EUA mantêm política nuclear como durante a guerra fria
2004-06-21
O governo de George W. Bush está sob fogo crítico de parlamentares e grupos ambientalistas por sua tentativa de produzir uma nova geração de armas nucleares, ao mesmo tempo em que descuida das tarefas de limpeza da contaminação causada por milhões de litros de seu próprio lixo atômico. O Senado norte-americano aprovou, no dia 4 de junho, uma provisão incluída na Lei de Autorização de Defesa 2005, proposta por Bush, que permite a flexibilização dos requerimentos de limpeza de contêineres com milhões de litros de perigosos resíduos radioativos. Segundo a provisão, o Departamento de Energia poderá reclassificar resíduos radioativos como incidentais, reduzir as medidas de limpeza e mantê-los em 51 tanques subterrâneos no complexo do Rio Savanna, no Estado da Carolina do Sul, em lugar de ser levado para o deserto de Nevada, como manda a lei atual. Embora a provisão se aplique somente à Carolina do Sul, legisladores e ambientalistas nos Estados de Washington e Idaho, que possuem resíduos nucleares semelhantes, alegaram que a decisão cria um claro precedente que poderia obrigá-los também a fazer a reclassificação. — O Departamento de Energia tenta economizar dinheiro deixando mais lixo atrás de si e, assim, coloca em perigo as futuras gerações, disse Bob Schaeffer, da Aliança pela Responsabilidade Nuclear (Ana, sigla em inglês), uma rede de mais de 30 comunidades residentes próximo a instalações nucleares. — A iniciativa tem graves conseqüências para recursos vitais de água em todo o país e afetará o direito de Estados e famílias de protegerem suas populações, afirmou a Ana em carta aberta endereçada aos senadores. Para entrar em vigor, a provisão deve ser incluída no final do mês, através do comitê de conferência, no relatório final do orçamento 2005. O complexo de Savana, estabelecido desde 1950 em uma área de mais de 777 quilômetros quadrados, emprega mais de 12 mil pessoas, a maioria delas envolvida no manejo de substâncias tóxicas. Calcula-se que nesse local existam cerca de 130 milhões de litros de resíduos radioativos, e informou-se sobre vazamentos em alguns dos tanques onde são armazenados. O Departamento de Energia alega que poderia gastar milhares de milhões de dólares a menos em tarefas de limpeza se lhe fosse permitido armazenar grandes quantidades de resíduos em tanques subterrâneos e cobri-los com concreto, e alguns senadores apóiam essa decisão. — O plano economiza dinheiro de nossos contribuintes e reduz o tempo que os resíduos permanecem nos tanques. É um método seguro, afirmou o senador republicano James Inhofe. Porém, os críticos pensam que a iniciativa procura dissimular os planos para construir em Savanna uma fábrica de combustível de plutônio, com intenção de produzir novas ogivas nucleares para projéteis. Um relatório intitulado Administrando os Materiais Nucleares da Nação - A Visão para 2005 do Departamento de Energia, revela a intenção de produzir novas armas. Segundo esse documento, os elementos inativos das forças nucleares devem ser reconstituídos, e existe a oportunidade de usar Savanna para processar excessos de plutônio residual. E torná-lo utilizável em armas. — Esse complexo é o lugar mais contaminado sobre a face da terra e representa um horrível legado da guerra fria, que se torna ainda mais horrível pela busca norte-americana de mais armas, comentou o ativista Louis Zeller, da Liga de Defesa Ambiental Blue Ridge. O orçamento para o próximo ano fiscal, que começa em outubro, inclui mais de US$ 6 bilhões para pesquisa e desenvolvimento de armas nucleares, uma quantia semelhante à destinada a essas tarefas durante a Guerra Fria. Em 1995, o gasto autorizado na matéria foi de US$ 3 bilhões. A destinação de recursos federais à produção de combustível de plutônio apoiará o desenvolvimento de novo armamento, e o projeto para Savanna inclui uma usina purificadora de plutônio através de procedimentos com ácido, que também é essencial para produzir armas nucleares, afirmou Zeller. Segundo especialistas, uma nova usina produtora de ogivas nucleares proposta pela Agência Nacional de Segurança Nuclear poderia produzir até 450 novos detonadores de plutônio por ano, para armas já existentes e outras cujo desenvolvimento está previsto. Atualmente, o país possui mais de dez mil ogivas nucleares ativas, perto de quatro mil definidas como reserva estratégica e mais de 12 mil como excedentes. O Tratado de Moscou, assinado em 2002 por Estados Unidos e Rússia, obriga os dois países a reduzirem seus arsenais para que em 2013 não superem as 2,2 mil ogivas nucleares montadas em projéteis e prontas para serem disparadas. Entretanto, a Casa Branca se nega a indicar quantas ogivas desmontadas pensa destruir e quantas pretende manter como reserva. Ativistas norte-americanos pelo desarmamento destacam que os planos para produzir uma nova geração de armas nucleares, chamadas miniaturas ou penetrantes da terra, minam os esforços contra a proliferação desse tipo de armamento. Washington expressa preocupação pelas tentativas iranianas e norte-coreanas de adquirir armas nucleares, mas não cumpre o compromisso de negociar a total eliminação dessas armas, assumido através do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, disse Ralph Hutchison, da Aliança Ambiental pela Paz Oak Ridge. O IPS/Terramérica pediu reiteradamente, sem sucesso, comentários para este artigo ao Departamento de Energia. (IPS/Terramérica).