Será impossível um desenvolvimento ecologicamente viável?
2004-07-07
Resumo: Devemos primeiramente entendermo-nos sobre o que é um desenvolvimento sustentado. Sabem certamente que a expressão “desenvolvimento sustentado”foi inventada pela Comissão Brundtlan, já que o termo anteriormente utilizado, pro exemplo na Conferência de Estocolmo, há vinte anos, era o de ecodesenvolvimento. Como o termo ecodesenvolvimento parecia por demais radical à delegação dos Estados Unidos, adaptou-se a expressão desenvolvimento sustentado. Talvez haja diferenças. Mas não vou entrar na arqueologia das palavras. Penso que o que se visava era, em qualquer dos casos, um modelo de desenvolvimento que fosse conforme a um conjunto de valores éticos que foram propostos nomeadamente pelos ecologistas. É assim necessário insistir sobre duas coisas: em primeiro lugar os ecologistas não tratam do ambiente. A ecologia não é ambiente. A ecologia é uma perspectiva global que toma em
consideração, simultaneamente, três aspectos: a espécie humana, a sua atividade e o ambiente, que é ao mesmo tempo produto e condição dessa atividade. Se, por exemplo, estiver interessado pelo castor, enquanto ecologista dos castores, não limitará a ecologia do castor ao efeito da construção das barragens dos castores sobre as florestas ou os rios. Interessar-se-á pela vida sexual dos castores, pela construção das barragens, pelo modo como o castor vive nessas barragens, etc. O mesmo se passa com a ecologia humana. A ecologia preocupa-se com o conjunto das atividades humanas, na perspectiva da relação entre essas atividades e o seu ambiente. Mas a ecologia política é um pouco mais do que isso; é um modo de querer promover uma certa realidade nessa relação entre a espécie, a atividade e o ambiente, segundo um determinado sistema de valores. Deste ponto de vista, pode considerar-se que a ecologia sucede aos movimentos emancipadores da humanidade. Do mesmo modo como a democracia tinha sucedido ao liberalismo, do mesmo modo como o socialismo sucedeu à democracia, a ecologia aprece igualmente como um conjunto de valores que engloba os antigos valores emancipadores.
Se quiserem, pode dizer-se que é uma exacerbação do ideal de cidadania – liberdade,
igualdade, fraternidade. Só eu esses valores se encontram requalificados pela experiência histórica: pelo fracasso das revoluções burguesas, pelo fracasso das revoluções socialistas e pela consideraçãodo carácter limitado do nosso planeta. Nesse momento a liberdade torna-se, não simplesmente a liberdade de empreender, mas o desejo de ver a realização plena dos seus próprios actos – aquilo a que se chama a autonomia. Afraternidade torna-se, não simplesmente uma certa preocupação com a permanência da aliança social entre os indivíduos, mas mais precisamente uma vontade de não abandonar ninguém na berma da senda do progresso: a solidariedade. Quanto à igualdade, ela alastra de maneira verginosa, já que à velha igualdade de
direitos que fez entrar sucessivamente os escravos, os proletários e as mulheres no corpo dos que
gozam de uma igualdade de direitos, a ecologia acrescenta a assunção dos direitos das gerações
futuras e das outras espécies do planeta: a responsabilidade. Por outra palavras, a divisa liberdade, igualdade, fraternidade transforma-se em algo como autonomia, solidariedade, responsabilidade- responsabilidade para com as outras espécies, para com as gerações futuras.
Será então possível conceber um modelo de desenvolvimento desse tipo, respondendo a esses
Tres valores?
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Autor: Alain Lipietz.
Contato: nascimento@ea.ufrgs.br.