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2004-05-11
Mércio Pereira, antropólogo, militante e dirigente do PPS, discípulo de Darcy Ribeiro, não teme ser demitido da presidência da Funai, que dirige com firmeza e tranqüilidade há oito meses. Além de apostar no decidido apoio do governo para demarcar as terras indígenas, incluindo a tão discutida Raposa/Serra do Sol, ele tem consciência que trabalha para resgatar uma dívida histórica da nação brasileira para com os índios, que estariam no centro da cultura nacional. Nessa entrevista Mércio Gomes fala da importância dos índios para preservar e defender as fronteiras nacionais, da possibilidade de eles garimparem suas próprias terras e assim abrir um nova fase de sobrevivência e desenvolvimento econômico para as aldeias. Ele também comenta a morte dos garimpeiros na reserva Roosevelt e relata o papel que as mulheres tiveram no episódio.
— Com a polêmica da demarcação da Raposa/Serra do Sol e últimos acontecimentos na reserva Roosevelt, você está para cair da Funai?
Mércio Pereira Gomes – Olha, eu já conversei isso com o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e ele até riu dessa idéia. Recebi o apoio do presidente Lula em todas as ocasiões em que estive com ele. Também venho recebendo apoio da parte do Palácio do Planalto. Eu não estou ansioso ou intranqüilo em relação a minha posição, até porque as minhas declarações estão sintonizadas com a do ministro, em defesa das terras dos povos indígenas e das demarcações. É uma política de governo. Não há quebra de confiança.
— Apesar dessa sintonia com o Palácio do Planalto, o senhor reconhece que a pressão tem sido grande?
Mércio - Eu assumi a Funai sabendo que haveria pressões de garimpeiros, de fazendeiros, de políticos, governadores, bancadas partidárias e até de gente considerada de esquerda. Mas eu sempre faço questão de dizer que é preciso que haja no País uma ampliação da questão indígena. O ideal é que essa pressão seja baseada na sensatez e em termos razoáveis, em nível do bom relacionamento.
— Aquela declaração sua de que os índios Cinta-Larga estavam defendendo suas terras ao assassinar os garimpeiros repercutiu mal em alguns setores, inclusive já tem gente querendo convocar o senhor para depor no Congresso.
Mércio - Olha, a declaração foi tirada do contexto em que eu estava descrevendo o episódio. Eu disse o seguinte: A Funai como instituição não acredita em assassinato, nem na morte de ninguém como instrumento de qualquer coisa. Nós somos humanistas e este é um órgão republicano. O nosso ideal é de justiça, de fazer reparação aos povos indígenas. Os índios não mataram por um ato puro e simples de selvageria ou de assassinato premeditado, frio e calculista. Eles mataram porque se sentiram ameaçados.
— Dá para explicar melhor o massacre?
Mércio - Segundo os próprios índios, esse crime aconteceu após andanças que faziam pela reserva. Eles depararam com garimpeiros numa rota de caça. Houve um entrevero inicial, provocado por um dos garimpeiros. Mas a tragédia aconteceu diante de uma batalha e de uma provocação, não foi a sangue-frio e planejado como querem dizer. Por isso que eu disse que eles estavam defendendo suas terras.
— Dizem que os Cinta-Larga andam fortemente armados?
Mércio - Eles possuem armas de caças: arco, flecha, tacape, espingarda 20 ou 12 usadas também para caçar. Segundo a Policia Federal , alguns garimpeiros foram mortos por flechadas. Se há 10 índios, e dois começam a atirar no sentido de guerrilha, dá a impressão que há dezenas atacando.
— Há mais mortos?
Mércio - Acredito que não. Há gente que, ao tentar politizar a tragédia, tende a aumentar essas mortes já registradas,. O número não diminui a gravidade do fato, mas é preciso lembrar que em outubro do ano passado o boato dava conta de 300 mortes, que os índios haviam furado a barriga de uma menina para arrancar um diamante, que havia corpos espalhados por todo o canto. Mas nada foi encontrado. É bom ressaltar que os próprios garimpeiros reconhecem que há um jogo de interesses pelo controle da área. De acordo com o DNPM, o garimpo tem muita produção de diamantes.
— Quais medidas foram adotadas pela Funai?
Mércio - Este garimpo foi encontrado em 1999. Em 2000, entraram 4.500 garimpeiros na reserva. Em 2002, os índios não agüentaram mais. As mulheres disseram aos homens, aos guerreiros: ou saem dessa onda, ou nós vamos abandonar vocês. Foi uma verdadeira revolução feminina em reação à permanência dos brancos na reserva. No ano passado, uma operação conjunta da Funai com a Polícia Federal havia retirado pacificamente 4.500. Mas permaneceram ainda 500 garimpeiros nas cidades vizinhas, como Espigão do Oeste. E começaram a retornar. Em setembro fecharam uma estrada para obrigar o governo federal a proibir a entrada deles na reserva.
— Há um plano para permitir a exploração desse garimpo?
