AL desenvolve tecnologia, mas não sabe tirar proveito
2004-08-03
O captopril é um medicamento contra a hipertensão que rende milhares de milhões de dólares anuais à indústria farmacêutica. Sua patente pertence ao laboratório multinacional Bristol-Myers Squib, mas foi o médico brasileiro Mauricio Rocha e Silva que, em 1948, identificou sua substância básica, a bradicinina, a partir de estudos do veneno da cobra Bothrops jararaca. Pesquisadores da Universidade Nacional Autônoma do México descobriram na saliva do morcego vampiro um princípio ativo anticoagulante melhor do que os existentes no mercado. O grupo alemão Shering, que apoiou a pesquisa, fez-se dono da descoberta e a vendeu a empresas japonesas, sem pagar nada à Universidade. — Entre os pesquisadores falta uma cultura de proteção da propriedade intelectual, de registrar patentes, disse Carlos Vogt, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), uma das principais instituições brasileiras financiadoras de ciência e tecnologia. É necessário superar esse bloqueio cultural, que se manifesta inclusive quando são desenvolvidos produtos para o mercado, afirmou, por sua vez, Eugenius Kaszkurewicz, assessor do Ministério da Ciência e Tecnologia. Alberto Santos Dumont, considerado o inventor do avião, não patenteou suas invenções, ao contrário de seus rivais norte-americanos, os irmãos Wright.
Descuido local
Entretanto, a baixa quantidade de inovações reconhecidamente latino-americanas se deve principalmente a outras insuficiências. Os dados são desanimadores e parecem desenhar um futuro sombrio para a região: baixos investimentos, escassez de cientistas agravada pela fuga de cérebros, quantidades irrisórias de patentes nacionais e descuido na proteção de tecnologia local. O atraso regional resulta dramático porque o conhecimento é o capital decisivo na nova economia, segundo especialistas. A região dedica apenas 0,5% de seu produto interno bruto (PIB) à pesquisa e desenvolvimento, contra 2,5% a 3% na Coréia do Sul, Estados Unidos e Japão, uma brecha que se reflete na produtividade e cuja superação exige politicas públicas que fomentem capacidades de inovação, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). A invenção latino-americana nessa área provém principalmente do setor público, enquanto nos países industrializados as empresas privadas são a maior fonte de financiamento. No Chile, a contribuição estatal é de 65% do total, o setor privado fica com 20% e o investimento estrangeiro com 15%, segundo a Comissão Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica desse país. As dificuldades financeiras dos Estados agravam a situação. O Brasil, que destinava 1% de seu PIB à pesquisa e ao desenvolvimento em 2000, quer dobrar essa porcentagem até 2006, enquanto o México deseja chegar a 1%, saindo de seu atual 0,43%. Na Venezuela, o investimento nos últimos anos foi de 0,14% do PIB. No Brasil, foram apresentados, no ano passado, 24.753 pedidos de patentes, o dobro do registrado em 1990, e 40% das solicitações corresponderam a residentes no país. No México, houve 12.207 pedidos, e apenas 468 foram feitos por mexicanos.
Modelo Ultrapassado
O grande obstáculo a um maior desenvolvimento tecnológico regional é o modelo econômico sustentado na venda de matéria-prima e serviços de mão-de-obra barata, ao contrário do modelo oriental caracterizado pela absorção ativa de tecnologia, afirmou Gustavo Biniegra-González, professor da Universidade Autônoma Metropolitana do México. Por esse caminho, a América Latina não tem futuro, ressaltou. O governo mexicano não sabe fazer, pois a emergência da China e de outros países asiáticos como montadores com mão-de-obra barata e capaz de assimilar a tecnologia avançada superou sua aposta nesse campo. O especialista prevê um desastre de proporção inimaginável se o México não aumentar os investimentos em ciência e tecnologia, cuja importação atual custa ao país mais de três, talvez até 5% do PIB. — Não existe estratégia para substituir o petróleo, que pode acabar em 20 anos, nem para empregar 20 milhões de camponeses que ficaram obsoletos pela importação maciça de milho dos Estados Unidos, e pagar pensões a uma população que envelhece e exige um crescimento econômico de, pelo menos, 7% ao ano, acrescentou. Cuba, com um nível de educação similar ao de países industrializados, dispõe de 559 trabalhadores em pesquisa e desenvolvimento para cada cem mil habitantes, mais que o triplo do Brasil e 2,5 vezes mais do que o índice mexicano. — A existência do conhecimento por si só não garante, de modo algum, o êxito nos resultados, advertiu um economista cubano que pediu para não ser identificado. Muitos inconvenientes impedem que se converta o conhecimento em riquezas para a sociedade, tais com como insuficiente articulação entre este e o aparelho produtivo, escassez de capital para pesquisas, falta de proteção intelectual e ausência de uma estratégia integral, explicou o especialista. Os recursos humanos escasseiam em outros países. — Na Venezuela, contamos com 5.668 pesquisadores registrados, mas ainda temos um déficit de 12 mil, admitiu Rubén Reinoso, diretor de formação do Ministério da Ciência e Tecnologia. No México, só existe um pesquisador em desenvolvimento tecnológico para cada dez mil habitantes, contra 20 na Alemanha e 42 nos Estados Unidos, segundo dados oficiais. Dos cem mil cientistas que receberam bolsas para pesquisa nos últimos 30 anos, 6% ficaram fora do país. Dos 1.500 cientistas chilenos dedicados à pesquisa em 2000, um terço estava no exterior.
Bons Exemplos
Em contrapartida, Vogt e Kaszkurewicz destacam que no Brasil já houve pelo menos três histórias de sucesso: o agronegócio impulsionado por conhecimentos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os aviões da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e a produção de petróleo em águas profundas pela Petrobrás. Além disso, grandes investimentos no desenvolvimento de software permitiram ao Brasil chegar a um nível semelhante ao da Índia e China nessa área, porém, mais voltado ao mercado interno, ao contrário da Índia, ressaltou Vogt. Os dois especialistas vêem boas perspectivas para o futuro, depois de estabelecidas as bases de uma ampla estratégia governamental, incluindo fundos para desenvolvimento tecnológico em 14 setores, uma nova lei de inovações e uma política industrial que estimulará investimentos empresariais em tecnologia. A fuga de cérebros do Brasil é menor do que a de países em desenvolvimento, mas se acentuará se a crescente formação de especialistas não estiver acompanhada de uma ampliação de seu mercado de trabalho. As universidades estatais, as que mais empregam pesquisadores, terão de ganhar autonomia e se organizarem para produzir inovações, enquanto as empresas deverão ter a ousadia de multiplicar seus investimentos em tecnologia, sentenciou Vogt. Atualmente, as empresas empregam apenas 11% dos cientistas brasileiros, e o distanciamento entre elas e as universidades limita o desenvolvimento tecnológico e o número de patentes no país.(IPS 19/07)