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2002-08-01
A escassez de água será um dos maiores problemas deste século, para o qual se prevêem até guerras pela disputa do controle de nascentes e mananciais. Enquanto isso, aqui, na região que concentra as maiores reservas de água doce do mundo, a ordem do dia é liquidar nosso potencial hídrico de diversas formas: usinas hidrelétricas mal planejadas, desperdício de água e de energia elétrica, poluição de rios e de nascentes. São Paulo é o grande mau exemplo brasileiro da falta de planejamento e do descaso com as leis ambientais que levam à destruição de mananciais. Nas últimas décadas, a cidade assistiu à urbanização desgovernada em torno das represas Billings e Guarapiranga, no sul da metrópole. O relatório Billings 2000, do Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org), deixa evidente o crescimento desgovernado da ocupação urbana no entorno dos dois reservatórios, há muito tempo seriamente poluídos por esgotos. Eles deveriam abastecer 4,5 milhões de pessoas, segundo o documento, mas hoje só conseguem atingir 2 milhões de habitantes. Não bastasse esse lamentável exemplo, estamos agora prestes a assistir à reprise desse filme na região norte da metrópole. Um dos capítulos desse drama é a indefinição do Trecho Norte do Rodoanel, obra destinada a interligar as dez rodovias que hoje chegam até a capital paulista. O outro episódio que já está dando as caras é a falta de clareza das regras do jogo para a construção da terceira pista do Aeroporto de Guarulhos. Esses dois empreendimentos terão em toda a região norte da metrópole grandes impactos ambientais e sociais negativos, o que nem mesmo seus empreendedores contestam. Situada bem no meio do palco dessa história de mau gosto, a menos de dez quilômetros em linha reta do centro de São Paulo, a Serra da Cantareira tem importância vital para a captação de cerca de 53% da água consumida em toda a metrópole. Basta tomar um copo dágua diretamente da torneira em alguns bairros da zona norte da cidade, e outro, em um bairro do sul. A diferença no gosto é enorme: a água da zona sul passa por um tratamento físico-químico muito mais drástico - e muito mais caro - que a do norte, onde grande parte dos mananciais ainda resiste ao avanço da poluição gerada pela ocupação desgovernada do solo. A boa qualidade da água da zona norte paulistana tem muito a ver com o nome da serra situada ao norte da cidade. Seu nome vem de cântaro - vaso grande para armazenar líquidos, como consta nos dicionários. Essa qualidade também tem um preço, que é proteger a maior floresta tropical urbana do mundo. Dessa grande floresta, 7.900 hectares de Mata Atlântica pertencem ao Parque Estadual da Cantareira - que abrange também as cidades de Mairiporã, Guarulhos e Caieiras -, onde vivem várias espécies ameaçadas de extinção, inclusive a onça-parda.Não se trata aqui de ser contra, por princípio, obras previstas para essa região. O que não pode continuar acontecendo é o desrespeito sistemático ao direito coletivo à saúde e ao meio ambiente equilibrado, o desgoverno que só tem favorecido interesses privados e imediatistas e a omissão da sociedade. Esse processo tem prejudicado e continua ameaçando mananciais de outras regiões metropolitanas do Brasil: a Serra da Tijuca, do Rio de Janeiro; a Bacia do Alto Guaíba, da Grande Curitiba; a Lagoa da Pampulha, totalmente obsoleta, em Belo Horizonte, que hoje se abastece com os distantes rios Serra Azul e Manso; a Bacia do Paraíba do Sul, que fornece água para diversas cidades dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais; e em várias outras regiões.Não faltaram alertas para o desastre da Billings. Não faltam agora para a Cantareira. Da forma como as coisas vão, o tal jeitinho brasileiro deve em pouco tempo ter como significado a omissão diante da tragédia anunciada.

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