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2004-09-21
Até o final de 2005, o Brasil terá o seu primeiro levantamento sobre a indústria brasileira de produtos orgânicos. Atualmente, todo o planejamento nacional para o setor é feito a partir de dados divulgados por organizações internacionais e empresas certificadoras. Essa espantosa realidade foi admitida no início do mês pelo gerente-executivo do Programa de Desenvolvimento de Agricultura Orgânica (Pró-Orgânico) e da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica do ministério da Agricultura, Rogério Pereira Dias. Segundo ele, ou melhor, segundo as fontes usadas pelo governo brasileiro, o País é o quinto do mundo em área plantada, contando com cerca de 19 mil produtores orgânicos. A informação foi dada durante a BioFach - versão latina da mais importante feira internacional de produtos orgânicos do mundo, anualmente realizada na Alemanha. Encerrada no último dia 10, no Rio de Janeiro, a feira surpreendeu organizadores, produtores e o governo federal.

Rapadura

Foram mais de 480 contatos entre produtores e compradores, com uma gama de ofertas que ia do mel à cachaça, passando por hambúrguer, cerveja, camarão, rapadura, biofertilizantes, medicamentos homeopáticos, cosméticos naturais, frutas, verduras entre outros. Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que coordenou os trabalhos no evento, os contatos devem gerar cerca de R$ 8 milhões em novos negócios. Esse desempenho, classificado como surpreendente pelos técnicos do Sebrae, trouxe imediatos reflexos. Além de aumentar de R$ 400 mil para R$ 2 milhões os investimentos na área, o Ministério da Agricultura anunciou que concluirá, até o final do próximo ano, o primeiro cadastro nacional de produtores orgânicos. Para muitos, pelo menos do ponto de vista oficial, será como tirar o setor, definitivamente, da clandestinidade.

Consumidores

No momento, a situação é no mínimo confusa. O governo admite a existência de 19 mil empresas no setor. O problema é que esse número vem das empresas certificadoras, segundo as quais o segmento movimenta entre US$ 90 milhões e US$ 150 milhões por ano. Elas atuam como fiscais. Um produtor orgânico só recebe esse selo caso cumpra uma série de normas (veja quadro Auto-sustentável). Porém, muitos produtores, para exportarem seus produtos, precisam ter certificações de diferentes países, justamente pela falta de um controle nacional. Isso nos levaria a supor que o número de empresas orgânicas está superestimado. Mas, na verdade, a realidade pode ser o inverso. É que mais de 80% da categoria é formada por pequenas empresas familiares, sem qualquer certificação ou controle. O setor, portanto, pode ser muito maior do que se imagina. Aliás, esse é o ponto crucial para os consumidores. Uma vez definida com clareza quem são, onde estão e o que fazem essas empresas, o controle da qualidade será mais efetivo e o preço, ponto fraco dos orgânicos atuais, poderá cair. Hoje, segundo os produtores, verduras orgânicas chegam ao consumidor com um preço que varia de 100% a 300% acima do que foi pago ao agricultor. Barzinho orgânico Tomar uma cervejinha e beliscar camarões. Esse hábito, muito comum em milhares de barzinhos à beira mar no Brasil, ganha um diferencial. Já é possível encontrar essas duas iguarias orgânicas. Desde o último mês de junho, começou a ser vendida a Eisenbahn Pilsen, a primeira cerveja orgânica brasileira, fabricada pela Cervejaria Sudbrack, de Blumenau (SC). O produto, certificado pelo Instituto Biodinâmico, garante que ela é produzida com ingredientes naturais, cultivados sem agrotóxicos, fertilizantes sintéticos ou conservantes. O primeiro lote, distribuído em 200 pontos de venda, principalmente da Região Sul do País, esgotou-se em cinco dias, segundo o fabricante (www.eisenbahn.com.br). Já do outro extremo do Brasil vem o camarão orgânico, cuja primeira produção nacional é feita em Tibau do Sul, a 79 quilômetros de Natal (RGN). Lá, a empresa Primar (www.primarorganica.com.br) produz crustáceos sem pesticidas, antibióticos ou hormônios. Os viveiros são semelhantes ao habitat natural, o que reduz o stress do animal, aumentando a sobrevivência e minimizando a ocorrência de doenças. O método orgânico reduziu em 75% a produção da Primar. Porém, o produto, de melhor qualidade, tem maior aceitação e já está sendo negociado com importadores franceses, possibilitando um lucro maior do que o obtido com o sistema de produção tradicional.

