Nobel da paz dá nova dimensão à ecologia ao contemplar Wangari Maathai
2004-10-13
— Muitas guerras no mundo são na verdade travadas por recursos naturais. Ao controlar nossos recursos, plantamos sementes da paz, disse Wangari Maathai. A queniana que mobilizou africanas numa cruzada contra o desmatamento, que já plantou 30 milhões de árvores e colheu na última sexta-feira (08/10) o prêmio Nobel da Paz. O anúncio, feito na Noruega, faz dela a primeira africana a receber o prêmio de US$ 1,3 milhão e a coloca numa lista onde estão nomes como Nelson Mandela, o Dalai Lama e Martin Luther King. A feminista e ambientalista Wangari, de 64 anos, é vice-ministra de Meio Ambiente do Quênia. Em 1977, ela fundou o Movimento Cinturão Verde, para recompor a floresta em volta de comunidades rurais -e vulneráveis à degradação, que esgota as terras e amplia a pobreza- e, ao mesmo tempo, gerar empregos para as mulheres dessas comunidades. O movimento, que se espalhou por outros países, já plantou mais de 30 milhões de árvores na África. O movimento, composto em sua maior parte por mulheres, também tem trabalhado em planejamento familiar, nutrição e na luta contra a corrupção. — Esta é a primeira vez que o tema ambiental define a agenda do Nobel da Paz, e nós demos uma nova dimensão ao conceito de paz, disse o chefe do comitê do Nobel, Ole Danbolt Mjoes. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer, do Partido Verde, declarou que Maathai se tornou uma figura simbólica devido a seu trabalho pela consciência ecológica. — Todo mundo que trabalha pela justiça ambiental vai celebrar este dia, disse o sul-africano Zackie Achmat, militante na luta contra a Aids que também estava cotado para receber o prêmio. Maathai disse que seu movimento poderia ser um ataque preventivo para salvaguardar a paz. No Quênia, ela ficou conhecida como a mulher-árvore e fundou o Partido Verde local, em 1987.
Controvérsia
— Não posso receber nada melhor. Talvez só no céu, disse Wangari, que comemorou plantando uma árvore em sua cidade natal, Nyeri, à sombra do Monte Quênia. — Nunca vi tanto dinheiro na minha vida. Parte dele vai para programas ambientais. O prêmio, que será entregue no dia 10 de dezembro em Oslo, gerou controvérsia. Ele frustrou as especulações, centradas nos conflitos no Oriente Médio e que apontavam como favoritos pessoas como Mohamed El-Baradei, da Agência Internacional de Energia Atômica. — Não se dá o Nobel de Química para um professor de economia, criticou Carl Hagen, líder do Partido Progressista, de extrema-direita, na Noruega. — O Nobel da Paz devia homenagear a paz, não o meio ambiente. Ao explicar a escolha, Ole Danbolt Mjoes, presidente do comitê, declarou: — Acrescentamos uma nova dimensão ao conceito de paz. Enfatizamos o meio ambiente, a construção da democracia e especialmente os direitos da mulher. Embora Wangari não seja muito conhecida pelo público em geral, ela já é uma lenda entre ambientalistas e feministas. Ela já foi descrita como ecofeminista, eco-humanista e a militante verde do Quênia. Seu movimento combate o desmatamento, um processo que devastou 90% das florestas de seu país nos últimos 50 anos.
História
Enquanto crescia, Wangari viu o Quênia verde de sua infância se tornar poeirento. — Na nossa língua, não tínhamos uma palavra para deserto, porque
nunca tínhamos visto um, disse Wangari no documentário Crossing the Divide, do Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente. Ela observava que as mulheres gastavam cada vez mais tempo para encontrar lenha para cozinhar. No final dos anos 70, já formada em ciências em universidades americanas e professora da Universidade de Nairóbi, sugeriu o plantio de árvores para ajudar moradoras da zona rural. O raio de ação aumentou ao defender direitos humanos e democracia e, mais tarde, ao protestar contra o regime do então presidente Daniel Arap Moi, quando este quis erguer um arranha-céu
na única área verde de Nairóbi. Os protestos de Wangari espantaram investidores e hoje a parte do parque que seria destruída é conhecida como esquina da liberdade.
Sofrimento
Por seu trabalho a favor do meio ambiente, a bióloga queniana Wangari Maathai, de 64 anos, sofreu muito. Foi presa dezenas de vezes quando os ecologistas e ativistas de direitos humanos na África eram vistos como subversivos. Wangari, doutora em biologia por uma universidade americana, sofreu represálias na própria família por suas atividades atípicas para uma mulher africana. Seu marido pediu o divórcio, alegando que ela era muito emancipada e bem-sucedida. Para Wangari, o Prêmio Nobel ajudará os ambientalistas africanos a receberem mais respeito em seus países e também despertará a atenção da população para a importância da conservação dos recursos naturais. Depois de uma entrevista à TV queniana, ela falou ao GLOBO, por telefone, afirmando que Chico Mendes também merecia o prêmio. Ela disse ter visto com satisfação um partido de esquerda e defensor dos direitos humanos (o PT) chegar ao poder no
Brasil. (FSP, O Globo 09/10)