Navio instalará bóias no litoral nordestino para monitorar comportamento do oceano
2004-07-14
Quem já assistiu ao filme O dia depois de amanhã deve ter se espantado com as conseqüências de uma mudança climática brusca capaz de levar o planeta a uma nova era glacial. No filme, as informações que previram a catástrofe natural foram transmitidas através de bóias posicionadas no oceano, dotadas de sensores e transmissores que realizam leituras meteorológicas e oceanográficas. Pois bem, bóias como essas estão sendo colocadas estrategicamente na costa brasileira pelo navio oceanográfico Antares.
O navio, que deixou ontem o Porto de Salvador, está sendo responsável por trazer algumas delas ao litoral do Nordeste. Esbanjando beleza e imponência na Baía de Todos os Santos, o Antares esteve atracado na capital baiana desde o último sábado. A embarcação partiu do Rio de Janeiro em 6 de julho, em direção à Bahia, e rumou ontem para Natal, no Rio Grande do Norte.
O trajeto faz parte da Operação Pirata BR VII, uma iniciativa tripartite entre Brasil, Estados Unidos e França, que visa o reconhecimento da climatologia no Atlântico tropical, levando em conta a evolução temporal e espacial da temperatura da superfície do mar e as interações entre o oceano e a atmosfera. As famosas bóias, instaladas em profundidades superiores a quatro mil metros e a distâncias que variam de 400 a 1,05 mil milhas náuticas (750km a 1,94 mil quilômetros) da costa brasileira, também são capazes de monitorar e prever a ocorrência de fenômenos como El-Niño e La Niña.
Serão cinco bóias lançadas no trecho litorâneo entre Salvador e Natal, além de um marégrafo (instrumento dedicado à medição e estudos da maré). São as bóias, inclusive, o motivo do nome da operação, que não tem nada a ver com os lendários bandidos dos mares. Pirata, nesse caso, quer dizer Pesquisa Piloto com Rede de Bóias Fixas no Atlântico Tropical. Ao longo dos últimos dez anos, essa já é a sétima vez que a operação é realizada. Após passar pela capital potiguar, o Antares deve voltar ao Rio de Janeiro em 1º de setembro.
O Antares trouxe a Salvador uma tripulação de 65 componentes, entre eles quatro baianos. Com 55m de comprimento, 18m de altura e uma capacidade de navegar por 30 dias sem precisar atracar em nenhum porto, o navio dispõe de uma série de laboratórios científicos e centros de análises químicas, físicas e biológicas. Já é 13ª vez que o baiano Alberto Chaves, 27 anos, e natural de Salvador, viaja a bordo do Antares. —Com essa viagem, estarei completando 450 dias no mar, só nesse navio, ao longo de quatro anos—, disse ele, pouco antes da partida, na manhã de ontem.
Trajetória - O jovem, cujo nome de guerra é Cabo Chaves, enxerga sua trajetória pelo mar como a concretização de um sonho. Na sua infância, vivida nos bairros soteropolitanos de Fazenda Grande, Resgate e Cabula, ele ouvia de seu pai conselhos para ingressar nas Forças Armadas. De nada adiantou, pois Chaves bateu o pé e persistiu em sua vontade de entrar para a Marinha. Aos 18 anos, o jovem já estava na Escola de Aprendizes.
Baleias e tubarões já foram avistados pelo baiano a bordo do navio Antares. As belas paisagens amenizam a saudade que sente da esposa, que também é baiana e mora no Rio de Janeiro com ele. Ficar mais de dois meses em pleno mar, cercado de homens por todos os lados, não deve ser muito fácil, mas o tempo em que o navio esteve atracado em Salvador lhe serviu como um retorno ao passado. —É muito bom estar de volta em minha terra natal e rever meus avós—, disse, revelando que não hesitou em dar uma passadinha no Bonfim e na Feira de São Joaquim. —Fui até lá comprar camarão seco e farinha. Não há produtos tão bons assim no Rio—, entregou. Chaves confessa que a Marinha está em seu sangue. No navio, ele convive com amigos como o chefe de operações Alex Urbang e o comandante Antonio Fernando Garcez, alguns de seus colegas de tripulação. Chega a hora de o Antares partir e deixar Salvador. A saudade permanece no coração do baiano, mas o envolvimento com o trabalho compensa. Começará uma nova etapa no lançamento de bóias ao mar. Afinal, ele não quer que sua terra se transforme num cenário real para filmes como O dia depois de amanhã. (Correio Da Bahia, 14/07)