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2004-06-11
Por José Goldemberg *
A ocasião é oportuna para aprofundar a discussão sobre as implicações reais do TNP porque haverá, em 2005, uma conferência internacional - que ocorre a cada 5 anos - para rever os seus sucessos e insucessos. As atividades nucleares no Brasil - como em outros países do mundo - sempre tiveram duas vertentes: a civil e a militar. Como outras tecnologias, a energia nuclear pode ser usada para fins pacíficos ou militares. Estabelecer uma clara linha separando as duas não é fácil. Por exemplo, aço pode ser usado para fazer punhais, que podem matar, ou facas para cortar alimentos. É por essa razão que não é permitido que passageiros entrem em aviões com facas, tesouras ou outros objetos do mesmo tipo, e inspeções são feitas para evitar que isso ocorra, devido ao temor que sejam usadas para dominar a tripulação no caso de seqüestro. Com a energia nuclear, o que se passa não é muito diferente: ela foi desenvolvida para produzir bombas atômicas com terrível poder explosivo, mas logo se percebeu que poderia também ser usada em reatores nucleares nos quais se produz eletricidade.
Esse desafio está sendo enfrentado, há quase 40 anos, pelas restrições impostas pelas grandes potências que desenvolveram armas nucleares aos demais países. Isso foi feito por meio do Tratado de Não-Proliferação (TNP), firmado em 1967, que legitimou a posse de armas nucleares pelos EUA, pela Rússia, pela Inglaterra, pela França e pela China e tentou evitar que outras nações as desenvolvessem, restringindo o acesso à tecnologia. O TNP foi o resultado de uma barganha diplomática: países abririam mão do acesso a armas nucleares em troca do desarmamento progressivo das grandes potências, o que, ao longo dos anos, levaria ao banimento dessas armas, como ocorreu com armas bacteriológicas. Além disso, elas seriam beneficiadas pela transferência de energia nuclear para fins pacíficos. O TNP é, de fato, um tratado assimétrico que dividiu o mundo em dois grupos: os que têm e os que não têm armas nucleares. Para alguns, essa solução foi considerada equivalente a desarmar os desarmados, enquanto outros se armam sem limitações.
Sucede que essa não é a única assimetria existente no mundo, como é evidente quando se considera que a renda per capita média dos americanos é dez vezes maior (ou mais) do que a renda per capita dos indianos. O sucesso do TNP em conseguir seus objetivos foi medíocre porque Índia, Israel e Paquistão, que não eram signatários do tratado, desenvolveram armas nucleares. A Coréia do Norte é ainda uma incógnita nessa questão. As restrições do TNP, porém, têm sido aceitas voluntariamente por muitos países. O Brasil está entre eles, uma vez que o governo se convenceu, a partir de 1992, de que a posse de armas nucleares não traria vantagens ao país. Desenvolver armas provocaria restrições às importações de certos materiais e equipamentos e medidas retaliatórias de maior ou menor intensidade das grandes potências, como aconteceu com Iraque, Líbia, Irã e Coréia do Norte. O Brasil e a Argentina abriram mão do acesso a armas nucleares firmando um pioneiro e inovador acordo de cooperação bilateral que criou uma agência - a ABACC - que tornou o Cone Sul da América Latina uma zona livre de armas e ameaças nucleares. Os dois países deram, na ocasião, um magnífico exemplo de maturidade política. Sucede que dominar todo o ciclo nuclear, desde o enriquecimento do urânio até a produção de armas, não é uma tarefa tão difícil assim e as elites técnicas de vários países poderiam fazê-lo com seus próprios meios se a decisão política nesse sentido fosse tomada. Depois que a Índia e o Paquistão desenvolveram armas nucleares, aumentaram as preocupações de que outros países o fizessem e, por essa razão, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) realiza inspeções para se certificar de que isso não está acontecendo.
O acesso às instalações nucleares é que deu origem aos recentes problemas que o país está tendo com a AIEA e as restrições que o Brasil colocou às inspeções despertaram suspeitas de que as intenções do governo brasileiro não seriam inteiramente pacíficas.O argumento usado de que tais restrições se destinam apenas a proteger a tecnologia nacional de enriquecimento de urânio não são convincentes.
A ocasião é oportuna para aprofundar a discussão sobre as implicações reais do TNP porque haverá, em 2005, uma conferência internacional - que ocorre a cada cinco anos - para rever os seus sucessos e insucessos.O Brasil tem sido um dos países mais ativos nesses debates, juntamente com África do Sul, Egito, Irlanda, México, Nova Zelândia e Suécia, que têm feito propostas sérias para aperfeiçoar e democratizar o TNP. Esses sete países se organizaram numa Coalizão da Nova Agenda, na qual o nosso atual Chanceler, Celso Amorim, foi muito atuante e lutou para que o controle do acesso a armas nucleares, dos países que não as possuem, seja vinculado ao desarmamento dos que as possuem, tornando o mundo menos perigoso do que é hoje. (Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo)

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