2,6 campos de futebol por minuto são desmatados no cerrado brasileiro, diz estudo
2004-07-13
Estudos da organização não-governamental
Conservação Internacional (CI-Brasil) indicam que o Cerrado brasileiro deve desaparecer
até 2030. Dos 204 milhões de hectares originais, 57% já foram completamente
destruídos e a metade das áreas remanescentes estão bastante alteradas,
podendo não mais servir à conservação da biodiversidade. A taxa anual de
desmatamento no bioma é alarmante, chegando a 1,5%, ou 3 milhões de
hectares/ano.
As principais pressões sobre o Cerrado são a expansão da fronteira agrícola,
as queimadas e o crescimento não planejado das áreas urbanas. A degradação é
maior no Estado de Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso, no Triângulo
Mineiro e no oeste da Bahia. O estudo, feito a partir de imagens satélites,
é resultado da parceria da CI-Brasil com a ONG Oréades, que tem sede em
Mineiros.
—O Cerrado perde 2,6 campos de futebol por minuto de sua cobertura vegetal.
Essa taxa de desmatamento é dez vezes maior que a da Mata Atlântica, que é
de um campo a cada 4 minutos—, explica Ricardo Machado, diretor da CI-Brasil
para o Cerrado e um dos autores do estudo. —Muitos líderes e tomadores de
decisão defendem, equivocadamente, o desmatamento do Cerrado só porque não é
coberto por densas florestas tropicais, como a Mata Atlântica ou a Amazônia.
Essa posição ignora o fato de o bioma abrigar a mais rica savana do mundo,
com grande biodiversidade, e recursos hídricos valiosos para o Brasil. Nas
suas chapadas estão as nascentes dos principais rios das bacias Amazônica,
do Prata e do São Francisco—,
Entre os problemas provocados pelo desmatamento no Cerrado estão a
degradação de rios importantes como o São Francisco e o Tocantins, e a
destruição de habitat que compromete a sobrevivência de milhares de
espécies, muitas delas endêmicas, ou seja, que só ocorrem ali e em nenhum
outro lugar do planeta, como o papagaio-galego (Amazona xanthops) e a
raposa-do-campo (Dusicyon vetulus).
Junto com a biodiversidade estão desaparecendo ainda as possibilidades de
uso sustentável de muitos recursos, como plantas medicinais e espécies
frutíferas que são abundantes no Cerrado. Segundo a Embrapa Recursos
Genéticos e Biotecnologia, já foram catalogadas mais de 330 espécies de uso
na medicina popular no Cerrado. A Arnica (Lychnophora ericoides), o
Barbatimão (Stryphnodendron adstringens), a Sucupira (Bowdichia sp.), o
Mentrasto (Ageratum conyzoide) e o Velame (Macrosiphonia velame) são alguns
exemplos.
—Além de calcular a velocidade do desmatamento, o estudo da CI-Brasil também
mapeou os principais remanescentes de Cerrado, analisando a situação de sua
cobertura vegetal—, explica Mário Barroso, gerente do programa do Cerrado da
CI-Brasil e co-autor do estudo. —Esses dados serão incorporados à nossa
estratégia de conservação para o bioma, que está baseada na implementação de
corredores de biodiversidade—.
Os corredores de biodiversidade evitam o isolamento das áreas protegidas,
garantindo o trânsito de espécies por um mosaico de unidades ambientalmente
sustentáveis - parques, reservas públicas ou privadas, terras indígenas,
além de propriedades rurais que desenvolvem atividades produtivas
resguardando áreas naturais.
Hoje, a CI-Brasil está implementando seis corredores de biodiversidade em
regiões do Cerrado: Emas-Taquari, Araguaia, Paranã, Jalapão, Uruçuí-Mirador
e Espinhaço. O Ibama, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do
Estado de Goiás (SEMARH), a Universidade de Brasília e ONGs locais estão
entre os parceiros da CI-Brasil nesses corredores.
Dados subsidiam ações de conservação - Os dados do desmatamento no Cerrado
começam a ser apresentados pela CI-Brasil e seus parceiros a tomadores de
decisão dos mais diversos níveis. Em reunião do Conselho Nacional de
Biodiversidade (CONABIO), no início de julho, o estudo foi apresentado ao
Secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco. Depois da
apresentação, o Secretário declarou que o Ministério do Meio Ambiente vai
criar um grupo específico para discussão de medidas emergenciais para o
Cerrado, como foi feito para a Amazônia e a Mata Atlântica.
No Estado de Goiás, que possui muitos remanescentes nativos valiosos de
Cerrado, a apresentação do estado de conservação do Vale no Paranã ao
Conselho Estadual do Meio Ambiente resultou na criação de câmara técnica
temporária para discutir e propor ações de controle sobre o desmatamento na
área.
O Vale do Paranã, localizado na divisa dos estados de Goiás e Tocantins, é
considerado um centro de endemismo de aves, tem a maior concentração no
Cerrado de um tipo de formação vegetal conhecido como floresta seca, e é
remanescente de um corredor natural que ligava a Caatinga ao Chaco paraguaio
há cerca de 20 mil anos. O trabalho da CI-Brasil na área é feito em parceria
com a Embrapa Recursos Genéticos, a Universidade de Brasília e as ONGs Pequi
e Funatura.
No Corredor de Biodiversidade Emas-Taquari, que compreende áreas no sudoeste
de Goiás, sudeste de Mato Grosso e centro-norte de Mato Grosso do Sul, os
dados de desmatamento estão sendo compartilhados com as prefeituras
municipais de 17 municípios. Com o Projeto Municípios do Corredor de
Biodiversidade, a CI-Brasil em parceria com as ONGs Oréades e Oikos está
fortalecendo órgãos de meio ambiente municipais e estudais em cada cidade.
Técnicos e gestores foram capacitados para o levantamento local de dados,
confecção de mapas e aplicação da legislação ambiental. O projeto inclui
ainda a criação de núcleos de educação ambiental e o envolvimento de outros
atores locais, como lideranças comunitárias e promotores públicos.
—Para frear a destruição do Cerrado, os investimentos do Governo Federal na
próxima safra agrícola devem incluir ações de conservação, especialmente na
proteção de mananciais hídricos, na recuperação de áreas degradadas e na
manutenção de unidades de conservação—, defende Machado. —Se o Governo, as
empresas e a sociedade civil se mobilizarem para a criação de um fundo para
a conservação do Cerrado associado aos investimentos destinados à produção
de grãos, aí sim estaremos implementando, de forma justa e efetiva, a
transversalidade da política ambiental no Brasil—.