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2003-12-03
Nonada, diria o escritor Guimarães Rosa - ou seu personagem Riobaldo Tatarana, o que dá no mesmo. O Parque Nacional Grande Sertão Veredas tem título de obra-prima, mas é grande só no nome, nem de longe se compara com o sertão do livro, aquele sertão que está em toda parte. Ele mede exatamente 84 mil hectares. Mal dá para as emas, os lobos-guarás, os veados-campeiros e águas que correm lá dentro, cercados pelo avanço da soja, do gado e do café no cerrado. Ele tem 14 anos de idade. Fica encostado na fronteira de Minas Gerais com a Bahia. E para crescer precisa atravessá-la, empurrado por um documento oficial onde o Ministério do Meio Ambiente reconhece que seu tamanho atual não basta. Tecnicamente, o parque precisa de 234 mil hectares, demarcados por um processo de ampliação que começou a rolar em 2002, sobreviveu à mudança de governo e, na virada do semestre, virou a primeira proposta com a assinatura da ministra Marina Silva. Até passar pela ministra, o aumento do parque tinha tudo a seu favor. Ocupa uma área cuja conservação o Sistema Nacional de Unidades de Conservação considera urgente, porque o cerrado está literalmente saindo do mapa.
E engorda afluentes importantes do São Francisco, numa região onde a agricultura comercial, segundo o Ibama, já acabou com diversos rios e o solo é tão frágil que até a abertura de caminhos e estradas provoca erosão acentuada em forma de desmoronamentos e voçorocas. O relatório é persuasivo como raramente conseguem ser os textos burocráticos. Fala das belíssimas veredas que seriam incorporadas ao parque pelo novo desenho. Invoca as espécies ameaçadas de extinção - como a onça pintada e a jaguatirica - que precisam com urgência de mais espaço para sobreviver. E alega que, por enquanto, mas não por muito tempo, é possível expandi-lo com a incorporação de terras ainda baratas e quase baldias. Sem esquecer que nesses lugares, como é de praxe, a propriedade privada se assenta em conquistas pela força, apossamentos sem documentação e títulos de legalidade duvidosa. E conclui que, com os 147.300 hectares a mais, ele ganha viabilidade ecológica em longo prazo e capacidade de suportar populações de grandes carnívoros. Os argumentos pelo visto convenceram os moradores da vizinhança que, cinco meses atrás, como manda a lei, aprovaram a proposta em audiências públicas feitas em Formoso, Minas Gerais, e Cocos, na Bahia. Até os fazendeiros da região - com duas exceções - apoiaram a mudança de traçado. O Parque Nacional Grande Sertão Veredas parecia pronto para ser pelo menos um espetáculo do crescimento que o governo Lula iria garantir para este ano. Que nada. A ministra Marina Silva mandou a papelada para a Casa Civil, como sempre. Lá, o ministro José Dirceu, pastoreando sem parar o rebanho indócil da bancada governista, achou que, entre um parque e um voto no Congresso, o voto é mais importante. Optou por ouvir mais uma vez os interessados - e sobretudo os desinteressados - no caso do Grande Sertão Veredas, embora as audiências públicas encerradas em maio servissem exatamente para acabar com essas dúvidas.
Consultado por Dirceu, o governador Paulo Souto disse que a Bahia não quer ceder seus 130 mil hectares de cerrado para uma unidade federal de conservação, justamente agora que tem projetos agroindustriais para aqueles ermos de solos arenosos. E, aparentemente para mostrar que os baianos estavam falando sério, uma estrada começou a brotar da noite para o dia no chão onde o Ibama queria plantar o parque. Depois disso, não se ouviu mais falar de Grande Sertão Veredas na Casa Civil. É como também dizia Guimarães Rosa - ou Riobaldo Tatarana: Enfim, cada um o que quer aprova. (Por Marcos Sá Corrêa)

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