Plástico é ameaça real para os oceanos e para a saúde, diz oceanógrafo
2004-08-30
Por Capt. Charles Moore (traduzido por Luís Peazê)
Há uma parte no centro do Oceano Pacífico que ninguém nunca visita ou poucos já passaram. Os velejadores a evitam como a uma praga porque ali falta vento. Pescadores deixam-na de lado porque a sua carência de nutrientes a transforma num oceano deserto. Ela faz parte da chamada latitude dos cavalos, por onde os antigos navegantes ficavam à deriva, e, sem comida e água, tinham que jogar suas cargas de animais ao mar. Surpreendentemente, esta área é o maior domínio oceânico do nosso planeta com cerca de dez milhões de milhas quadradas, mais ou menos o tamanho da África. Uma montanha de ar, que é aquecida no equador e começa a descer lentamente em espiral no sentido horário a medida que aproxima-se do pólo norte, cria este domínio oceânico. Os ventos circulares produzem correntes oceânicas espiraladas para o centro onde há uma ligeira força centrífuga. Os cientistas conhecem este fenômeno atmosférico como alta pressão sub tropical, e a corrente oceânica que ela cria é conhecida como corrente central do Norte Pacífico ou giro sub tropical.
Plásticos forever
Por causa da estabilidade deste lento redemoinho, a maior expressão de uniformidade climática da Terra é, também, um acumulador de entulhos da civilização. Qualquer coisa que flutue, não importa de onde venha, dentro dos limites do círculo norte do Oceano Pacífico, acaba a sua viagem ali, às vezes após derivar pela periferia por doze anos ou mais. Historicamente, os entulhos não acumulavam porque eventualmente degradavam pela ação de microorganismos transformando-se em dióxido de carbono e água. Hoje em dia, entretanto, no afã de armazenar mercadorias contra a deterioração, nós criamos uma classe de produtos que desafia até a mais criativa e insidiosa bactéria. Esta classe de produtos são os plásticos. Os plásticos estão virtualmente por toda parte na sociedade moderna. Bebemos neles, comemos neles, sentamos neles e até nos locomovemos neles. Eles são duráveis, leves, baratos e podem ser transformados virtualmente em qualquer coisa. Mas são justamente estas propriedades úteis que fazem dos plásticos tão nocivos quando abandonados na natureza. Os plásticos são como os diamantes: para sempre!
Mar de polimeros
Os plásticos não são biodegradáveis, eles são fotodegradáveis - um processo no qual suas particulas quebram-se pela acao do sol em particulas cada vez menores, todas, porem, mantendo a caracteristica original. Isto é, continuam sendo plásticos, polimeros, eventualmente na sua menor representa玢o em moleculas individuais de plástico, indigestas para qualquer organismo. Há cinquenta anos, todas as pe鏽as de plástico que chegaram ao Oceano Pacifico oriundas do continente, quebraram-se em particulas e acumularam-se no giro central do Pacifico. Oceanografos como Curtis Ebbesmeyer, conhecido mundialmente pela sua especialidade em despojos de naufrágios, se referem a essa area do oceano como o grande Remendo de Lixo do Pacifico. O problema é que nao se trata de um remendo. Tem o tamanho de um continente, e está sendo entulhado por lixo plástico flutuante. Minhas pesquisas tem documentado 6 libras de plástico para cada libra de pl?ncton nesta área. Em minha ultima viagem de pesquisa de tres meses de ida e volta (2003) chegamos mais perto do Remendo de Lixo do que na anterior, e achamos niveis de fragmentos de plático muito maiores por centenas de milhas. Consumimos semanas documentando os efeitos que provocam as areias que flutuam nesses plásticos nas criaturas que vivem nesta área. Nossos fotografos capturaram imagens de águas-vivas irreversivelmente enredadas em linhas, e organismos filtradores transparentes com fragmentos de plásticos coloridos em suas barrigas.
