Por Mariano Senna
Além dos ganhos de produtividade e qualidade propagandeados pelo marketing de grandes transnacionais, os transgênicos estão provocando um fenômeno inédito no mundo. Graças à polêmica provocada pela ofensiva dos organismos geneticamente modificados em mercados como o europeu e o brasileiro, países ricos e pobres estao descobrindo que compartilham dos mesmos problemas, dúvidas e fragilidades nesse assunto.
No Brasil, mesmo obrigatória desde 22 de marco deste ano, a rotulagem de produtos com mais de 1% de trangênicos não saiu do papel. Apesar das denúncias de ONGs o tal rótulo amarelo com a letra T ainda é um mistério. No último dia de maio a justiça teve que intervir tamanho o descaso. O juiz Domingos Paludo, deferiu uma liminar do Ministério Público de Santa Catarina e mandou retirar de todo o mercado catarinense a sopa de carne Knorr, o leite de soja Aptamil e o suplemento alimentar Suprasoy. Mas assim como a medida, esse é só um exemplo pontual.
O problema tem dois atores principais: as indústrias e o governo. Os fabricantes, mesmo ameaçados por multas de até R$ 3 milhões, só no final de maio é que começaram a fazer as análises dos seus produtos nos laboratórios credenciados pelo governo. Este por sua vez alega não ter recursos para fazer a fiscalização. — Os ministérios ainda buscam recursos para o trabalho, justifica Mônica Amâncio, advogada da Embrapa e integrante do Conselho de Informações sobre Biotecnologia. E identificar a presença de transgênicos não é uma tarefa simples. Mesmo para culturas convencionais a contaminação pode ocorrer desde na polinização, transporte ou industrialização dos produtos. A verificação é feita através da comparação com o DNA da planta convencional, mas em produtos industrializados, como o óleo de soja, é impossível coletar o DNA modificado, sendo necessária a análise do produto na origem da matéria-prima.
No final de abril a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já dava o tom da música na fiscalização. — A fiscalização da rotulagem é muito difícil. Somente em casos excepcionais serão feitos testes, declarou o diretor-presidente do órgão, Cláudio Maierovich. O exame para verificar a presença de transgênicos em um produto realizado pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz custa R$ 300,00 por amostra. Normalmente cada análise precisa de três amostras. — Não é nossa prioridade coletar produtos nos supermercados para fazer tais análises, informa Maierovich. Ele explica que a fiscalização será feita através do cruzamento de documentos que comprovem a origem das matérias primas.
Segundo estudos de análises do Instituto de Biotecnologia da Universidade Federal de Vicosa os transgênicos estão sendo comercializados no Brasil pelo menos desde 2000. Naquele ano a presença de resíduos de OGMs foi constatada em 5% das amostras testadas. Em 2001 esse percentual subiu para 11,5%, pulando para 28,5% em 2002 e chegando a 32,3% em 2003. Os testes da Universidade foram feitos tanto em grãos, quanto em produtos industrializados como sopas e óleos, através de processos especiais de detecção e quantificação de transgenes.
Fiscalização é o calcanhar de Aquiles das leis para transgênicos
Na Europa onde a moratória de seis anos aos transgênicos acabou no último dia 19 de maio a situação não é diferente. Os rótulos de trangênicos, que se tornaram obrigatórios um mês antes, ainda não estão nos supermercados e a única forma segura de evitar o consumo de transgênicos é consumir só orgânicos, o que é caro. Ou confiar no compromisso assumido entre alguns produtores e comerciantes. — Nós vamos evitar alimentos transgênicos porque os consumidores não os querem, anunciou Urs Peter Naef, porta-voz da Federação de Cooperativas da Migros, maior varejista da Suíça.
Mas na prática nem mesmo medidas como essa garantem que produtos industrializados estejam livre de transgênicos. Pouco antes da queda da moratória, produtores de ração animal do continente reclamaram à Comissão Européia por conta da dificuldade em rotular os produtos de origem geneticamente modificada. O motivo é a dependência européia da importação de grãos, quase toda ela de culturas transgênicas. Apesar disso os políticos europeus continuam ciosos do seu compromisso com a sociedade. A lei para organismos geneticamente modificados (OGMs) é um compromisso, estabelecendo regras práticas para o cultivo de OGMs, condições de segurança e a divisão entre culturas transgênicas e convencionais. Eu acho a lei boa, declara a ministra de Defesa dos Consumidores e Economia Agrária da Alemanha, Renate Künast.
A ministra alemã na verdade tenta justificar a exclusiva responsabilização dos fazendeiros, prevista na lei dos transgênicos, para caso ocorram danos provocados por culturas transgênicas. Porém na prática há casos, no mínimo, de difícil interpretação legal. Um fator preponderante nessa discussão em nível mundial continua sendo a fiscalização. Se para os consumidores a tão propalada fiscalização dos produtos transgênicos continua no imaginário, para os agricultores a questão não é diferente.
Estados como Brandenburg, Sachsen, Thüringen, Mecklenburg-Vorpommern, Baden Württemberg e Bayern na Alemanha vivem um período tenso por conta dos transgênicos. Muitos agricultores dessas regiões não plantam transgênicos, mas já perceberam que podem ser impedidos de armazenar as próprias sementes se a sua plantação for contaminada por alguma cultura transgênica semeada nas proximidades como experimento, o que é permitido pela legislação do país.
O problema não seria grave, não fosse a já demonstrada incapacidade do Estado alemão de identificar e controlar o cultivo de transgênicos. Um exemplo pode ser dado pela secretaria de saúde do Estado de Thüringen que precisou de duas semanas para localizar uma única plantação transgênica em seu território. Só as companhias de engenharia genética responsáveis pelas sementes é que poderiam identificar com precisão onde estão todos os campos experimentais, mas elas sempre garantem seus segredos com cláusulas de confidencialidade inclusas nos contratos com os agricultores que aceitam testar transgênicos.
Em alguns casos a indisposição entre quem planta transgênicos e quem usa técnicas convencionais ou orgânicas chega a extremos. Em abril deste ano um grupo de agricultores incendiou uma fazenda no estado de Sachsen-Anhalt que tinha uma plantação experimental de trigo transgênico desenvolvido pela Syngenta. Após isso outros agricultores exigiram proteção policial para ir adiante com tais experimentos. — Agora além do prejuízo da imagem os fazendeiros também estão intimidados pela possibilidade real de prejuízos materiais, reclama Uwe Schrader, diretor da Associação de Biotecnologia InnoPlanta, que coordena esse tipo de experimento em Sachsen-Anhalt.
E esse cenário de incerteza é o mesmo em toda a Europa. Foi através desses campos experimentais que, mesmo sob moratória, as companhias de transgênicos conseguiram mapear o mercado europeu e preparar o terreno para quando a proibição caísse. Só na Espanha, segundo a Comissão de Bioseguranca Nacional, desde 1993 mais de 200 experimentos oficiais de transgênicos foram realizados. Ao todo eles ocuparam uma área de 2,6 milhões de metros quadrados com culturas como milho, algodão, tomate e microorganismos. Onde estão localizados esses campos hoje e quais as conseqüências que provocaram? Só os arquivos secretos das multinacionais é que podem dar esta resposta.