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2003-10-16
Interesses milionários que afetam os países em desenvolvimento, especialmente o Brasil, estão em jogo nas negociações internacionais relacionadas ao meio ambiente. O mercado de seqüestro de carbono, por exemplo, só funcionará quando entrar em vigor o Protocolo de Quioto, segundo o qual os países industrializados e as economias em transição (do Leste Europeu) deverão reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990, até o período entre 2008 e 2012. A Rússia, que representa 17,6% das emissões de gases de efeito estufa, e está com sua economia em fase de decolagem, tem demonstrado pouco interesse em ratificar o Protocolo. Os EUA e a Austrália já se negaram a fazê-lo. O problema é que para o tratado entrar em vigor é necessária sua ratificação por 55 países-membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992. Esses países devem representar pelo menos 55% das emissões de gases de efeito estufa. Outro tema estratégico é o da biodiversidade ou acesso a recursos genéticos. Como o Brasil participa com uma fatia enorme desses recursos do planeta, tem interesse na negociação sobre repartição dos benefícios. Em novembro próximo, em Montreal, o assunto será discutido no âmbito de uma reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992. Por enquanto, os recursos genéticos brasileiros estão sendo usados por laboratórios estrangeiros sem que estes reconheçam a sua origem e sem que repartam os lucros auferidos com a comercialização de produtos da biotecnologia. Com a ascensão da medicina ortomolecular e da biogenética, o Brasil tem um potencial enorme para se firmar como provedor mundial de matérias-primas, mas também deve se preparar para fazer pesquisa e desenvolvimento e criar riqueza nacional com a atuação de laboratórios brasileiros, como o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), em Manaus, voltado para pesquisas básicas e aplicadas, transferência de tecnologia, incubação de empresas e prestação de serviços, como certificação de produtos, patenteamento e controle de propriedade industrial, comercialização de produtos, serviços e tecnologias. O tema do acesso ao recurso genético será debatido em fevereiro de 2004 em Kuala Lumpur, na Malásia, juntamente com a reunião dos participantes do Protocolo de Cartagena sobre Movimento Transfronteiriço de Organismos Geneticamente Modificados ou Protocolo de Biossegurança, que está tramitando no Congresso Nacional. É importante a adesão do Brasil porque, segundo fontes do governo brasileiro, o Protocolo poderá ser manipulado pela União Européia (UE), que já assinou o documento, também endossado por outros países que não são grandes produtores agrícolas. A União Européia tenderá a legitimar, por meio do Protocolo de Biossegurança, barreiras não-tarifárias. Como o Brasil certamente não abrirá mão da produção de transgênicos, poderá enfrentar o protecionismo europeu nessa questão. Também está em jogo um mercado potencial enorme de energia renovável, que interessa ao Brasil como detentor de tecnologia, fabricante de equipamentos e produtor de etanol. Nos dias 29 e 30 deste mês, em Brasília, haverá uma conferência regional da América Latina e do Caribe sobre energia renovável, preparatória à conferência mundial em 2004, em Bonn. O Brasil produz entre 10 bilhões e 11 bilhões de litros de etanol ao ano e tem o potencial para chegar a 16 bilhões de litros. O Japão aprovou uma lei para adicionar em bases voluntárias mais 3% de álcool à gasolina. Isso significa que, se a legislação for obrigatória, os japoneses vão precisar de 1,8 bilhão de litros de etanol, uma vez que o consumo no país é de 60 bilhões de litros de gasolina/ano. Na área de renováveis há um mercado potencial enorme para o Brasil. A China tem um programa de energia renovável de adição de 17% de álcool à gasolina para reduzir as emissões de dióxido de carbono, destaca Everton Vieira Vargas, diretor geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Ministério das Relações Exteriores. A China tem sua matriz energética muito centrada no carvão, ao contrário do Brasil, que utiliza principalmente a energia hidrelétrica. O Protocolo de Quioto é um emblema do multilateralismo, pois pela primeira vez se conseguiu fazer um acordo internacional que mostra a diferença de responsabilidades de forma quantificada, diz Vargas. Quem polui mais – os países industrializados e aqueles em transição (economias do Leste Europeu), que constam do anexo I – tem mais responsabilidade em cortar suas emissões de gases de efeito estufa. Os EUA, um dos maiores poluidores mundiais, não aderiram ao Protocolo de Quioto porque os lobbies americanos do carvão e do petróleo são poderosíssimos. Nós estamos caminhando, a curto prazo, para zerar as emissões dos automóveis (graças aos programas de mistura de etanol à gasolina). O que é problemático é a produção de carbono a partir