Entulho por milhas
A medida que íamos para o centro deste sistema, fazendo fotografias debaixo dágua dia e noite, comecamos a nos dar conta do que estava acontecendo. Um prato de papel jogado ao mar simplesmente permanecia conosco, nao havia vento ou corrente para move-lo para longe. É ali que acabam todas as coisas que sao carregadas rio abaixo para o mar. Em outubro, durante o nosso retorno para Santa Bárbara, descobrimos uma coisa que jamais haviamos documentado - uma Corrente de Langmuir de entulhos de plástico. Correntes oceanicas com a rotacao contrária criam longas linhas de material, visíveis de cima como listras no oceano. Normalmente elas sao formadas por organismos plantonicos ou espuma, mas nós descobrimos uma feita de plástico. Tudo desde enormes mangueiras até minúsculos fragmentos formavam uma linha de uma milha de comprimento. Pegamos centenas de libras de redes de todos os tipos arroladas neste sistema, junto com todo o tipo de entulho imaginável. Algumas vezes correntes deste tipo derivam para cima das ilhas havaianas. É quando as praias de Waimanalo e Oahu ficam cobertas de areia de plástico azul e verde e com acumulacao de grandes entulhos. Mais ao nordeste das ilhas havaianas, na Reserva do Ecossistema de Corais, focas, os mais ameacados mamíferos dos Estados Unidos, ficam enredadas nos entulhos, especialmente em redes baratas de plástico abandonadas pelos pescadores industriais. Noventa por cento das tartarugas verdes do mar havaiano aninham-se ali e comem aqueles entulhos, confundindo com alimento natural, como também fazem os albatrozes. Na verdade o estomago dos albatrozes se parecem com uma prateleira de isqueiros em loja de conveniência, de tantos que contêm.
Esponjas toxicas
Entretanto, os problemas causados por entulhos de plástico nao sao apenas o enredamento e a indigestao. Há uma face ainda mais perversa da onipresenca da poluicao marinha pelos plásticos. Como esses fragmentos flutuam por aí, eles acumulam os venenos que nós fabricamos para várias aplicacoes e que nao sao biodegradáveis. Acontece que os polímeros de plásticos sao esponjas para o DDT, PCBs e nonofenóis - óleos tóxicos que nao se dissolvem em água do mar. Chegou-se ao cálculo de que pellets de plástico (pequenas pelotas) acumulam até um milhao de vezes o nível desses venenos que flutuam abandonados na água. Isto nao é como os metais pesados nocivos que afetam os animais que os ingerem diretamente. É mais do que isso, eles sao o que chamamos segunda geracao tóxica. Animais evoluem receptores para moléculas organicas chamados de hormonios, os quais regulam a atividade do cérebro e a reproducao. Hormonios receptores nao podem distinguir aqueles tóxicos do hormonio estrogênico natural chamado de estradiol, e, quando os poluentes ancoram nestes receptores em vez de nos hormonios naturais, eles têm demonstrado inúmeros efeitos negativos em tudo, de pássaros, em peixes e em humanos. A questao das desordens hormonais tem se transformado num dos, se nao o maior, problemas do século 21.
Mitigacao inviável
Desordens hormonais tem implicacoes na baixa producao de esperma e aumento da taxa de nascimento de fêmeas tanto em animais quanto em humanos. Incontrolavelmente, esta é uma tendência à extincao de qualquer espécie.Trilhoes de vetores poluentes estao sendo ingeridos pelos mais eficientes aspiradores naturais que a natureza já inventou: as redes de mucos de águas vivas e salpas que vivem lá no meio dos oceanos. Estes organismos sao, por sua vez, comidos por peixes e certamente, em muitos casos, por humanos. Podemos cultivar organicos sem agrotóxicos, mas pode a natureza produzir um peixe isento de pesticida? Depois do que eu vi no Pacífico, tenho minhas dúvidas. Muitas vezes eu me pergunto por que nao podemos aspirar aquelas partículas de plástico. Na verdade isto seria mais difícil do que aspirar cada polegada quadrada de todo o território dos Estados Unidos. Além de ser um espaco maior, os fragmentos estao misturados e abaixo da superfície às vezes até trinta metros. Sem falar que inúmeros organismos seriam destruídos durante o processo. Por fim, nao há um recurso economico que seria beneficiado diretamente por este processo. E nós ainda nao aprendemos a fatorar a qualidade do meio ambiente em relacao ao nosso paradigma economico.
Eliminacao das fontes
Mas devemos trabalhar nesta fórmula de cálculo rapidamente, pois uma quebra da bolsa de valores nao será nada em comparacao a um colapso ecológico em escala oceanica. Sei que quanto as pessoas pensam nas profundezas azuis dos oceanos, vêem imagens de águas puras, limpas e sem poluicao. Depois de colhermos amostras da superfície das águas do Pacífico Central, nao consigo mais ver imagens primitivas quando eu penso nas profundezas das águas salgadas. Tampouco consigo imaginar uma solucao de limpeza das praias. Somente a eliminacao das fontes do problema podem resultar num oceano longe do risco do plástico, e este resultado será visto apenas por pessoas do terceiro milênio DC. A batalha para mudar o modo com que produzimos e consumimos plásticos apenas comecou, mas eu acho que ela deve ser travada agora. O nível de partículas de plástico no Pacífico no mínimo triplicou nos últimos dez anos e multiplicar-se por dez na próxima década nao é um raciocínio irreal. Deste modo, seis vezes mais plásticos do que planctons estarao flutuando na sua superfície. (Charles Moore é membro da Aboard Oceanographic Research Vessel, Alguita www.alguita.org)