PESQUISA APONTA RELAÇÃO ENTRE USO DE AGROTÓXICOS E ALTO NÚMERO DE SUICÍDIOS
2002-08-01
No último dia 14 de junho, Tadeu José Severo se levantou, e, como de costume em todas as frias manhãs gaúchas, falou para a mulher que iria fazer fogo, preparar o chimarrão e então acordá-la. Mas Leu, como era chamado pela família e amigos, mudou de idéia, foi até o campo onde plantava fumo e se enforcou. O ato pode parecer um caso isolado. Mas só no ano passado suicidaram-
se 21 pessoas - na maioria agricultores - em Santa Cruz do Sul, cidade gaúcha com cerca de 100 mil habitantes, conhecida como capital do fumo. Para especialistas em saúde, o número é alarmante: a média brasileira é de 3,8 suicídios por 100 mil pessoas. O recorde de 2001
é da Rússia, após dez anos de crise social e econômica, com 34 por 100 mil, segundo a Organização Mundial da Saúde. Ainda não se sabe se o uso de agrotóxicos está diretamente ligado à depressão que conduz aos suicídios - também constatados pela reportagem de Galileu entre agricultores de batata e morango em Minas Gerais . Uma pesquisa recente mostra que essa dúvida não pode ser desprezada, como fez o Ministério da Saúde ao não apurar, como prometeu há seis anos, várias mortes em circunstâncias idênticas. Em 1996, o assunto ganhou as páginas da imprensa brasileira e internacional quando uma epidemia de suicídios atingiu a cidade de
Venâncio Aires, vizinha de Santa Cruz. Na época o índice local chegou a 37,22 casos por 100 mil habitantes. Integrantes do Gipas (Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação em Agricultura e Saúde), uma entidade autônoma gaúcha, lançaram então a suspeita de que intoxicações com os chamados organofosforados - substâncias presentes em vários agrotóxicos - pudessem causar depressão, levando aos suicídios. O Ministério da Saúde chegou a encomendar um inquérito epidemiológico para averiguar a questão. Passados seis anos, o estudo não foi adiante, e o problema, apesar de ter desaparecido da imprensa, continua. Pesquisadores da Unisc (Universidade de Santa Cruz do Sul), da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio) encontraram agora novos indícios que reforçam a tese, mas o vilão da história pode ser outro componente. Em vez dos organofosforados, o estudo constatou que o manganês, presente em alguns fungicidas, pode provocar danos muito mais graves.
E concluiu: pode-se aceitar como verdadeira a hipótese de que os agrotóxicos utilizados indiscriminadamente no cultivo do tabaco causam intoxicações e distúrbios neurocomportamentais nos membros das unidades familiares de produção As culturas de fumo são geralmente plantadas por pequenos produtores, assim como as de batata e morango.