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2004-02-05
Segundo Marcos Egydio Martins, diretor – presidente do Insituto Ecofututo e representante brasileiro no Grupo Consultivo Estratégico da ISO Mundial, a próxima reunião do Grupo Consultivo se dará em abril, em Chicago e, a depender do cronograma, a ISO Social deve sair do papel dentro de três a cinco anos. Abaixo, entrevista concedida a revista Carta Capital.
CartaCapital: Quais as grandes preocupações levantadas na primeira reunião em Toronto, realizada em janeiro de 2003?
Marcos Egydio Martins: A primeira preocupação foi de que os processos anteriores da ISO, de elaboração das normas de qualidade (9000) e ambiente (14000), não tinham tido a transparência necessária. Foram conduzidas por um conjunto de empresas e de grupos de interesse, sem apresentar o envolvimento necessário dos participantes. A segunda, que a classe trabalhadora nunca foi ouvida. A terceira, que a ISO, justamente por ser uma instituição criada pelo mundo empresarial-industrial, era muito direcionada somente para os aspectos de negócios. Com isso, as normas sofreram um grau de manipulação para atender a interesses específicos. Como a ISO estava querendo partir para uma terceira geração de normas – ainda mais sendo de responsabilidade social corporativa –, se os questionamentos e dúvidas dos processos anteriores não fossem muito bem trabalhados, isso poderia implicar perda de credibilidade de todo o processo. Essas colocações vieram dos representantes dos trabalhadores, de forma muito veemente, um verdadeiro embate. Achei que o conflito aparecia como uma excelente oportunidade para não se repetirem os erros do passado e mostrar a seriedade da ISO social. Eu até estimulava os representantes dos trabalhadores. Dizia: Mete a boca mesmo, que é para lavar toda a roupa suja.
CC: Os problemas apontados descredenciam as séries 9000 e 14000?
MEM: Eu diria que a visão do passado, de compartimentalizar as coisas, atendeu a um anseio, a uma demanda, mas se mostrou insuficiente. Então, as outras normas têm o seu mérito, propiciaram avanços importantíssimos, mas isso não basta. O desafio será como fazer a integração entre as diversas normas e temas. Num primeiro momento, você pode manter as outras duas séries do jeito que estão mesmo e, nessa terceira, com uma visão mais ampla, remeter ou delegar para uma ISO 14000 alguns procedimentos. Mas acredito que elas vão se integrar cada vez mais.
CC: Que tipo de cuidado os senhores tiveram na questão da representatividade? MEM: A primeira comissão começou com oito pessoas. Mas não tinha representantes, por exemplo, do continente africano, de ONGs ambientalistas, um Greenpeace e WWF da vida, nem mesmo uma mulher. Não é essa coisa boboca, vamos colocar uma mulher, mas sim porque ela tem uma visão diferente do mundo, um outro tipo de sensibilidade. Agora, estamos fechados em 22 pessoas.
CC: Se esta não fosse uma sistematização na área de responsabilidade social, preocupações desse tipo iriam existir?
MEM: Possivelmente não.
CC: Na discussão das normas de meio ambiente, é interessante que não tenha havido preocupações parecidas, já que o assunto envolve também o social. Não tem muito como separar as duas coisas, não é?
MEM: Esse foi um dos pontos mais polêmicos da reunião em Toronto, que continua até hoje: a definição do que é responsabilidade social corporativa. Há pelo menos quatro definições diferentes. A minha visão é a do tripé da sustentabilidade: práticas socialmente justas, economicamente viáveis e ambientalmente saudáveis. Se enfocar só um dos alicerces, além de ficar capenga, repete-se toda uma fórmula compartimentalizada de enxergar o mundo, que é a causa de um monte dos males que acontecem aí. A ISO tem obrigação de se posicionar nisso porque não é modismo, não é passageiro, tem a ver com um grande ganho de consciência… acho que planetária… e vinculado com o consumo responsável. Hoje você não encontra uma grande loja de móveis na Europa que não venda apenas madeira certificada.
