(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
2004-09-23
A maior guerra para tirar do papel o projeto de transposição do rio São Francisco ainda neste governo está por vir. Ela põe de um lado o governo e parte dos especialistas e, do outro, um heterogêneo e barulhento grupo reunindo organizações não-governamentais, promotores públicos, políticos locais e uma parcela da comunidade científica nordestina.

As batalhas já têm data para acontecer: em outubro, provavelmente na última semana do mês, começa uma série de audiências públicas para debater o impacto ambiental do projeto. O governo trata o assunto com cautela, mas reconhece informalmente que a briga pode atrasar todo o cronograma da transposição, maior obra de infra-estrutura da segunda metade da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os responsáveis pelo projeto em Brasília pretendem dar início à construção dos eixos Norte e Leste, que vão abastecer o semi-árido nordestino, em janeiro. Mais de R$ 1 bilhão foram reservados no Orçamento de 2005. A previsão é terminar a primeira fase do projeto no fim de 2006.

Para manter o calendário, o Ibama organizará pelo menos nove audiências públicas (uma em cada Estado afetado pela transposição) para discutir os efeitos da obra sobre o meio ambiente. Os verdes já avisam que pretendem barrar o projeto. —Vai ser um debate duríssimo—, anuncia, em tom belicoso, Alcides Faria, secretário-executivo da Coalizão Rios Vivos, entidade presente em mais de 30 países da América Latina, EUA e Europa.

Os ambientalistas têm duas linhas de argumentação. Primeiro, defendem que há alternativas mais baratas e de menor impacto para a natureza, como a construção de cisternas em grande escala e a abertura de poços artesanais. Segundo, não admitem que a transposição do São Francisco seja feita antes de um amplo programa de revitalização do rio.

Na prática, isso significa jogar a obra para um futuro longínquo e incerto. A revitalização inclui ações como repor a vegetação desmatada nas margens do rio, aumentar a área coberta por saneamento básico para acabar com o despejo de esgoto e controlar o uso de agrotóxicos na agricultura local que contaminam o lençol freático. Sem essas medidas, a transposição tira água de um rio cuja vazão já tem diminuído, com prejuízos à atividade pesqueira e ao ecossistema, alegam os ambientalistas.

Como eles gostam de dizer, é tirar sangue das veias do doente - embora o atual projeto preveja a captação de apenas 3,5% da vazão disponível. Mas essas ações levam tempo. Árvores demoram décadas para crescer e o saneamento não chegará ao semi-árido nordestino da noite para o dia.

Esperar tudo isso acontecer antes de executar a transposição é adiar indefinidamente a obra, sabem as partes envolvidas. E o Nordeste precisa de soluções urgentes. Cada habitante da região beneficiada pelo projeto consome, em média, 50 litros de água por dia, para várias finalidades. Em São Paulo, o consumo é de 340 litros. A Organização das Nações Unidas (ONU) sugere um mínimo de 120 litros por dia.

São esses paradoxos que devem transformar as audiências públicas em algo parecido a um campo de batalha. Literalmente. Em 2001, última vez em que o governo tentou discutir com a sociedade civil o projeto de transposição, um dos encontros em Aracaju teve ameaças físicas, cadeiras voando e técnicos do governo saindo escoltados pela polícia para não apanhar.

Enquanto as audiências não terminam formalmente, o Ibama não está habilitado a conceder (ou negar) a licença ambiental prévia, indispensável para o início das obras. Fica talvez na posição mais delicada. Precisa esclarecer todos os possíveis impactos ambientais do projeto, sem se desequilibrar entre os argumentos dos opositores e a pressa de quem defende a transposição.

A previsão, segundo o próprio Ibama, é concluir a análise para o licenciamento prévio até dezembro. Mas o calendário não é rígido. —Se houver um conflito grande na sociedade, o prazo torna-se imprevisível—, admite Nilvo Luiz Alves da Silva, diretor de licenciamento e qualidade ambiental. Ele deixa claro que o Ibama usará o tempo que for necessário para esgotar o assunto. —O processo de audiências não é uma busca de consenso. É uma oportunidade de ouvir os favoráveis e contrários ao projeto—.

