Insegurança e grandes empresas abalam mercado do petróleo
2004-06-25
— Os atentados perpetrados contra as infraestruturas petroleiras no Iraque que, até pouco tempo atrás, permaneciam contidos ao norte e ao centro do país, estão agora se alastrando em direção ao sul, onde se encontra a maior parte da produção. Esta evolução nos leva a temer que as exportações iraquianas continuem sendo caóticas, com o seu ritmo irregular, e isso deverá fazer com que os preços permaneçam voláteis durante este verão. Esta foi a constatação divulgada, num relatório publicado na terça-feira (22/06), pelo Center for Global Energy Studies (CGES), um reputado centro de estudos das questões energéticas, com sede em Londres. As perturbações que atingem a oferta do petróleo iraquiano, associadas à tensão que predomina no Golfo Pérsico, e que ainda foram dramatizadas pelos recentes atentados na Arábia Saudita, resultaram num novo aumento das cotações, no início desta semana, na Europa e no mercado americano. Ao alcançarem o seu nível mais alto desde o final de guerra, as exportações de petróleo iraquianas já totalizam entre 1,7 e 1,8 milhão de barris, o que representa cerca de 5% das exportações mundiais. Em tempo normal, não haveria nenhum motivo para pânico, uma vez que o abastecimento mundial não seria prejudicado por causa disso, ou apenas de maneira marginal. São muitos os produtores que se prontificam a compensar este déficit de produção. No entanto, uma verdadeira psicose da penúria grassa atualmente no mercado petroleiro.
Além de Bagdad O problema iraquiano vem se somar à ausência de capacidades excedentes em todo o mundo, ausência esta que andou se revelando tão pronunciada que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a Opep, já se comprometeu a aumentar as suas quotas de produção. Além disso, os problemas pontuais que estão surgindo atualmente, tais como as greves que ocorrem na Noruega e na Nigéria, ou ainda a instabilidade político-social que afeta a Venezuela, vêm agravando o desequilíbrio da oferta. Paralelamente, o crescimento da demanda, oriundo da expansão acentuada das economias emergentes (China, Índia) e dos Estados Unidos, e impulsionado pela retomada econômica registrada no Japão e numa parte da Europa, também pesa sobre os preços. Em 2004, a economia mundial deverá crescer num ritmo estimado em 4,6%, enquanto este foi de 3,9% em 2003.
Impedimentos ambientais Uma forte redução das capacidades de refinamento, que foi registrada, em particular, nos países da América do Norte, onde um grande número de refinarias foi fechado, contribui para alimentar ainda mais a tendência altista. Nada ilustra melhor este frenesi de consumo do que a explosão dos preços dos fretes marítimos, em particular os cobrados pelos superpetroleiros VLCC (sigla de Very Large Crude Carrier - cargueiro muito grande para transporte de petróleo bruto) que circulam entre o Golfo Pérsico e a Ásia ou a América do Norte. A tendência a desativar os navios petroleiros de casco simples, além da saturação que tomou conta dos estaleiros em todo o mundo, contribui para acentuar a penúria de barcos. Estas incertezas conjunturais vão se somando a uma série de evoluções negativas no longo prazo, contribuindo mais ainda para incentivar os especuladores a apostarem decididamente na alta das cotações. A situação tornou-se a tal ponto atípica que ela acabou gerando o paradoxo seguinte: apesar dos aumentos sucessivos que elevaram os preços do barril, as companhias petroleiras internacionais tendem, atualmente, a reduzir os seus orçamentos no âmbito da exploração-produção. As pressões exercidas pelos investidores institucionais, os quais privilegiam a geração de valor em benefício dos acionistas, incentiva as grandes companhias petroleiras a priorizar as compras de ações ou a distribuição de dividendos, em detrimento dos investimentos. Uma vez que predomina hoje a preocupação em diminuir os custos operacionais, a otimização da produtividade dos poços existentes tornou-se uma prioridade, em detrimento da exploração de novas jazidas. Por fim, as dificuldades que vêm sendo encontradas nas novas regiões de exploração, em particular com a perfuração em águas profundas (na costa oeste da África, no Brasil e no Golfo do México) incitam à prudência.
Nada de choque petroleiro Por certo, conforme aponta Philippe Mabro, do Instituto Oxford de Energia, a incerteza atual em nada se assemelha às crises decorrentes dos choques petroleiros de 1979, e sobretudo de 1973. — A não ser que ocorra algum evento de maior importância no Iraque, como, por exemplo, a destruição de estações de bombeamento, não há por que temer o advento de um novo choque petroleiro. A Arábia Saudita e, numa extensão menor, os países do Golfo tais como Abou Dhabi, possuem capacidades excedentes. Riad e os seus aliados estão sentados sobre cerca de 50% das reservas mundiais, explica este especialista. Além disso, a indisciplina que caracteriza alguns dos membros do cartel é notória: alguns produtores que andam precisando desesperadamente de divisas, tais como a Argélia ou a Venezuela, poderiam ser conduzidos a transpor os seus tetos. A necessidade para as grandes companhias petroleiras cotadas em Bolsa de aumentar as suas reservas comprovadas de combustíveis a serem inscritas no seu balanço incita ao otimismo. O escândalo da superestimação das reservas da Shell tornou evidente a necessidade de se dispor de projetos de desenvolvimento para garantir o crescimento. Assim, num tal contexto, aceder às imensas reservas de petróleo bruto iraquiano - cerca de 11% das reservas mundiais de petróleo, ou seja 112 bilhões de barris de petróleo bruto ainda não explorados - constitui um objetivo estratégico para as companhias. A começar pelos grupos americanos que certamente não hesitarão a reclamar a sua parte do bolo. O novo ministro iraquiano do petróleo, Thamer Ghadbane, precisa não só debruçar-se sobre o destino a ser reservado aos acordos petroleiros que haviam sido assinados pelo antigo regime, como também atrair novos investidores estrangeiros. A sua margem de manobra limitada deixa prever desde já a atribuição, por parte de Bagdá, de acordos de partilha de produção (production sharing agreements) para um período de 25 anos, conforme andaram solicitando as grandes companhias. (Le Monde)