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2004-04-14
Especialista explica e critica a falta que um planejamento energético limpo faz ao país.
Laura Tetti: Nosso modelo de transporte, movido a combustível fóssil, é um outro grande gargalo do desenvolvimento.
Desde o apagão, a sociedade brasileira se conscientizou da fragilidade do nosso modelo elétrico, totalmente amparado na hidroeletricidade. Sem mudanças nesse modelo, não haverá oferta de energia necessária ao atendimento do nosso mero crescimento vegetativo. A urgência que temos de desenvolvimento e a nossa histórica capacidade de definir políticas nas áreas da produção (energia, indústria, agropecuária, etc.) estão nos empurrando para sujar, fossilizar, a nossa matriz energética, sem benefícios efetivos à qualidade de vida da população
Integrante da delegação brasileira de negociação do Protocolo de Kyoto, com doutorado em sociologia e teoria política, a ex-presidente da Agência de Proteção Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Laura Tetti, também participou do Fórum Internacional sobre Petróleo, Meio Ambiente & Imprensa. E não deixou por menos, como é próprio da hoje especialista e consultora em novas alternativas de desenvolvimento. Aqui, os principais trechos de sua conferência sobre o uso dos combustíveis fósseis no Brasil: desenvolvimento versus mudanças climáticas:
— O Brasil não está acostumado a fazer planejamento econômico. O que as nossas empresas e o nosso governo fazem é contabilidade. A área de planejamento das empresas se resume a uma pessoa que faz contas e distribui verbas em função da disponibilidade orçamentária. Temos que definir onde nós somos bons, qual a nossa área de atuação, qual o produto.
Na área de energia elétrica, se cada cidadão subisse um degrau na escala social, o Brasil precisaria de três vezes a sua produção atual de eletricidade para suprir a demanda nacional. Outro fato foi o apagão, quando nós tivemos que reduzir 20% no consumo. Tudo isso somado nos leva a uma conclusão: não podemos melhorar. Quando falamos em crescer 3%, não é crescimento. Isso é dar conta, mal e porcamente, do crescimento vegetativo das pessoas que têm que ser absorvidas pelo mercado de trabalho, e não são. Estamos trabalhando no limite de ficar cada vez pior, sempre. Cruzando dados como mudanças climáticas e necessidade de aumento exuberante de energia, chegamos a algumas considerações importantes. Primeiro, o Brasil é um país com o privilégio de ter uma matriz energética das mais limpas. Sem dúvida, para a proporção do seu nível de industrialização, é a mais limpa do mundo. O problema é que essa matriz limpa não dá conta do desenvolvimento, e isso não quer dizer que teremos que sujar, piorar o perfil de emissões do Brasil por burrice, pela lei do acaso ou da inércia. A gente tem que fazer uma oferta maior de energia, mas de uma maneira minimamente planejada.
Energia solar não é solução para desenvolvimento, e a eólica não é muito diferente disso. Para determinadas soluções, é bom, mas não resolve nosso problema de desenvolvimento. O Brasil tem uma demanda alta de energia elétrica, uma energia nobre, que precisa ser complementada com gás. As nossas usinas hídricas têm o problema da época da seca, quando a oferta fica muito diminuída. Se você tiver usinas térmicas que funcionem na época da seca, é possível dobrar a oferta sem ter as ameaças dos reservatórios de água. Passa-se a ter o que a gente chama tecnicamente de energia firme, sem depender de estar sempre com os reservatórios cheios.
O Brasil sabe que vai precisar do gás para complementar sua matriz elétrica há pelo menos 15 anos. Fizemos então uma ampla negociação, assinamos contrato, descobrimos grandes reservas. Só que hoje, objetivamente, uma grande parte do gás que consumimos vem de um contrato com a Bolívia, em dólar. O Brasil tem que consumir obrigatoriamente 70% do gás comprado ou pagar o valor correspondente, mesmo que não use o gás.
Como tivemos uma desestruturação do setor elétrico e econômico, até hoje o país não tem uma política energética aprovada. Esse contrato com a Bolívia virou um contrato que a gente paga, mas não pega o gás. A Petrobras fica com esse gás estocado e as indústrias começam a construir carro a gás, que é barato e rende. Mas o carro a gás é o tipo da consolidação daquilo que estamos chamando de modelo burro de transporte, aquele que privilegia o transporte particular, de elite, que engarrafa as nossas cidades, emporcalha tudo e, ainda por cima, gera efeito estufa.
O gás natural é melhor que carvão, que óleo diesel. É um combustível forte. Mas usar gás, no nosso caso, piora a nossa performance internacional. Vamos fazer isso com inteligência! Existem informações mal colocadas sobre isso, propagandas incentivando a conversão de carro a álcool, que é um combustível renovável, para gás.
QUAL ENERGIA? - A energia mais barata, limpa e eficiente é a energia não gasta. Temos uma certa cultura do nessa terra tudo dá, nosso céu é mais azul, nosso verde é mais verde. A gente é pobrezinho, mas é fértil. Essa cultura não ajuda muito no debate do uso mais austero da energia. O apagão foi um bom exemplo de energia não gasta. Embora de uma forma burra, proibindo o uso, teve importância educativa. Na época, todo mundo começou a trocar as lâmpadas tradicionais pelas “inteligentes”, que gastavam quatro vezes menos energia. Isso era novidade, quando, na verdade, eram fabricadas pela Philips, desde 1979.
Por que nunca isso foi divulgado antes do apagão? O Brasil tem muito desperdício! A energia não gasta é a energia que resulta de um planejamento, e temos todas as condições de sermos menos perdulários nessa área.
Ao longo da história, o Brasil se transformou em um país rodoviário – isso por causa da inércia! Mas é possível crescer, se desenvolver, ter uma ótima qualidade de vida sem um estouro no consumo energético. Temos o exemplo da Itália e sua indústria automobilística, que gera empregos, produz muito, mas tem um controle de consumo energético. Isso aconteceu em todo o país e em todos os níveis. Por quê? Porque a Itália é dependente de energia externa. Ela compra energia da França, nuclear e caríssima. Mas nem por isso a Itália deixa de ser desenvolvida, de crescer e produzir.
O combustível fóssil deverá ter uma presença mais maciça e inteligente na matriz energética brasileira. Não precisamos imitar o governo americano nem seus pecados. O petróleo, seja lá seu tempo de duração, é um recurso finito, nobre. E uma energia fina. Não se deve usar petróleo para queimar grosseiramente, assim como usar um diamante como peso de papel. Deve ser valorizado como um tesouro e não de acordo com o bom ou mau humor dos xeques árabes, donos dos poços. Essa irracionalidade é uma das coisas que o Protocolo de Kyoto e as mudanças climáticas têm de inverter. Combustível fóssil é necessário ainda, mas é preciso ir atrás de alternativas mais modernas, variando as suas possibilidades. (JB Ecológico)

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