Para conter o ânimo dos opositores, o governo está se mexendo. Primeiro, proibiu o uso do termo transposição para designar o projeto que agora recebe o nome de interligação das bacias hidrográficas, em referência à interligação do rio São Francisco com a bacia do Nordeste Setentrional. Tecnicamente, o novo nome é de fato mais representativo e apropriado.

Ele também ajuda a vencer a resistência de quem, em alguns Estados do Nordeste, acostumou-se a ouvir horrores sobre a transposição - termo mal-visto na região. No campo prático, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, se comprometeu a destinar pelo menos R$ 100 milhões, em 2005, para o programa de revitalização do rio São Francisco. Trata-se de um aumento de quase 300% em relação às verbas liberadas em 2004.

Mais dinheiro pode vir dos ministérios da Cidade e da Saúde, tendo como origem o Programa Nacional de Saneamento Ambiental. —Todos os cuidados ambientais estão sendo amplamente considerados no desenvolvimento do projeto—, assegura Pedro Brito, coordenador-geral do empreendimento no governo.

Amparado em um extenso estudo de impacto ambiental, Brito cita os aspectos positivos do projeto. A transposição permitirá uma gestão mais equilibrada dos açudes, reduzindo a evaporação e o desperdício de água. Todas as ações que causem impactos têm medidas compensatórias previstas - muitas já incluídas no programa de revitalização.

Para os opositores da transposição, no entanto, nem as garantias dadas pelo estudo nem os recursos destinados ao programa de revitalização são suficientes. —Não há fatos novos que passem a viabilizar o projeto—, diz Renato Cunha, coordenador do Grupo de Ambientalistas da Bahia, para quem a obra só atende ao interesse das grandes empreiteiras.

—Cem milhões de reais pode ser muito dinheiro, mas ainda é um valor pequeno diante das necessidades de revitalização do São Francisco—, acrescenta Cunha. —É quadruplicar o nada—, complementa Alexandre Toledo (PSDB), prefeito de Penedo, cidade alagoana que será afetada pela transposição. —Só aqui precisamos de R$ 15 milhões para levar saneamento a todas as residências—.

Com o avanço da agricultura sobre o cerrado baiano, cerca de 95% das matas ciliares (à beira do rio) foram destruídas. O desmatamento causa erosão, assoreamento e diminui a absorção de águas das chuvas pelo lençol freático, enfraquecendo a nascente. —Não sou contra a transposição, mas ela deve ser precedida de uma ampla revitalização do rio—, diz o prefeito Toledo, com discurso parecido ao das ONGs.

O Ministério Público também entrou em campo. —Da forma como as coisas são colocadas pelo governo, parece que as obras vão começar de qualquer jeito. Não é bem assim—, adverte a promotora Luciana Khoury, do MP da Bahia e coordenadora do Projeto de Defesa do São Francisco.

Com o apoio de colegas de outros Estados, ela deve entrar nas próximas semanas com uma ação judicial para barrar o início das obras. Se quisesse, a promotora poderia se municiar com os cálculos apresentados pelos seus conterrâneos do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, de Juazeiro.

Em uma publicação recente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um especialista do instituto mostra que experiências para combater a seca na China podem ser copiadas no semi-árido nordestino, com custo bem menor. Ele demonstra que a construção de 2,5 milhões de cisternas serviu para irrigar 400 mil hectares.

Os promotores, no entanto, devem ter cuidado com esse tipo de ajuda acadêmica. Técnicos do governo estranharam os cálculos e refizeram as contas. A mesma numeralha usada pelo especialista de Juazeiro levou a um resultado 40 vezes menor. Entre apelos ambientais legítimos, a transposição do São Francisco enfrenta também velhos interesses políticos e uma boa dose de demagogia.

desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -