Entrevista Cláudio Dilda, diretor-presidente da Fepam
2004-06-01
Guilherme Kolling, especial para o Ambiente JÁ.
Cláudio Dilda acompanhou de perto a evolução dos órgãos ambientais do Governo. Na década de 90, foi diretor do DMA (Departamento de Meio Ambiente), o antecessor da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), da qual é diretor-presidente desde o início de 2003. Nesta sua segunda gestão, ele recebeu um rojão: 19 mil pedidos de licença ambiental para atender, um problema que vem se agravando há mais de 20 anos. Hoje, a infra-estrutura ainda não é a ideal, faltam técnicos e há pressão para evitar a demora no licenciamento, que muitas vezes acaba por espantar investimentos. Nesta entrevista, Dilda explica como está driblando as dificuldades através de iniciativas em parceria com a iniciativa privada e com o uso da internet.
Qual é a dificuldade no licenciamento ambiental?
Desde 1981, com a instituição da Política Ambiental no Brasil, passando depois pela Constituição Federal de 1988, a Constituição Estadual de 1989 e, a partir do ano seguinte, pelas leis orgânicas municipais, houve uma profusão significativa de regras para o funcionamento das atividades e dos empreendimentos. Só que os órgão ambientais não tiveram a equiparação de recursos humanos e tecnológicos para fazer frente a isso. Chegamos ao século XXI com esse problema, que já sentido na segunda metade da década de 90. Por força da obritoriedade legal ou do mercado – o sistema financeiro não aporta recursos para aqueles que o buscam sem o licenciamento ambiental. Outro exemplo, se a atividade não estiver equacionada na questão ambiental sofre barreira tarifária na Comunidade Européia. Além disso, some-se a ação do Ministério Público, cada vez mais intensa, além da obrigação do Poder Público de fazer a gestão do ambiente, o cerco foi se fechando. Por opção do empreendedor ou por não restar outra saída, ele é obrigado a buscar o licenciamento.
O que é positivo.
Não resta dúvida. Só que há um acúmulo cada vez maior de demanda. E os órgãos públicos, no caso a Fepam, sofrem com isso. O Estado não consegue aportar mais recursos, embora tenhamos agora um aporte de funcionários em substituição aos 33 técnicos que se afastaram da Fepam. Então, estamos buscando alternativas de licenciamento ambiental, que vai da educação ambiental à fiscalização, para dar respostas à sociedade e mais diretamente ao empreendedor.
Quantos processos estão em tramitação, buscando licença ambiental?
Em 2003, nas diversas fases – Licença Prévia, de Instalação e Operação –, foram cerca de 19 mil. Conseguimos reduzir, mas só este ano, nossa previsão é que entrem mais de 16 mil novos processos. Tramitando hoje, aguardando licença de Operação, Instalação ou Prévia, temos cerca de 5 mil processos. Ainda é muito. Estamos no final do mês cinco. Até este momento, ingressaram quase 7 mil processos e a previsão é mais 9 mil até o final do ano.
E como o quadro da Fepam atende a isso?
Acredito que repondo esses 33 técnicos que saíram, e tendo uma nova visão em termos de modelo de gestão, conseguiremos dar conta. Em resumo, precisamos da interação entre órgão público e nosso cliente, numa relação pro-ativa, em que se mude o enfoque da burla a lei. Cada um faz sua parte, buscando instrumentos que permitam essa agilidade.
Quais são eles?
Testamos um novo modo de licenciamento pela internet com a orizicultura. A primeira fase funcionou bem. Foi o cadastramento e a licença de operação para empreendimentos já existentes. Ou seja, os novos não foram incluídos. Os já existentes fizeram seu cadastro pela internet, a partir de um programa que tem mecanismos de segurança. Se o contraditório fosse evidente, o programa trancaria, como no Imposto de Renda. Concedemos mais de 7 mil licenças para 10.300 propriedades que trabalham com oriziculura, irrigação. A partir disso, vamos fiscalizar por amostragem, denúncia, e estamos nos preparando para fazer uso de imagens de satélite, que é a maneira mais eficaz para fiscalizar mais de 1 milhão de hectares plantados. O produtor é obrigado a manter a documentação no escritório para qualquer ação fiscalizatória, como no imposto de renda.
E os demais setores?
