Água para o sertão
2004-07-19
Animais mortos às margens das estradas, lama rachada no leito dos rios e crianças seminuas com ar faminto. Para quem mora nos grandes centros urbanos, essas imagens se tornaram o símbolo do sertão nordestino. O governo federal fala em investir US$ 6,5 bilhões na transposição do Rio São Francisco - uma obra que, no máximo, ajudará no abastecimento das grandes cidades. Acontece, porém, que a transposição não levará uma gota sequer à maioria dos 22 milhões de pessoas espalhadas nos 900.000 quilômetros quadrados do chamado Semi-Árido. Essas pessoas, contudo, podem ter uma esperança que não dependa somente de promessas do governo. Longe dos olhos da maioria dos brasileiros, os projetos desenvolvidos por organizações não-governamentais mostram que a solução para o sertanejo está em pequenas intervenções nas comunidades - e não nas obras faraônicas.
No oeste do Rio Grande do Norte, por exemplo, organizações sociais preparam-se para a construção de 14 pequenas barragens, que deverão perenizar 42 quilômetros do Rio Umari, no Alto Sertão. A obra custará R$ 980 mil. Os beneficiados são centenas de pequenos agricultores, que poderão irrigar suas terras e produzir o ano todo. Atualmente, o Umari só ganha volume durante os meses chuvosos da região, entre março e junho. No resto do ano, o que se vê são rasos filetes escorrendo pelo leito do rio. As barragens vão reter a água e criar espelhos com até 2 metros de profundidade. —A perenização do Rio Umari será um marco histórico. Mas só a construção das barragens não adianta muita coisa—, explica Ivanildo Paiva, funcionário da ONG Diaconia, entidade que coordena o projeto e presta apoio técnico a pequenos produtores rurais. —Os agricultores já estão discutindo como a água será usada e como seus produtos serão comercializados—.
O projeto das barragens, porém, é uma exceção na rotina de trabalho das ONGs sertanejas. A maior parte das iniciativas implica a construção de estruturas pequenas, mas com alcance social extenso. A mesma Diaconia é uma das executoras do Projeto 1 Milhão de Cisternas, que envolve outras 900 entidades da Articulação do Semi-Árido (ASA). O projeto constrói reservatórios com capacidade de armazenar até 16.000 litros a partir da água captada nos telhados das casas. Esse volume é suficiente para atender às necessidades básicas de beber e cozinhar de uma família de sete pessoas, mesmo nos anos de seca. O custo? R$ 1.000 por cisterna. Nos casos em que a residência é tão pequena que o telhado não consegue captar os 16.000 litros necessários, é construída uma espécie de calçadão de cimento. Ainda assim, a solução não sai por mais de R$ 1.700. —A relação custo-benefício dessas intervenções me faz pensar por que o governo federal insiste na tese da transposição do São Francisco, que é caríssima e de resultados duvidosos—, questiona Osvaldo Ribeiro, um dos coordenadores da Diaconia em Afogados da Ingazeira, Pernambuco, a 400 quilômetros do Recife.
Em palestras sobre o tema, José Moacir dos Santos, coordenador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), com sede em Juazeiro, Bahia, costuma sintetizar a forma de atuação das ONGs sertanejas com o seguinte raciocínio: —No Semi-Árido brasileiro, chove 600 milímetros por ano, média idêntica à da cidade de Berlim, na Alemanha. O problema é que no Nordeste a evaporação é alta e a chuva tem safra, ou seja, ocorre apenas numa época do ano. Como se faz com as plantas, é preciso colher chuva no Semi-Árido e usá-la da melhor maneira—.