Entrevista: A África precisa de mais chance, diz Wangari
2004-10-13
Em abril, quando a senhora esteve em Berlim para receber o Prêmio Petra Kelly, disse que os países em desenvolvimento estão cada vez mais conscientizados em relação à defesa do meio ambiente. O Prêmio Nobel vai aumentar os direitos dos ecologistas na África?
WANGARI MAATHAI: O prêmio vai ter um grande efeito no aumento da conscientização e do número de pessoas preocupadas com o meio ambiente. E deve aumentar também os direitos dos ecologistas porque agora os governos dos diversos países verão mais concretamente a importância do nosso trabalho. Mas já no passado houve uma grande mudança. Eu já fui presa várias vezes, recebi muitas pancadas pelo meu trabalho. E eu não queria revolução, apenas defender o meio ambiente, plantar árvores, porque com o equilíbrio da natureza aumentamos as nossas chances de sobrevivência.
Houve muita resistência dos quenianos quando a senhora foi nomeada vice-ministra?
WANGARI: Não, porque o governo já havia mudado. Na época de Daniel Arap Moi, um tirano autocrata que não valorizava o povo queniano, seria impensável que o meu trabalho fosse aceito pelo governo. Mas com a democratização, o presidente Mwai Kibaki me convidou para ser vice-ministra. Eu aceitei, mas disse logo que não queria apenas estar ali como álibi ecológico, mas atuar e exigir que o governo cumpra as suas promessas. Agora lutamos pelas árvores e por toda a natureza, pelos animais e pelos direitos das mulheres e das minorias.
Como foi o início do seu trabalho apoiando as mulheres do campo?
WANGARI: Foi com o trabalho com as mulheres que tudo começou. Eu sempre me preocupei com o que acontece ao meu redor e me concentrei em buscar soluções para os problemas que via. Quando falava com as mulheres simples do campo — aqui no Quênia as mulheres são as principais responsáveis pelo trabalho na agricultura — elas reclamavam que não tinham mais lenha para cozinhar porque não havia mais árvores. Aí pensei comigo: e se todos nós começarmos a plantar árvores? Resolvemos esse problema e melhoramos a qualidade do solo, combatendo a erosão, e melhoramos também o ar que respiramos. Até hoje, já conseguimos plantar 30 milhões de árvores, não só no Quênia, mas também em alguns países vizinhos que aderiram a nossa
associação, chamada de Movimento Cinturão Verde.
Havia no início do movimento ecológico intercâmbio entre os verdes africanos, os europeus e os ecologistas brasileiros?
WANGARI: Não, porque cada país tinha os seus próprios problemas. Em cada região do mundo, o objetivo da luta era diferente, mas em todos a preocupação era ecológica. Eu acompanhava de perto o que acontecia na Europa, de onde tiramos inspiração para criar o nosso partido verde. No Brasil, acompanhava também o trabalho de Chico Mendes, que lutava pela preservação das árvores da Amazônia. Ele também teria merecido o prêmio. E acompanhei também, com satisfação, a democratização do Brasil, um país que admiro, e gostei muito de ver um partido de esquerda e defensor dos direitos humanos chegar ao poder.
Os países do Primeiro Mundo acusavam os países em desenvolvimento de destruir o meio ambiente. No caso do Quênia, com o aumento do trabalho ecológico há agora mais ajuda financeira internacional para a realização de projetos?
WANGARI: Há ajuda, mas ainda não o bastante. No caso do Quênia, temos a sorte de sediar em Nairóbi o Pnuma, o programa da ONU para o meio ambiente, que vê mais de perto os nossos problemas e tem nos ajudado também financeiramente. A necessidade de recursos, porém, é muito maior.
No ano passado, a iraniana Shiri Ebadi recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Na quinta-feira(07/10), a austríaca Elfriede Jelinek ganhou o Nobel de Literatura. Hoje é a vez da senhora. Por que, na sua opinião, a comissão organizadora do Nobel premia cada vez mais mulheres, porque há mais mulheres no comitê que decide?
WANGARI: Eu acho que hoje o número de mulheres que exerce um papel importante na sociedade é maior e daí aumenta também a probabilidade de reconhecimento. Mesmo na África há um manancial de talentos enorme. Se houvesse mais chances de educação, os países do continente teriam mais chances também de receber os prêmios científicos. (O Globo 09/10)