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2004-10-05
Por Lara Corrêa Ely

Durante os dez dias em que noticiou a edição da MP dos transgênicos, Zero Hora utilizou apenas uma versão da novela. Desinformou seus eleitores, não mostrando que, enquanto os agricultores gaúchos aguardam preocupados por uma medida que torne legal o plantio, ambientalistas criticam a falta de estudos de impacto ambiental. Também passou longe de sua cobertura o lucro estimado pelo Jornal Folha de São Paulo que a Monsanto terá (de R$ 400 milhões) com a cobrança dos royalites.

Via transviada
As expectativas dos agricultores para a legalização da soja geneticamente modificada têm sido mostradas quase que diariamente. Entre os dias 20 e 30 de setembro, o caso relatado por ZH pareceu muito enrolado - o que em parte se deve à falta de definição do governo. Lá em Brasília, enquanto a ministra do Meio Ambiente Marina da Silva, chora e esperneia para que a agricultura orgânica prevaleça, como em muitos países europeus, o ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura é favorável ao plantio de OGMs e tranqüiliza os produtores afirmando que o governo não permitirá que a soja fique na ilegalidade. Além de dedicar grande parte do caderno Campo e Lavoura do dia 24 de setembro para mostrar os benefícios da soja transgênica no mercado, a colunista Rosane de Oliveira (Página 10) do periódico gaúcho também reforcou a posicao pró-trangênicos. Ela comentou o resultado da nota publicada pelo vice-governador Antônio Holdfeldt, criticando Lula pela posição arcaica em relação aos transgênicos e falta de providências. A resposta do presidente chegou por telefone a esta redação, através dos ministros gaúchos Tarso Genro e Miguel Rossetto, demonstrando solidariedade aos gaúchos e alfinetadas nas autoridades sulinas. A cobertura de ZH não deixou nenhuma farpa de fora; relatou toda a briga. Parece estranho que o espaço cedido para os ministros Rossetto e Genro - que não estão verdadeiramente envolvidos na questão transgênica - tenha sido deveras maior e merecido mais destaque do que as entrevistas com Marina e Roberto, os reais interessados e responsáveis por decidir a questão no Congresso.

Só não sabe quem lê
Zero Hora usou também o humor para expressar sua carga ideológica, quando em uma charge publicada no dia 24 de setembro, também no mesmo caderno, mostrou que o povo gaúcho está perdendo a paciência e o tempo de plantio. O desenho não informou nada além do que já haviam dito os integrantes da Fetag, Farsul, Emater, Souza Cruz, Cotrimaio, Cotrijal e Apassul em suas declarações. Até o procedimento legislativo utilizado no caso, a Medida Provisória, ganhou espaço para ser explicada em quadro especial (ZH, dia 24/09). Não faço aqui menção à importância do tema em destaque, mas questiono a ausência dos argumentos de quem é contrário aos transgênicos. Enquanto ZH mostrava o que é uma MP, o Jornal do Comércio (JC) estava cobrindo a manifestação da ONG Greenpeace em frente ao Palácio do Planalto. Lá, foi divulgada uma pesquisa dizendo que 90% dos brasileiros estão contra os agricultores gaúchos: não querem que os OGMs sejam legalizados. Quem só lê a Zero desconhece o fato.

Pró-interesses
O JC parece compartilhar com este jornal a idéia de informar somente a quem está favorável aos transgênicos. A ambos, faço uma crítica para que mais espaço seja dado às pesquisas de impacto sócio-ambiental e na saúde. Que a situação da soja transgênica no exterior seja narrada com clareza, informando por exemplo, quem está consumindo e quem evita. E os que não estão, por que o fazem? Que movimentos estão surgindo para esclarecer a situação? Quem são os reais interessados em lucrar? Quem pode sair perdendo? Para que o leitor, leigo ou profundo conhecedor da situação, use o jornal como fonte para formar opinião, é necessário que se permita a ele o acesso a ambos os lados da notícia. E, pelo menos aqui no Rio Grande do Sul, a cobertura da imprensa está voltada para os interesses das grandes empresas e políticos comprometidos com elas.

Cobertura da Folha é mais equilibrada
A Folha de São Paulo, durante os mesmo dias, esteve relatando os fatos sob outro ângulo. Em quatro reportagens diferentes, mostrou a situação vista sob a ótica da ministra Marina, do Roberto Rodrigues, da Monsanto e dos ambientalistas. Quem leu a Folha entende porque a Marina prefere os orgânicos; sabe de quanto será o lucro da Monsanto com a cobrança dos royalites e descobre que os ambientalistas estão pedindo ajuda para o Bird para agilizar os estudos de impacto ambiental. A Folha só não mostrou muito o lado dos ruralistas gaúchos. No dia 28 de setembro, um quadro contando os principais capítulos da novela dos transgênicos no Brasil foi apresentado como alternativa para quem estava por fora da discussao. Até quem não sabia o que eram os OGMs foi agraciado.
Outro motivo pelo qual a FSP teve méritos é o cálculo que fez para saber quanto lucrará a Monsanto com a cobrança dos royalites. Para isso, foi buscar as estatísticas do ABRASEM (Associação Brasileira de Sementes), à qual a multinacional está vinculada. Dado o aumento de 100% no valor que cobra pela patente do gene modificado (que antes era de R$1,20 pela saca de 60 quilos), a empresa terá ganhos de R$ 400 milhões. O ministério da Agricultura foi mais sutil, e divulgou como previsão de lucro os modestos R$ 120 milhões, que também nao é uma bagatela para tempos de crescimento magro da economia.

Lara Corrêa Ely é repórter do Ambiente JÁ

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