da invasão do Kuait, em agosto de 1990. Eu havia ficado horas num avião na Arábia Saudita, e ansiava por notícias. — Esta guerra também mata, de sede, fome, doença. Onde nasci sobram menos de 2% das florestas, sumiu a água. Mas cuidado ao andar comigo. Sou considerada subversiva. A subversão de Wangari havia começado nos anos 1970. Reflorestar as savanas do Quênia a partir de viveiros comunitários, geridos por mulheres, quebrava a ordem estabelecida na família, na comunidade, na etnia kikuyu à qual pertence e, principalmente, no país. Mas a adesão ao seu Movimento Cinturão Verde (Green Belt Movement) foi grande. Conservação da água, hortas comunitárias, prevenção da erosão do solo, recuperação de áreas desertificadas, viveiros que viram atividade econômica, defesa da posse tradicional de terra. Mais de 30 mil mulheres de várias etnias (fato incomum num país tribal) se envolveram nessas atividades, em um movimento que iria se espalhar por países vizinhos, como Uganda e Tanzânia. De fato, andar com Wangari não era fácil. Na época, eu fazia parte da rede de ONGs ligada ao Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Ela também fora membro da diretoria, mas havia saído do cargo. Muitos ambientalistas não se sentiam confortáveis em apoiar ostensivamente Wangari, tida pelo ditador Daniel Arap Moi como um perigo público. Acabava de lançar uma nova campanha -desta vez, urbana- contra a destruição da principal área verde de Nairóbi para construir o maior prédio da África. Wangari mobilizou comunidades de bairro, foi presa em manifestações públicas e estremeceu suas relações com o governo. O prédio, um investimento de US$ 200 milhões, não foi construído. Wangari veio ao Rio para a Eco-92. Intensificou aí sua atividade internacional e, em 97, passou a integrar o Conselho Internacional Honorário da Amigos da Terra. A história de vida de Wangari tem analogias com a da ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Ambas nasceram em comunidades rurais, tornaram-se ambientalistas devido a uma questão de sobrevivência social, lutaram para obter educação superior, ganharam o prêmio ambiental internacional Goldmann nos anos 90, se elegeram para o Congresso de seus respectivos países e, finalmente, assumiram recentemente um cargo governamental. Hoje que as guerras proliferam, o Nobel da Paz para uma ambientalista rigorosa como Wangari traz uma mensagem estratégica global: sem conservar e renovar os recursos naturais, diminuem as chances de segurança internacional. E acrescenta outra mais específica para os países em desenvolvimento: segurança alimentar não se atinge com a conversão de ecossistemas, e sim com seu uso e conservação racionais. (Roberto Smeraldi, jornalista, é diretor da Amigos da Terra Amazônia Brasileira, especial para FSP 09/10)

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