Mércio - O momento é de pacificação dos garimpeiros e de os índios ficarem em suas aldeias. O governo está estudando a abertura de uma área fora da reserva para os garimpeiros. Quanto aos locais dentro das reservas, há possibilidade de se adotar um novo conceito, o de mineração indígena, feita exclusivamente por eles ou sob o seu controle. A idéia é que os índios comandem diretamente o garimpo ou em convênio com empresas.
— Há dissensões graves em alguns setores do governo em relação, por exemplo, à demarcação da Reserva Raposa/Serra do Sol?
Mércio - O Ministério da Defesa alegava que era preciso uma faixa de fronteira de 15 quilômetros. Mas isso não é uma questão de Estado. A fronteira brasileira tem 16 mil km, destes 5.700 são terras indígenas. É só olhar no mapa para ver e constatar essa realidade. O curioso é que esta questão nunca foi um problema para a segurança nacional. O tráfico de drogas acontece na fronteira ou fora dela. Se o índio estiver na fronteira é mais fácil para contatar a Funai, que, por sua vez, reporta à Polícia Federal e logo é feita uma operação. No final do ano, madeireiros peruanos invadiram o Brasil na área dos Ashaninca, no Acre. No mesmo dia, eles contataram a Funai. Entramos em contato com o Ministério das Relações Exteriores e o pelotão do Exército da cidade de Taumaturgo Ferreira foi acionado. Em 15 dias o problema estava resolvido com a expulsão dos madeireiros. A área foi reincorporada ao Brasil. Eles haviam até puxado o marco que separa os dois países um pouco pra frente. Foi a memória dos índios que fez o marco voltar. Então, eu acho que nessa questão não deve haver grandes preocupações, nem paranóia. É preciso que a população saiba que 31% de nossas fronteiras sempre foram indígenas. Aí eles defendem: nós queremos quinze quilômetros para vivificar. Isso foi apresentado diante do presidente da República. E nós argumentamos: olha, vamos vivificar com os próprios índios, que são cidadãos brasileiros.
— O Exército é livre para entrar nas reservas?
Mércio - É livre sim. Exército e o Ministério da Defesa já se sentem contemplados com a situação de fronteira pelo Decreto nº 44/12, que permite a movimentação em qualquer área indígena, podendo, inclusive, criar pelotão. Fora isso, há a questão política: cem por cento da bancada de Roraima no Congresso não querem a homologação da Reserva Raposa/Serra do Sol em terra contínua. Sejamos razoáveis, não dá para voltar atrás em um projeto estratégico, nacional, e transformar todo o processo de demarcação por causa de sete arrozeiros que entraram depois e cuja situação econômica pode ser resolvida com facilidade.
— Não são 60 mil hectares de arroz?
Mércio - Ao contrário do que dizem, são apenas 12 mil. A vontade política do governo vai alocar esses produtores às margens do rio Tacutu, do lado oposto da reserva. Quando ele desce e se encontra com o Aririquera, para formar o rio Branco, há várzeas à vontade para a plantação de arroz. Se os arrozeiros são o futuro econômico de Roraima, eles vão ter muito lugar para plantar. Dos 207 fazendeiros que existiam lá, 140 já saíram espontaneamente e foram indenizados por isso. Dos 67 restantes, 12 estão em vias de sair tendo em vista que o governo já fez a avaliação de seus bens. São pequenas fazendas, com 300 cabeças de gado, cujos proprietários moram em Boa Vista e colocam um vaqueiro para tomar conta.
— E a questão das cidades que ficam dentro da reserva?
Mércio - É só uma: Uiramutã. O município tem 5.802 habitantes, destes 92% são índios, a própria prefeita, Florani, disse isso no Congresso. Então, se você fizer as contas 8% desse total são 464 pessoas não-índias e podem conviver com tranqüilidade no próprio local. O município foi criado quando havia todo o processo de demarcação.
— Daria para a cidade ficar dentro da reserva?
Mércio - Depende do relacionamento dos brancos com os índios. Defendemos um entendimento entre eles. Há muita gente aí que pode contribuir com a comunidade: alguns são professores e funcionários públicos. O decreto de homologação não exclui o município. É bom deixar claro que a criação de um município depende de constitucionalidade e de Assembléia Legislativa. Pode até ser que o Ministério Público venha questionar isso no Supremo para desconstituir o município. Pacaraima já é outra história, fica na Reserva São Marcos, fronteira com a Venezuela, é mais consistente. Aí deve haver outro tipo de entendimento, até porque a terra indígena foi homologada com a existência desse município.
— Qual a avaliação que senhor faz do relatório apresentado pelo deputado Lindberg Farias?
Mércio - Ele produziu um relatório extemporâneo, como se tivesse saído de um outro momento histórico brasileiro. Destituir todo o processo histórico de consolidação de terras indígenas em nome de arrozeiros, embora os produtores sejam importantes, parece-me um equívoco. O deputado também exige uma faixa de fronteira, um assunto na minha opinião já superado e decidido com o Ministério da Defesa.