Ano passado, conseguimos superar todas as médias da Fepam com licenciamento e emitimos 15.801 licenças, o dobro da média. Mas no Estado, são 70 mil criadores de aves, do pequeno a grande produtor. Licenciáveis, uns 20 mil. Na suinocultura, mais uns 30 mil. o que totaliza 50 mil. Então, estamos em fase final de negociações com setores de aves e suínos para acertar um trabalho conjunto entre Fepam e integradores – Sadia, Perdigão, Doux Frangosul – para regularizar os criadores do Estado. Eles precisam de assessoria técnica, que vai ser dada pelas integradoras, esses grandes grupos que tem sobre o guarda-chuva da empresa criadores que executam a tarefa exclusivamente para eles. As integradoras vão assumir este papel de regularizar e assumem o compromisso de intervir para buscar a solução dos problemas existentes. Isso implica numa mudança radical no modelo de gestão, quer da nossa parte, quer dos criadores e integradores. É uma nova relação.
E os licenciamentos locais?
Temos a gestão ambiental compartilhada em que estamos municiando os municípios de informação e treinamento para que eles passem a dar licença aos empreendimentos de impacto local. Para se ter uma idéia, de todos os processos de licenciamento em 2003, daqueles 19 mil, 60% eram de impacto local. Se o município assumisse, iria aliviar o trabalho e é provável que conseguiríamos buscar não só a regularização via licenciamento, mas também a gestão ambiental como um todo. Só que isso depende de vários fatores, um deles vontade política. Alguns municípios, tem condições mas não fazem por falta de vontade política, ou seja, os prefeitos não querem. Existem outros que mesmo com condições mais precárias, querem e assumiram. São 82 municípios no Estado que fazem gestão ambiental com licenciamento.
E os novos laboratórios da Fepam?
Estamos com o projeto de novos laboratórios, mas com a crise financeira do Estado, vai haver um atraso. Vamos ver nos próximos meses, na elaboração do orçamento para 2005, a previsão do início da construção.
O que mais em infra-estrutura?
Estamos pensando em implantar a Sema, porque ela existe mais de direito do que de fato. Temos que integrar os quatro setores – Fepam, Defap, DRH e FZB –, hoje trabalhando cada um com sua tarefa. Nessa área de pesquisa dos laboratórios, por exemplo, vamos ter uma ação conjunta com a Fundação Zoobotânica.
Como o relatório dos resíduos industriais no Estado tem ajudado a Fepam?
Nos deu um diagnóstico atualizado a partir do qual podemos com segurança estabelecer algumas das nossas prioridades no trato de resíduos sólidos. Em termos de volume de resíduos, o setor coureiro-calçadista é significativo, além do segmento metal-mecânico, que inspira e nos leva a ter mais cuidados.
E o lixo doméstico?
Vamos consolidar nos próximos dois meses o cenário de gestão de resíduos sólidos domésticos. Avançou bastante o número de municípios que licenciaram seus aterros e sistemas. Agora queremos ver de perto o resultado disso, porque o papel aceita tudo.
Com o apagão, houve um impulso a termelétricas a carvão. Como está a tramitação dessas usinas?
O acerto entre investidores de geração de energia está mais na dependência de acordos com o Ministério de Minas e Energia. No Rio Grande do Sul, temos algumas proposições no setor de uso do carvão e gás: a TermoCanoas, a gás, e temos duas possibilidades a carvão. Uma com recursos chineses em Cachoeira do Sul, e a com recursos alemães (Steag), na usina Seival, lá em Candiota. Além de Jacuí I, que já está com Licença de Instalação.
Todas dentro dos parâmetros para obter licença ambiental?
Jacuí I já está definida. Para as outras, não começou o licenciamento, ainda estão em tratativas com o Ministério de Minas e Energia. Cada uma vai ter que ter seu enquadramento dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação, inclusive pelo Código Estadual do Meio Ambiente.
E as energias alternativas?
No Rio Grande do Sul – e não a toque de caixa, porque o pessoal foi bastante criterioso, e por isso alvo de pressões e críticas –, já licenciamos com LI o equivalente a 749,45MW em fábricas eólicas, por todo o Estado. Dá um pouco mais do que duas Jacuí. Só que uma parte dos que se habilitaram o fizeram por causa do Proinfa (Programa de Incentivo as Fontes Alternativas), programa do Ministério de Minas e Energia. Só que nem todos vão ter o incentivo do Proinfa. Há uma cota limitada, para o RS em energia eólica é de 220MW. Então, vai chegar a hora da verdade, em que vamos ver o pessoal que realmente quer investir em energia alternativa e o que era apenas um negócio. O mesmo quadro se repete nas PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), há uma série de projetos. O fato é que até 2007 não vai ter problema de energia. Agora, se a mentalidade do consumidor não mudar um pouco e a tendência econômica continuar a mesma, podemos ver se repetir o cenário ocorrido em anos passados, por causa dessa insaciabilidade de nossa sociedade em termos de energia.