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2004-08-23
Dona Herta Karp Wiener teve uma infância tranqüila, mesmo com a tempestade da Segunda Guerra pronta para desabar sobre sua família judia. Nascida polonesa, de pai austríaco, ela lembra de inúmeras viagens pela Romênia e das belas paisagens européias que tinha como pano de fundo de suas brincadeiras. Quando tinha 16 anos, a família teve a sorte de fugir 13 dias antes do início da guerra, escapando do horror nazista. O pai, previdente, veio ao Brasil arrumar um jeito de trazer a família - e conseguiu na última hora. Os Wiener desembarcaram em São Paulo enquanto a Europa se engolfava na guerra.
Dona Herta nunca cansou de dizer o quanto teve sorte na vida. Adolescente em Sampa, estudou datilografia, taquigrafia, língua portuguesa. Mais tarde, trabalhou de correspondente de jornais estrangeiros e casou com um gaúcho. Com marido e filhos, virou dona-de-casa. A vidinha doméstica era gostosa, ela deslanchou no tricô. — Eu era boa no que fazia. Mas, um belo dia Dona Herta cansou de tricotar. Curiosa e inquieta, começou a fazer ioga, buscando encontrar algo que não sabia o que era. Tempos depois foi solicitada a dar as aulas de culinária natural na Grande Fraternidade Universal, uma associação naturalista. Só que não havia onde comprar os alimentos limpos para fazer tais receitas. Então, devido à demanda de alimentos orgânicos, surgiu todo o esquema que possibilitou a criação da Coolméia, a cooperativa de produção de alimentos orgânicos de Porto Alegre.

Cura milagrosa
Foi ainda em solo europeu que dona Herta vivenciou uma das experiências mais marcantes de sua vida, a qual levou-a a se interessar pela alimentação natural e vegetarianismo. Durante a infância, ela via o pai sofrendo de reumatismo. Ele suportava dores intensas, aliviadas graças a um coquetel de remédios receitados pelos sete médicos diferentes com quem havia se consultado. — Em exposição sobre uma mesa, os remédios eram tantos que meu pai podia escolher de olhos vendados o que iria tomar.
O homem não levava muito a sério os tratamentos. Até que um oitavo médico apareceu para tratá-lo. Desta vez, um naturalista. O doutor acreditava em um tal de princípio único - a lei do In e Yang, que no vocabulário zen quer dizer equilíbrio. Era baseado no tratamento da áura humana - com atenção centrada para raios de energia e magnetismo. Mesmo sem depositar fé no tratamento iluminado, o pai de Hertha encarou a sério o que dizia o médico, e junto com a família, começou a readpatação alimentar. Como receita, uma alimentação diferente, sem carne, na qual uma hora e meia de mastigação e exposição ao sol antes da refeição eram requisitos incluídos no cardápio.
No decorrer de seis meses com a nova alimentação, o pai perdeu mais do que bons 15 quilos: as dores sumiram junto com o preconceito pela medicina alternativa. A amizade que se formou com o médico possibilitou a Hertha aprender dicas e receitas vegetarianas, que nunca mais largou de mão. Como em mágica, ela foi hipnotizada para uma realidade que aplicou na sua vida, e mais tarde, com a criação da Coolméia, pôde passar para a vida de outras pessoas também. Hertha viu-se compelida a estudar mais. Já madura, fez supletivo para tirar diploma de segundo grau e cursar nutrição no Instituto Porto Alegre (IPA). Começou a se aperfeiçoar e desde lá não parou mais. Fez cursos sobre diversos tipos de alimentação e na medida que o seu conhecimento foi evoluindo, ela começou a dar cursos e consultas na sede da Coolméia, instruindo pessoas sobre como se alimentar bem.

Adeus ao radicalismo
Quando questionada sobre como conseguiu ser vegetariana a vida inteira, ela revela que não é mais uma vegetariana xiita. — Faço pequenas concessões de vez em quando para comer um peixe aqui, ou, quando saio com a família, em uma galeteria ali. A pessoa não precisa ser tão radical, pode abrir mão de acordo com sua vontade. Segundo dona Herta, a genética familiar tem forte influência na alimentação, às vezes a estrutura carnívora da família dificulta a abstinência. Mas é comprovado por estudos de fisiologia e anatomia médica que o ser humano é herbívoro. Foram as adaptações evolutivas que o deixaram onívoro - aquele que come de tudo.
A cozinheira e nutricionista da Coolméia diz que não tem prato predileto, no entanto repolho é algo que nunca falta na sua casa. Disse que comer comida estranha não é problema para ela, mas quando tem agrotóxico ela sente na hora. Se considera gulosa, mas só pelo conhecimento. Ela diz que seu hobby é ler, estudar, se atualizar. Mas ao mesmo tempo Dona Hertha não é mui amiga de computadores. — Parece que eles têm um complô contra mim. Basta eu chegar perto e a máquina pára de funcionar. Daí tenho que ligar para meus filhos e perguntar como fazer isso ou aquilo, é uma vergonha, diz com um humilde sorriso. Mesmo reconhecendo as facilidades da internet, tem uma postura contra a superficialidade que o mundo virtual está gerando. Para ela, é democrático, mas no sentido contrário. Ao invés de integrar, individualiza.
Não é praticante de religião, diz que já foi muito criticada por não ir a Sinagoga. Mas garante que tem um entendimento de espiritualidade muito bom. — Sou uma religiosa que não pratica religião, diz. Segue sua própria doutrina. — Às vezes, vem alguém e me agradece dizendo que ajudei a mudar sua vida. Isso é a maior benção que posso ter. O que considera mais especial na Coolméia, que ajudou a criar, é a forma como foi construída, a história de voluntariado. Lembra que na época chegava a virar noites trabalhando para o negócio dar certo. As pesquisas feitas, a procura por um sítio que abrigasse as plantações, de tudo ela guarda boas lembranças.
Hoje, aos 81 anos, Dona Herta gosta do contato com as pessoas. E isso é o que a mantém no trabalho do restaurante. A troca de idéias e de experiências que tem na Coolméia a mantém viva e presente dentro de uma realidade que está ajudando a construir. Ela acredita que, mesmo devagar, as pessoas estão ficando mais atentas para a alimentação saudável e ao consumo de produtos orgânicos porque isso faz parte de um caminho natural. — As pessoas estão acordando para as carcaterísticas da natureza. Querem colocar atalhos, e atalham errado. Temos que voltar por este atalho e refazer o novo.

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