Nobel de biologia questiona patentes e exagero em células-tronco
2004-06-25
Pioneiro do Projeto Genoma Humano, sir John Sulston, o britânico vencedor do Prêmio Nobel em Fisiologia de 2002, questionou as legislações na área das patentes, defendeu a existência de um fundo internacional de pesquisa e chamou a atenção para exageros nas expectativas sobre células-tronco --aquelas que podem se transformar em qualquer tipo de tecido. No Brasil pela primeira vez, Sulston diz ver com reservas o papel das empresas privadas na produção de ciência, defendendo restrições severas no estabelecimento da propriedade intelectual. Como solução para a comercialização e a crescente desconfiança pública que vê na ciência, ele propõe uma forte ação governamental, baseada sobretudo na cooperação internacional. — Temos de ter uma lei de patentes internacional e restritiva. Os governos têm de se esforçar para que o conhecimento como um todo seja de domínio público. O exercício da cidadania em qualquer parte do mundo requer cada vez mais conhecimento científico disseminado, disse Sulston em palestra no prédio do consulado britânico de São Paulo. O biólogo propõe também um fundo internacional público para financiar pesquisas sem apoio empresarial. Com relação à questão das células-tronco embrionárias --tema em debate em muitos países do mundo, inclusive no Brasil, com a discussão da Lei da Biossegurança no Senado--, Sulston diz concordar com a liberação da pesquisa com embriões, desde que respeitados os direitos dos pais. Porém, ele acha que a expectativa em torno das células é maior do que o que elas podem oferecer. — A coisa está exagerada, não deveríamos prometer demais, esperar demais dessa técnica, disse. Apesar disso, o cientista reconhece a relevância das células e diz que a popularidade delas ajuda outras discussões importantes a se disseminar na sociedade. O cientista dividiu a mesa de debates com a bióloga Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, e com José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Sulston diz ver o mesmo problema na terapia gênica (consertar um gene defeituoso). — Achávamos que os resultados viriam rápido, mas não é bem assim. Vai levar muito mais tempo. O britânico condenou o patenteamento de genes. — As descobertas que levam a patentes não podem ser óbvias, têm de ser novas e úteis. Achar um gene e saber o que ele faz não é bem uma novidade. A patente tem de ser concedida em cima de invenções, não de conhecimento, diz. — Não tenho nada contra patentes, mas há muito abuso ligado a elas. Por isso temos de limitá-las. Embora admita que não conhece muito o Brasil, o britânico acha que aqui, onde a presença da iniciativa privada é menor, a academia tem de intensificar contato com empresas, mas sempre tentando evitar os monopólios. Perez concorda: — Essa é uma grande necessidade da pesquisa brasileira. Para Sulston, essa relação requer cuidado. — As empresas e o mercado podem ser ótimos servos, mas são péssimos mestres. Os governos têm de domar o mercado livre, que não tem os mesmos interesses da sociedade, diz.(FSP 25/06)