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2004-08-30
O médico e professor adjunto do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Paulo Pena explica que, por falta de dados estatísticos sobre a saúde desse grande contingente de expostos ao amianto, tecnicamente se trata de uma epidemia invisível. —Seguramente a epidemia existe, falta ampliar o esforço em enxergá-la—, afirmou. Técnicos do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador - Cesat e do Centro de Recursos Ambientais - CRA afirmaram ser possível a existência de ex-trabalhadores e familiares, que apresentem patologias (doenças) relacionadas à exposição ao asbesto (amianto), ainda não identificados pela empresa.

O Ministério Público de Simões Filho juntamente com a Associação Baiana de Expostos ao Amianto iniciou o levantamento dos casos de doença entre os ex-trabalhadores da Eternit. Dos primeiros 200 examinados, 20 tiveram diagnóstico confirmado para doenças como asbestose e calcificações pleurais, segundo o promotora de Justiça de Meio Ambiente, Hortência Gomes. Em Poções vivem muitos ex-trabalhadores da Sama, envelhecidos e doentes. Nos cemitérios da região, muitos foram enterrados sem diagnóstico preciso, mas com um final de vida marcado pelos sintomas típicos das doenças do amianto como falta de ar, definhamento e muita dor na região pulmonar. Com a mina fechada, muitas famílias se dispersaram em busca de emprego. Para o médico, reencontrar essas pessoas, examiná-las e registrar os casos poderá ser o passo definitivo para fundamentar o banimento do amianto no Estado.

Falta remédio —A firma saiu com os bolsos cheios de dinheiro, e nós, cheios de doença—, resumiu o ex-operário e portador de placas pleurais, José Cunha, 69 anos. Ele trabalhou ainda jovem, durante 11 anos, seis dos quais dentro de um dos túneis cavados na rocha. —Ali, um não enxergava o outro, mesmo a um palmo—, lembra. Para amenizar, usava a própria camisa amarrada à face para evitar a inalação do pó. —O cabelo da gente ficava duro de tanto pó—. Com dores no peito e nas costas, ele ainda não sabe o diagnóstico da doença. Há três meses um médico de Poções disse que sua placazinha está crescendo. Cunha e outros ex-operários reclamam não terem recebido o resultado dos exames que fizeram em São Paulo, às custas da empresa. Indiferentes a como possa se chamar, a dor é uma presença constante e indesejada em suas vidas. Reclamam também da falta de dinheiro para a compra dos remédios.

O relato das condições de trabalho da época choca. Otaviano José de Abreu, 77 anos, conta que ficavam pendurados no paredão, presos pela cintura, numa corda amarrada a um toco. Revendo o local onde trabalhou por cinco anos e meio, fala com dificuldade devido a fortes dores no estômago. Já não enxerga de um olho. Caminhava 7 km para pegar o serviço. Não podiam ter atraso. Ganhava bem, divertia-se com os colegas. Do trabalho que fazia, não lhe era dado saber muita coisa. —A gente perguntava para que servia, mas eles não diziam não, e se levasse qualquer pouquinho, eles não gostavam não—. Mostrou o lugar onde o colega Ramiro Ribeiro tombou amassado por uma pedra que rolou. Ele era novo e forte—, disse. —Saí, sem direito a nada—, resumiu.

Nas contas de José Cunha, pelo menos 75 ex-colegas de mina já morreram com as doenças do amianto. —Morrem três, quatro de uma mesma família—, disse ele. As providências tomadas pela empresa não satisfaz, segundo a sua mulher Jaci Ferreira Cunha. As indenizações dadas pela empresa são outro motivo de queixa. “Só sai quando a pessoa já está com o pé na cova”, disse ela.
Terra arrasada – A degradação causada pela minerada é visível no local. O cenário é, ao mesmo tempo, belo e trágico. A água, suspeita de estar contaminada, tem tonalidade esverdeada e contrasta com a vegetação ressequida da caatinga. A grande cava aberta de um km de extensão e 200 metros de altura e os seus túneis não estão resguardados da presença de pessoas e animais. Vacas já caíram paredão abaixo no grande lago formado pelo afloramento do lençol freático. Em redor da mina, os escombros dá sinais da punjança da antiga vila que chegou a ter cinema e quadras poliesportivas.

Técnicos do Cesat e do CRA recomendaram a recuperação da área no inquérito civil aberto pelo Ministério Público de Poções por iniciativa da Associação Bonjesuense de Expostos ao Amianto-Abea. Um segundo inquérito proposto pelo deputado estadual Zilton Rocha apura os danos causados à saúde dos expostos ao amianto – ex-trabalhadores, familiares e moradores das proximidades da mina. —Esperamos que a empresa assuma o ônus dos danos que causou—, disse Esmeraldo dos Santos, da Abea. (A Tarde, 28/08)

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