CC: Ou seja, mesmo que o empresário não tenha essa consciência, pelo menos por razões econômicas ele acaba aderindo?
MEM: Sim.
CC: Além da dificuldade de medir dados subjetivos, menos quantificáveis que nas ISO 9000 e 14000, como será possível padronizar mundialmente as normas em culturas tão diferentes? A começar pelas leis trabalhistas, que são diferentes em cada país? MEM: Há coisas que estão avançando, são convergentes e valem para qualquer parte do mundo. Uma das grandes linhas mestras é o termo inglês, com difícil tradução, o chamado accountability, que é você ser responsável pelas suas ações, desde a coisa básica, que é o cumprimento da lei, até assumir as responsabilidades por todos os atos praticados. A segunda é a da transparência, em todos os processos e tomadas de decisão, para mostrar que você não está manipulando para favorecer grupos específicos. A terceira é a do envolvimento das partes interessadas na gestão, desde participar dos planos de investimentos e prioridades de alocações de recursos até, num determinado momento, convidar os representantes para fazer parte no assento nos comitês internos da empresa e até mesmo do conselho deliberativo das empresas.
CC: Participar do conselho?
MEM: Isso mesmo. É o que eu defendo. O que é aplicável em todos os lugares do mundo é mostrar como você gera lucro, como os processos acontecem – o que sempre foi uma caixa-preta – e como os produtos são manufaturados. Às vezes é um produto maravilhoso, mas causa impacto enorme no meio ambiente, então deixa de ter aquela qualidade que aparentava ter. Na hora do vamos ver, por mais que as pessoas sejam corretas, são poucas as que cumprem a lei. Por exemplo, não existe essa lei em que você é obrigado a empregar um porcentual de pessoas portadoras de necessidades especiais aqui no Brasil? Vai ver quem é que aplica isso. Na hora que tiver a norma para obter o certificado, isso vira básico.
CC: Mas cada país vai continuar com a sua própria lei?
MEM: Sim, até para respeitar as particularidades de cada país. Na hora em que a ISO social se definir, um assunto que a vida toda foi considerado meio irrealista, meio romântico, passa a ser, de fato, fator de competitividade nos negócios. Esse é o principal medo de todo o mundo corporativo: as empresas serem obrigadas a fazer coisas para as quais hoje elas não estão preparadas. Elas teriam de fazer ajustes, adequações e investimentos. Mas é um impacto só no primeiro momento, depois passa a ser remunerado e torna-se um fator de perpetuidade da empresa.
CC: Quantas e quais empresas no Brasil teriam condições de receber o certificado da ISO social, se ele existisse hoje?
MEM: Poucas. As mais próximas disso são as que exercem a governança corporativa e publicam bons balanços sociais.
CC: Como o senhor avalia, de modo geral, a prática da responsabilidade social no Brasil. Ainda está mais para o marketing?
MEM: Ainda é imediatista, ligada à imagem institucional e muito pouco internalizada na cultura da empresa.
CC: Como dá para internalizar?
MEM: Uma das formas é exigir do fornecedor, por exemplo, que pratique as mesmas normas, sob pena de perder o contrato. Isso cria um efeito dominó e na ISO 14000 já se mostrou muito forte. Na hora da corrida pela sobrevivência, se você não tomar alguns procedimentos, corre o risco de o concorrente passar à sua frente. Mas tem hora que você fala: não vou usar as mesmas ferramentas que ele porque vai contra os meus princípios, contra a lei, contra o que eu acredito. Não estou dizendo que você vai ser o purinho de uma noite para o dia, mas pelo menos deve firmar o compromisso e provocar um processo de discussão nessa direção, desde que não leve à morte da empresa.
CC: O senhor pode dar mais um exemplo prático?
MEM: Sou a favor da premiação dos funcionários pelos ganhos ambientais e sociais que ele promover para a empresa. A vida toda os funcionários foram cobrados e premiados apenas por volume e por produtividade. Num determinado momento, tem de entrar esse componente ambiental e social na política de remuneração de lucros e resultados. Acredito que esse seja um dos gatilhos mais importante para estimular a virada. (Carta Capital)

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