Desmatamento na Amazônia: indo além da emergência crônica
2004-09-13
Resumo: Não é de hoje que os níveis de desmatamento na Amazônia causam preocupação às pessoas e organizações que se dedicam aos temas socioambientais. Desde o início dos anos 90, os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) têm se mantido no extravagante patamar de 17 mil km2/ano. Esses níveis colocam o Brasil entre os cinco maiores emissores atuais de carbono para a atmosfera terrestre e como o campeão entre os países que mais desmatam.
A cada ano, e a cada novo dado divulgado, os governos anunciam medidas de caráter emergencial para combater o desmatamento. No entanto, essas medidas – quase sempre de caráter normativo e superestrutural – têm sido insuficientes para reverter a perversa tendência histórica. No início de 2003, o INPE divulgou o dado referente ao ano de 2001, de cerca de 18 mil km2 desmatados, muito acima dos 15 mil km2 estimados um ano antes, e também divulgou a estimativa de 21 mil km2 para 2002, um recorde histórico superado apenas pelo índice de 1995, de 25 mil km2. Portanto, verifica-se uma tendência recente de superação do patamar histórico anterior. Vale registrar que a divulgação desses dados mais recentes foi precedida de sua liberação, na íntegra, a um conjunto de organizações públicas e da sociedade civil – inclusive o IPAM – que dispõem de capacidade técnica para analisá-los, subsidiando a própria avaliação do governo. Os técnicos do INPE dispuseram-se a participar de um seminário para discuti-los e propor medidas, tendo o governo federal constituído um grupo de trabalho para analisá-las, com um ganho inestimável para a transparência do seu trabalho.
No entanto, consolida-se a convicção na sociedade civil brasileira de que o combate ao desmatamento ilegal, assim como o fomento às atividades de manejo sustentável dos recursos naturais que podem reduzir o desmatamento legal demandam um conjunto de políticas de controle e de incentivo ao desenvolvimento sustentável, capaz de envolver – de forma continuada, e não apenas circunstancial – os órgãos ambientais e os vários segmentos sociais e produtivos correlatos. O desmatamento é um fenômeno de natureza complexa, que não pode ser atribuído a um único fator. Sabe-se que a exploração seletiva e predatória de madeiras nobres funciona como uma espécie de cabeça-de-ponte do desflorestamento. Milhares de quilômetros de estradas clandestinas são abertos na mata, viabilizando a expansão das migrações e da grilagem de terras públicas, assim como de projetos de colonização e de pecuária extensiva.
Também há evidências de que a agricultura intensiva – especialmente a ligada ao agronegócio da soja –, mais capitalizada, tem ampliado a sua participação na conversão da cobertura vegetal nativa,
Desmatamento na Amazônia não apenas na região de cerrado mas também em áreas de floresta, além de empurrar outras frentes de expansão sobre a região amazônica. Mas é preciso considerar especialmente, entre as causas do desmatamento, o papel indutor do próprio Estado que, ao promover a implantação de grandes obras de infraestrutura em regiões sensíveis, especialmente a abertura e a pavimentação de rodovias e projetos na área de energia, sem o necessário planejamento estratégico da ocupação do território, acaba sendo o principal fator da promoção do desmatamento. Assim se caracteriza a contradição entre essas políticas estruturais, que empurram os índices para cima, e as medidas emergenciais de pouca eficácia que visam reduzi-los.
A presente publicação pretende constituir mais uma sólida contribuição do IPAM para a discussão desse tema candente. Ela aborda as várias iniciativas adotadas em período mais recente e que apresentam perspectivas favoráveis ao controle do desmatamento, seja em relação ao planejamento – como os processos de zoneamento ecológico-econômico e de licenciamento ambiental de atividades rurais –, seja em relação à legislação – como as recentes alterações no Código Florestal – e à implantação de unidades de conservação ambiental. A seguir, são analisados os diferentes tipos de fronteira agrícola e as principais causas do desmatamento, apresentando-se um farto rol de recomendações para contê-las. Finalmente, é enfocado o emblemático caso da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), cuja anunciada pavimentação poderá constituir um poderoso fator de aumento do desmatamento, se for implementada segundo os precários padrões históricos que marcaram as iniciativas similares anteriores.
Instituição: Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia - Ipam.
Autor: Márcio Santilli.
Contato: (61) 340-9992.