O PULSANTE MERCADO MUNDIAL DE URÂNIO
2004-04-16
O mundo produz cerca de 2,5 milhões de gigawatts/ano em energia nuclear. Oitenta por cento da energia consumida pela França, por exemplo, tem origem atômica. Os Estados Unidos, com cerca de 100 usinas nucleares atualmente, já anunciaram a construção de outras 18 nos próximos anos. Ao mesmo tempo, o governo Bush lançou um plano de US$ 300 milhões para aprimorar as suas ultracentrifugadoras. Nesta hora, a revelação do segredo brasileiro viria a calhar. Lá, mais de dez empresas privadas controlam a geração de energia nuclear. Isso tudo significa que o Brasil, hoje comprador da matriz energética do Canadá, ao preço estimado de US$ 2,3 milhões por tonelada, terá amplo mercado ao se tornar produtor. O País tem permissão para fazer o enriquecimento de urânio em até 20%, o que é suficiente para produzir energia capaz de mover usinas nucleares, acionar submarinos atômicos e dar base a inovações nas indústrias da medicina e da alimentação. A 99%, o urânio acende a bomba atômica. Jamais qualquer inspeção internacional concluiu que houve, aqui, uma ultrapassagem dos limites determinados. Os estratagemas dos Estados Unidos na semana passada uniram a comunidade científica brasileira. — Eles querem nosso segredo a todo custo, concorda o brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, um dos primeiros brasileiros a fazer pesquisas atômicas no Centro de Tecnologia Aeroespacial (CTA), nos anos 70. Depois que o Brasil comprou sua primeira usina nuclear da Alemanha, em 1975, durante o governo do então presidente Ernesto Geisel, o chamado clube atômico, liderado pelos EUA, bloqueou ao País o acesso à tecnologia do combustível nuclear. A saída foi montar um programa próprio. — Tivemos de reinventar a roda, redescobrir o fogo, define o brigadeiro. Deu certo. Certíssimo. O trabalho que uniu o melhor da ciência nacional somou esforços do CTA, do Instituto de Pesquisas Nucleares (Ipen) e do Centro de Aramar, da Marinha. — Ninguém pode querer levar, de bandeja, os segredos obtidos após 27 anos de pesquisa, contra-ataca Ronaldo Fabrício, secretário-executivo da Associação Brasileira de Desenvolvimento Nuclear. — Nunca vi uma centrífuga estrangeira, por que eles poderiam ver as nossas?, pergunta o doutor Cláudio Rodrigues, superintendente do Ipen. O caso é ainda mais extemporâneo porque já fazem mais de doze anos que o Brasil é um diligente participante do Tratado de Não Proliferação Nuclear. — Assinei o tratado pela convicção de que, para um país como o Brasil, sem inimigos, a bomba representaria gastos desnecessários de bilhões de dólares, disse o ex-presidente Fernando Collor. Depois disso, o programa nuclear foi vítima de uma série de cortes orçamentários. Até hoje, o governo não decidiu se conclui ou não a usina de Angra III, cujos equipamentos, avaliados em US$ 500 milhões, estão comprados desde os anos 80. Só para acondicioná-los adequadamente gastam-se US$ 20 milhões por ano. Para concluir a usina seriam necessários mais US$ 1,8 bilhão. A partir de setembro, para animar a idéia de Angra III, as ultracentrifugadoras brasileiras passam a produzir urânio enriquecido em escala industrial. É o que deixa os americanos mordidos. (IstoÉ Dinheiro)