Oferta e procura

Hoje, já são mais de 120 países produzindo alimentos orgânicos, gerando renda superior a US$ 25 bilhões. No Brasil, estima-se que mais de 80% da produção é oriunda da pequena agricultura familiar Consumidor brasileiro resiste ao café orgânico Reduzir drasticamente os resíduos químicos e biológicos nas lavouras por meio do aperfeiçoamento de tecnologias de produção integrada, do cultivo orgânico e da agricultura de precisão. Essa é, segundo o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a prioridade do Brasil para o mercado de café. O motivo? O cobiçado mercado externo. Os produtores que vêm adotando esta forma de produção estão exportando café orgânico por quase três o preço da saca do produto convencional. Entretanto, de forma paradoxal, o volume de vendas internas está estagnado, sem crescimento nos últimos três anos. Para os especialistas do setor, o problema estaria no consumidor brasileiro que, diferente do europeu, por exemplo, não daria ao café orgânico a mesma importância que reserva para frutas e hortaliças produzidas por esse método. Segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), pesquisas de mercado indicam que o consumidor prefere os cafés especiais, também chamados de gourmets, com sabor mais encorpado. Esse segmento cresce cerca de 10% a cada ano.

Porém, se o mercado doméstico ainda não decolou, as exportações compensam. Cerca de 70% da produção de café orgânico do País é voltado para o mercado externo. A Alemanha é o maior consumidor. Quase todo o café orgânico produzido em Minas Gerais, por exemplo, tem como destino certo o mercado internacional, principalmente Japão e Estados Unidos, onde consegue um preço até 50% superior ao café convencional. De 2001 para 2002, segundo a Associação dos Produtores de Café Orgânico do Brasil, as exportação cresceram 191%. No mundo, a demanda por café orgânico cresce na faixa de 20% ao ano. O Brasil, com cerca de 100 mil sacas anuais do produto, está muito longe dos principais negociadores, como o México, países da América Central e o Peru, que concentram mais de 50% das vendas mundiais, avaliadas em 1 milhão de sacas por ano.

Auto-sustentável

A agricultura orgânica é um sistema de produção que evita ou exclui o uso de fertilizantes, agrotóxicos, reguladores de crescimento e aditivos para a produção vegetal e alimentação animal. Para isso, emprega métodos como a rotação de culturas, uso de estercos animais, de leguminosas, de resíduos orgânicos e controle biológico de pragas e patógenos. Busca ainda minimizar a dependência de energias não-renováveis (petróleo, gás, carvão). O objetivo é manter uma produção auto-sustentável, maximizando os benefícios sociais, a saúde humana e animal. Ao ser gerado dentro de um sistema produtivo que preservou o ambiente natural, o produto orgânico contribui para a melhor qualidade de vida não de um consumidor isolado, mas de toda a sociedade. Todo o produto, para ser considerado orgânico, precisa ser fiscalizado e possuir, na embalagem, selo de uma empresas certificadoras. De acordo com um estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), não são os legumes e hortaliças os setores com maior volume de produção de orgânicos. A soja ganha com 31%, seguida de hortaliças (27%) e café (25%). A maior área plantada é com frutas (26%), depois cana (23%) e palmito (18%). Já segundo um estudo da USP, feito com produtores paulistas, indica que 48% dos agricultores estão no negócio por causa do preço e mercado promissor. Somente 17% deles escolheram o cultivo orgânico por causa da preservação da natureza e sustentabilidade. (A Tribuna Digital, 21/09)

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