da queima de carvão, acrescenta o diplomata, que atua como negociador brasileiro nas conferências internacionais. Para o Brasil, diz Vargas, o interesse da entrada em vigor do Protocolo de Quioto prende-se muito ao Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, que consta do artigo 12. Tal mecanismo prevê, por parte dos países que têm obrigação de reduzir as emissões, a implementação de projetos nas áreas de energia renovável, de criação de florestas e de reflorestamento e de construção de pequenas centrais hidrelétricas. Tudo isso, sendo que as emissões que tenham sido evitadas com esses projetos, isto é, o carbono que tenha sido seqüestrado, poderá ser creditado para o cumprimento das metas por parte dos países do anexo I. Esta é a importância do Protocolo de Quioto, salienta Everton Vargas. O mecanismo funcionaria mais ou menos assim: uma indústria da Suécia, por exemplo, vem ao Brasil investir em reflorestamento em uma área degradada de São Paulo. O projeto é aprovado e nele consta que a empresa vai seqüestrar X toneladas de carbono. A companhia recebe um título que será emitido pela Junta do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, estabelecida há dois anos nos acordos de Marrakesh que disciplinam o Protocolo. Se a empresa, amanhã ou depois, conseguir por outros meios a redução de gases de efeito estufa, poderá vender aquele título. Trata-se de uma espécie de mercado de derivativos. O que importa é que com o título o empresário pode negociar, e isso cria um mercado de carbono, explica Vargas. No entanto, para que esse mecanismo funcione, é preciso que o Protocolo de Quioto entre em vigor, e disso depende a ratificação da Rússia. A vigência do Protocolo de Quioto também é importante para o Brasil porque o artigo 3.10 prevê que, em 2005, o documento começará a ser renegociado com vistas ao seu segundo período de cumprimento. Aí entra um fator explosivo, pouco percebido, nota o diplomata. Como se vai renegociar um acordo pós-2012 se não se teve vontade política para cumprir um acordo até 2012? Segundo Everton Vargas, a renegociação é uma grande incógnita, porque existe da parte dos países industrializados um desejo de ver os principais países em desenvolvimento – Índia, Brasil, Coréia, México e China – adotando metas de redução. Nos EUA, em 1997, pouco depois da conferência de Quioto, foi adotada uma resolução pelo Senado americano segundo a qual Washington impunha para a ratificação do Protocolo que esses países em desenvolvimento assumissem metas de redução. Ora, é muito difícil assumirem esse compromisso porque eles não têm responsabilidade histórica pelo aumento da temperatura no planeta. Além disso, qual é a justificativa para os países em desenvolvimento assumirem metas de redução se os países que têm mais responsabilidade sobre isso não o fizeram?, pergunta Vargas. Tanto a Convenção sobre Mudança do Clima como o Protocolo de Quioto têm como pilares centrais o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas entre os Estados. Portanto, os países industrializados deverão liderar o processo de redução de gases, e, a se basear na polêmica que o tema está causando, haverá pela frente uma major negotiation, prevê o diplomata. Segundo ele, já se está conversando sobre as responsabilidades diferenciadas. O Brasil organizou com o Japão, em Tóquio, no ano passado, uma reunião com os principais atores de Quioto para discutir o futuro do Protocolo. O objetivo não era alcançar nenhum tipo de acordo, nenhum tipo de negociação. Foi uma espécie de brainstorming que os japoneses quiseram fazer e convidaram um país em desenvolvimento importante como o Brasil. Isso permitiu, por exemplo, que, sem a pressão de uma negociação, se discutisse o assunto de uma maneira muito franca. Então eu perguntei: vocês acham que nós vamos aceitar isso de maneira passiva (que os países em desenvolvimento assumam compromissos de redução de gases)? A retórica diplomática permite dizer coisas extremamente desagradáveis com palavras aveludadas, diz Vargas. Então, segundo ele, os países industrializados disseram que não pensam em colocar os países em desenvolvimento no anexo I, não pensam em alocar-lhes metas numéricas, mas pensam em termos de compromissos qualitativos. É o mesmo que dizer: não quero que você gaste dinheiro, mas acho que deveria trocar de carro, é melhor para você. É de uma hipocrisia fundamental. Haverá em Milão, de 1 a 12 de dezembro, a 9ª conferência das partes da Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima. Um dos temas serão os critérios sobre projetos de mudança do uso da terra e de florestamento dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Isso será importante, porque, mesmo que o Protocolo de Quioto não esteja em vigor, há muito a ser feito no âmbito da Convenção, diz Vargas. (Gazeta Mercantil/Fim de Semana1)(Maria Helena Tachinardi)

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