Mega transposição é apontada como solução para falta de água no norte da China
2004-06-18
Após anos de má gestão ambiental e duas décadas de notável crescimento econômico na China, o norte do país está secando e dois terços de todas as cidades não contam com água suficiente o ano todo. O país mais povoado do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, sofre escassez de recursos hídricos e um agravamento da contaminação da água. Todos estes problemas foram abordados por especialistas e funcionários ambientais de diferentes países no Fórum Internacional sobre o Manejo Integrado da Água, organizado pela China. Participaram especialistas do Brasil, Moçambique, Iraque e Itália, entre outros, e compartilharam seus conhecimentos sobre gestão da água e projetos de desvio. Nas discussões figurou o plano da China para levar água desde o poderoso rio Yangtzé até o sedento norte através de três canais de quase 1,3 mil quilômetros cada um. O preço oficial do projeto é de US$ 58 bilhões, mais que o dobro do da represa de Três Gargantas, o maior projeto hidrelétrico do mundo. Ao contrário do dique de Três Gargantas, construído apesar das fortes críticas de grupos ambientalistas e de direitos humanos por falta de consulta pública e pela repressão de quem era contrário, o Projeto de Transferência de Água do Sul para o Norte pretende assentar um exemplo de uma nova consciência ambiental em nível governamental e mostrar a suposta abertura de Pequim às críticas internacionais. — O tradicional modelo de desenvolvimento em matéria de conservação da água não se ajusta ao compromisso da China de construir uma sociedade próspera no século XXI, disse no encontro o vice-ministro chinês de Recursos Hídricos, Suo Lisheng. O nível freático (volume de águas subterrâneas que pode ser explorada através de poços) nas planícies do norte da China, centro agrícola nacional que produz mais da metade do trigo e um terço do milho, está caindo mais rápido do que se pensa. O bombeamento excessivo devido a um desenvolvimento industrial descontrolado quase esgotou o aqüífero e limitou o volume de recarga das chuvas à quantidade de água que pode ser extraída. Em contraste com as regiões do sul, ricas em água, o norte, com 40% da terra cultivada e um terço da população, extrai apenas 7,7% dos recursos hídricos do país. Em definitivo, a forma como a China encarar seus problemas de água pode afetar todo o mundo. Se a escassez nas planícies do norte causar significativa redução na colheita de grãos, a China poderia ter de compensar essa queda com importações tão grandes que transtornariam os mercados mundiais, aumentando os preços dos alimentos. — Para 2030, quando teremos chegado a 1,6 bilhões de pessoas na China, seus recursos hídricos terão caído abaixo dos 1.700 metros cúbicos por habitante, a linha de advertência sobre deficiência de água, preveniu Wo Jisong, diretor do departamento de recursos hídricos do ministério de mesmo nome. — Isto somado ao processo de mudança climática mundial tornaria a situação mais desesperadora, alertou. Por essa razão, as autoridades querem acelerar o projeto de canalização do Yangtzé, proposto pela primeira vez há 50 anos pelo fundador da China comunista, Mao T setung, e revivido em 2000 depois de anos de seca que exacerbaram a crise da água. Após seu término, previsto para 2050, os canais levarão ao norte um total entre 40 e 50 bilhões de metros cúbicos de água por ano. O impressionante crescimento econômico da China, que atingiu uma média de 9% ao ano desde 1978, repercutiu negativamente no abastecimento urbano de água. Como resultado do desenvolvimento de indústrias e a conseqüente contaminação, dois terços das cidades chinesas não têm água potável suficiente. Até 700 milhões de pessoas bebem água contaminada com dejetos humanos e animais em níveis bem acima do máximo aceitável. As autoridades centrais decidiram pelo fechamento de pequenas fábricas poluidoras, mas funcionários encarregados do projeto admitiram que a medida não foi eficaz. — Hoje fechamos cem pequenas fábricas na província de Jiangsu, e amanhã outras cem são abertas, disse o professor Li Ping, do Instituto de Economia Quantitativa e Técnica, vinculada à Academia Chinesa de Ciências Sociais. Participantes do fórum destacaram a necessidade de Pequim abrir os projetos hídricos à votação pública com forma de evitar erros calamitosos, e que tenha em conta o processo de mudança climática na elaboração desses projetos. Numa referência à canalização do Yangtzé, Antonio Navarra, diretor de pesquisas do Instituto Italiano de Geofísica e Vulcanologia, advertiu que, devido à magnitude do projeto e sua dependência das condições ambientais, deve-se considerar as variações climáticas a partir de uma etapa bem precoce. (IPS/Envolverde)