— O senhor já conversou com ele sobre isso?
Mércio - Outras pessoas. O próprio partido dele e o governo têm demonstrado que esse relatório é um retrocesso. Várias vezes eu ouvi o presidente da República dizer que tem simpatia pelo projeto da Funai. Inclusive determinando a seus ministros a preparação dos ressarcimentos e compensações favoráveis à demanda de desenvolvimento do estado de Roraima, sem prejuízo das homologações das terras indígenas. Eu acredito que o presidente Lula decidirá isso, após o dia 27 de abril, quando receber o relatório.
— E a proposta de construção de uma hidrelétrica no rio Cotingo?
Mércio - Pois é, nós temos uma deputada (Maria Helena) que defende a exclusão de uma faixa da reserva para construir uma hidrelétrica. Não temos nenhum senão quanto a isso. Poderá ser feita em terra indígena. Mas isso depende de entendimento do próprio governo, do Congresso, dos próprios índios.
— Os políticos alegam que Roraima será inviabilizado economicamente...
Mércio - É lamentável que pessoas tão inteligentes saiam por aí dizendo essas coisas. Criam um clima negativo no sentimento dos cidadãos de Roraima e do Brasil, porque quando se fala que vai demarcar um 1, 8 milhão de hectares, é criada toda uma pedagogia contra a demarcação. Esse 1,8 milhão de hectares não está entre as quinze maiores reservas do Brasil. Há áreas bem maiores: a reserva do Pará tem 12 milhões de hectares. O território Ianomami 9 milhões, Javari 8 milhões. O Parque do Xingu e mais e suas áreas adjacentes somam154 mil km quadrados, quase quatro vezes o estado do Rio de Janeiro.
— Qual o tamanho da Reserva da Raposa/Serra do Sol?
Mércio - São 7,5% da área do estado. Fica num local de pouco desenvolvimento econômico. Há 27 mil cabeças de gado dos índios (ressalta) e dois ou três milhares pertencentes aos fazendeiros que ainda estão na área. São 12 mil hectares de arroz e não 60 mil, como dizem os produtores. Eles alardeiam que têm 10% do PIB de Roraima, o que é surpreendente, quando nós sabemos, através de levantamentos do governo, que a maioria dos arrozais está fora da reserva, em outros locais.
— E essa divisão entre os índios? Muitos não querem a demarcação.
Mércio - É o seguinte, nós temos naquela área 15 mil índios Macuxi. De 152 comunidades, 127 se manifestaram favoráveis demarcação. Segundo levantamento da Comissão Externa do Senado, apenas 25 aldeias não se interessam pela proposta. Aí a gente se pergunta por que eles são contra? Deve haver uma outra motivação: aliciamento ou persuasão. Há 150 desses índios envolvidos no escândalo dos Gafanhotos, em Roraima.
— Tem minério na reserva?
Mércio - Segundo o DNPM tem sim. Durante uma audiência pública, um senador de Roraima disse que só há demarcação onde tem minério. Aí eu falei: Olha senador, os índios devem ser muito sortudos, porque não é essa a intenção da Funai. A declaração dele sugere que há algum interesse por trás disso. É preciso entender que a Funai é o Estado brasileiro e que as terras pertencem à União.
— Qual sua expectativa em relação ao Congresso Nacional?
Mércio - Eu vejo muita gente dizer que o Congresso está endurecendo o jogo. Mas isso acontece desde a época de Rondon (Marechal). Outro dia eu estava lendo alguns atos do Congresso sobre ele. Aí tinha um deputado dizendo que o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) estaria subvertendo a ordem brasileira. Isso na década de 40. Ele encarava o Rondon: Quantos índios o senhor já catequizou até agora?. Rondon dizia: Olha, o SPI é leigo, positivista e republicano. Não é cristão. Pois é, há sempre alguma pessoa que, em nome de uma causa ou de outra, tem uma visão dominadora, antiindígena. Ela não enxerga o futuro do Brasil com a consolidação das terras dos índios e o pagamento de uma dívida histórica. Não há o entendimento de que o País tem uma cultura sólida, mística, que as diferenças marcam a cultura brasileira, e que esta cultura tem muito de índio dentro dela e pode ter mais. Veja aí a questão do negro, do japonês. O Brasil está comendo sushi misturado com feijão, e produzido aqui. Então, vamos comer também carne moqueada, tradição dos índios. Aliás, já fazemos isso há muito tempo.
— Só para finalizar, o senhor tem restrições às ONGs ou vê riscos de intervenção externa em nosso território?
Mércio – O Estado brasileiro tem história e está preparado para enfrentar qualquer desafio ou tipo de ameaça. Por esse aspecto, não me preocupo muito com a ação das ONGs. Temos herança portuguesa, que nos ensinou a defender com presteza o nosso território. E no futuro, ante uma ameaça, esse comportamento aguerrido não será diferente. E tenham certeza, os índios serão os primeiros, como sempre, a defender a nossa terra. (Entrevista realizada no início de abril pela assessoria de imprensa do PPS)

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