PROBLEMA DA MUNIÇÃO ATÔMICA CONTINUA IGNORADO NA ONU
2003-11-05
Por Mariano Senna da Costa, de Berlim
A Geóloga iraquiana de 47 anos, Souad Al-Azzawi, é uma das muitas vozes de um tema pouco divulgado pela mídia internacional. Membro de uma equipe multidisciplinar, formada por médicos, físicos, químicos e especialistas em energia atômica, ela pesquisou os efeitos que a munição radioativa (balas anti-tanque com ponta de Urânio por exemplo) tinha causado na população iraquiana depois da Guerra do Golfo em 1991. Nessa entrevista publicada com exclusividade pelo jornal Neues Deutschland, a também diretora do Seminário de Meio Ambiente da Universidade de Bagdá, confirma que o problema permanece sem o devido destaque, talvez para que os militares americanos possam limpar a área antes de uma investigação séria, como acredita Souad.
Ambiente JÁ - Como foi e como é empregada a munição de Urânio no Iraque? Quais são as conseqüências?
Souad Al Azzawi – Nossos estudos de 1995, reconhecidos por médicos de todo o mundo que examinaram o caso in loco, confirmam o fenômeno da munição radioativa. Na região envolvida no conflito os casos de leucemia hoje são seis vezes mais freqüentes do que no período anterior a 1991. Além disso, o número de crianças nascidas com deformações aumentou dramaticamente na mesma área. Com o apoio do New York Action Center estivemos trabalhando em Basra, onde as tropas americanas no ano de 1991 utilizaram mais de 320 toneladas de balas com ponta de Urânio. Solo, rios, vegetação, tudo estava contaminado e as substancias venenosas já tinham entrado na cadeia alimentar. Em um modelo de análise da radiação, o resultado foi de que o povo de Basra apresentava uma dosagem radioativa 200 vezes mais alta que o normal.
Ambiente JÁ – A ONU já investigou o caso?
Souad Al Azzawi – Nao. Ali reina muita ignorância. A Organização Mundial da Saúde e o projeto de Meio Ambiente das Nações Unidas recusam uma investigação do problema da munição com ponta de Urânio. Ainda mais agora com o país em guerra. Mas é certo que outras regiões estão sendo contaminadas, como por exemplo o centro de Bagdá. Aí e em várias outras áreas devem ocorrer nos próximos três ou quatro anos o aparecimento de muitas vítimas. Não temos como saber a extensão dessa tragédia porque não é permitida fazer uma verificação no local por conta da situação caótica e da falta de interesse dos Estados Unidos em levantar mais esse problema. Eles farão primeiro um trabalho de limpeza na área, talvez depois permitam uma investigação.
Ambiente JÁ – Os Estados Unidos negam uma relação direta entre o emprego da munição atômica e as descritas conseqüências para as pessoas e o meio ambiente?
Souad – Cientificamente os fatos provam que a utilização de Urânio enriquecido, em qualquer atividade, está correlacionada com o nível de radioatividade da área envolvida nessa atividade. Na guerra do Vietnã foi preciso primeiro que os veteranos do exército americano abrissem os olhos do mundo sobre o fato de que o uso do agente laranja era extremamente perigoso. No caso do Iraque será nítido com o tempo ver quem carrega a responsabilidade por esse crime.
Ambiente JÁ – Como pode vir a público um esclarecimento sobre as causas desse problema?
Souad – Eu não sou política. Em vista do nosso estudo intimamos o governo iraquiano a limpar a região, retirando todo lixo de guerra. Em seguida investimos para prolongar o trabalho fazendo um estudo comparativo. Ao final não nos deixaram ir adiante, proibindo-nos inclusive de tornar público os resultados do estudo já realizado. O governo teme um massivo movimento de migração da região a leste de Basra. Ainda na mídia o tema não tem importância nenhuma, mas as pessoas usam cada vez mais a internet. O esclarecimento começa com as pessoas mais cultas e daí se dissemina.