O DESERTO VERDE
2004-04-16
por Carlos Tautz
As crises vão exigindo que o governo Lula mostre, afinal, que projeto ele tem para o Brasil. Projeto de governo para a área econômica e financeira ele certamente possui: limita-se a
aprofundar a estratégia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, projeto de Nação, que é a proposta do presidente para os rumos do Brasil e sua sociedade, ele nunca
apresentou. Aos poucos, quem o apoiou e participou da elaboração de seu programa de governo, como os movimentos sociais do abril vermelho, se pergunta: Lula para quê ? Em algum momento ele terá de responder a essa pergunta. É provável que o presidente e o núcleo decisório de seu governo não se dêem conta, mas o momento da resposta está chegando. E a galope. Aliás, a ocupação por 2500 integrantes do MST no dia 5 de abril de uma fazenda produtora de eucalipto para celulose indica que talvez o momento já tenha chegado. Por detrás daquela ocupação na planta industrial da empresa Veracel, no sul da Bahia, perto de Porto Seguro, está o
questionamento do modelo de agricultura que Lula escolheu, para exportar e gerar os bilhões de dólares do superávit fiscal primário prometido ao FMI. Ao mesmo tempo em que destina R$ 5 bilhões para 20 milhões de agricultores familiares, defendidos pelo MST e seus aliados, o governo
Lula financia com juros de mãe para filho a planta da Veracel. Só essa unidade industrial custou R$ 2,5 bilhões.
Vai gerar apenas mil empregos diretos quando entrar em operação. O que os movimentos sociais perguntam a Lula é: o senhor deseja fazer a reforma agrária, estimular a produção de alimentos para atender aos milhões que passam fome no Brasil e, assim, nos garantir segurança alimentar e nutricional ou pretende dar outra destinação às terras brasileiras ? Afinal, para alcançar o superávit do FMI a opção estratégica pelo negócio agrícola de exportação significa colocar em segundo
plano as reivindicações dos movimentos sociais e incentivar as três principais monoculturas em larga escala, para venda no exterior. É a santíssima trindade da soja, da cana de açúcar e do eucalipto.As culturas líderes do agribusiness que encanta o coração de Lula apenas geram dólares para seus produtores – e nenhum deles é pequeno nem produz para atender prioritariamente ao
mercado brasileiro. Elas empobrecem o solo onde são implantadas, exigem enormes quantidades de água para serem produtivas e diminuem drasticamente a diversidade de espécies nas áreas próximas. Emprego que é bom produzem muito menos do que fariam os agricultores familiares se dispusessem dos mesmos recursos. O caso da monocultura de árvores para produção de celulose
não é o pior dos três, mas é particularmente o mais dramático. E é aquele que, como mostra a ocupação do MST na Bahia, deve ser o primeiro a exigir as tais repostas cruciais
de Lula. Pela imensidão das regiões impactadas, a monocultura para celulose foi classificada pelo falecido ambientalista capixaba, Augusto Ruschi, de deserto verde. Onde existe eucalipto e pinus, a principais espécies da indústria celulósica, nenhuma outra árvore sobrevive, os pássaros são
poucos, as nascentes secam e os agricultores ficam sem terra para plantar naquele solo do qual seus antepassados retiravam os alimentos orgânicos que garantiam a vida digna de toda a
família.Plantada em larga escala no Rio Grande do Sul, norte do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, sul da Bahia e em Minas Gerais, a monocultura do pinus e do eucalipto é acusada por
organizações não governamentais, sindicatos de trabalhadores rurais, comunidades remanescentes de quilombos e muitas outras entidades populares de estar associada a desrespeito da legislação ambiental e dos direitos humanos. A Assembléia Legislativa do Espírito Santo há dois anos descobriu sérios indícios de que a maior indústria celulósica do estado (que tem 12,5% de participação do Bndes, ou seja, do governo), sob orientação de um grupo da Noruega com ligações na família real daquele país, teria adquirido em 1968 (plena ditadura civil-militar), de forma irregular, 40 mil hectares dos índios da aldeia dos Macacos. Desorientados
pela perda da terra, esses indígenas só teriam conseguido se reunir novamente uma década depois..O problema com a monocultura de eucalipto é que, no Brasil, uma árvore está pronta para o abate após cinco ou seis anos. Para que ela entre em equilíbrio hidrológico com o solo
(quando passa da fase de crescimento e deixa de sugar milhares de litros d´água) seriam necessários cerca de 40 anos. Se esse movimento de plantio, corte e replantio é feito
em larga escala, como se faz no Brasil, chega-se à exaustão dos recursos hídricos nas regiões exploradas. Todas as demais manifestações de vida, que dependem da água, morrem ou são
expulsas das regiões onde a monocultura impera. Só ela sobrevive. É o deserto verde que Augusto Ruschi temia.Lula não sabe ou não quer saber disso. Em fevereiro anunciou um Plano Nacional de Florestas (os ambientalistas reclamam que monocultura de pinus e de eucalipto não é floresta) que
prevê dobrar em 10 anos a área plantada para produção de celulose, hoje na casa dos cinco milhões de hectares. Perto de 70% dessa nova área (equivalentes a 36 cidades de São
Paulo ou a um Estado da Paraíba) serão de plantações, o que indica que a monocultura será uma iniciativa de governo. O presidente envolveu nisso os Ministros da Agricultura, da Indústria e do Desenvolvimento e do Meio Ambiente, pelo que Marina Silva (Ambiente), antes heroína do movimento ecologista, agora é acusada de ter cedido a pressões de Roberto Rodrigues (Agricultura), que orienta a cabeça de Lula em questões de agribusiness. O titular da Agricultura, por sinal, também chefia o lobby pró-transgênicos na Esplanada dos Ministérios.
Mas, se não sabe ou se não que saber, Lula precisa se informar o que significa o estímulo à exportação de celulose com baixo valor agregado, após ter importado e pago caro por
ba parte dos insumos dessa indústria. Enquanto privilegia a superexploração da agricultura como fonte geradora de dólares para alimentar o FMI, o ex-operário deixar de priorizar quem
pede terra para plantar. E se esquece, como observou a matéria d´O Globo sobre a ocupação em Porto Seguro, de que ninguém come eucalipto.