OS AGROTÓXICOS DO FUMO
2002-08-01
Segundo informações do Secretário do Sindicato de Trabalhadores Rurais do Fumo de Venâncio Aires, Sr. Elemar Walker, existem no município centenas de agricultores que não podem sequer aproximarem-se de lavouras de tabaco, tamanha a sensibilização que já apresentam por agrotóxicos, fato mostrado no programa de televisão Globo Repórter (Rede Globo) de 03 de novembro de 1995. O fumicultor normalmente não utiliza equipamentos de proteção individual (EPI), alegando ser muito caro e incômodo para a aplicação do agrotóxico. Conforme o Engenheiro Dirceu Gassen, da EMBRAPA, é impossível permanecer por mais de 10 minutos com a máscara que protege contra gases tóxicos (5). Há, também, uma segunda forma de intoxicação: a que ocorre pelo consumo de alimentos contaminados, plantados em área com alto índice de resíduos tóxicos. É o caso, por exemplo, de melancias, pepinos e outras hortaliças cultivadas no chamado canteiro do fumo (sementeira onde se aplica o Brometo de Methila) ou do milho, plantado na resteva do fumo em dezembro e janeiro, prática altamente incentivada pelas próprias indústrias tabacaleras. É importante ressaltar que, ainda hoje, muitos são os fumicultores mais idosos que falam a maior parte do tempo em alemão, tendo dificuldades com a língua portuguesa. Muitos também são analfabetos, além de não haver o hábito de leitura dos rótulos ou dos receituários agronômicos, e, assim, os produtos são reconhecidos pelas embalagens e pelas cores de suas tarjas de advertência. Para agravar tal situação, a Portaria número 03 do Ministério da Saúde, de 16 de janeiro de 1992, ratifica os termos de um ato publicado no Diário Oficial da União em 13/12/91, SEM NOME OU ASSINATURA DE SEUS AUTORES, alterando a classificação toxicológica dos agrotóxicos (6), denominada Diretrizes e orientações referentes à autorização de registros, renovação de registros e uso de agrotóxicos e afins. Em Seminário promovido pela Secretaria da Saúde da Bahia, Benatto (6) refere: Denuncio a ilegalidade deste ato administrativo, por não ter o nome ou a chancela dos seus autores e por não ser este o sentido do documento aprovado, pois eu participei da reunião de elaboração destas diretrizes e orientações referentes à autorização de registro, renovação... como representante do Ministério da Saúde. Os produtos que eram registrados, de acordo com a classificação original, como Classe Toxicológica I - EXTREMAMENTE TÓXICO (Faixa vermelha e caveira) e Classe Toxicológica II - ALTAMENTE TÓXICO (Faixa amarela e caveira), passaram à Classe Toxicológica III - MEDIANAMENTE TÓXICO (Faixa azul) e Classe Toxicológica IV - POUCO TÓXICO (faixa verde), deixando de constar a caveira e a identificação costumeira sobre o perigo que representam tais produtos. Com a alteração normativa, em média 6% dos agrotóxicos do país permaneceram nas classes I e II, sendo que 94% passaram às classes III e IV (Medianamente e Pouco Tóxico). Antes, pela Lei 7.802/89, em média 85% dos agrotóxicos do país pertenciam às classes I e II (Extremamente e Altamente Tóxico), 12% à classe III e 3% à classe IV.A portaria nº 03 não só minimizou as classes toxicológicas dos produtos, como também possibilitou o aumento de concentração de ingrediente ativo de muitos agrotóxicos. Como exemplo, seguem alguns produtos que tiveram suas classes toxicológicas diminuídas e concentração de ingrediente ativo duplicada, triplicada e até sextuplicada. As mudanças nas cores das faixas, comumente identificadas pelos agricultores tabacaleros, e o aumento dos ingredientes ativos, fez recrudescer o número de intoxicações por agrotóxicos no município. Estas intoxicações muitas vezes não chegam a ser diagnosticadas por profissionais da saúde como conseqüência destes pesticidas.Um fator que se apresenta concretamente, dentre os demais, constituindo-se como uma hipótese, é o uso de agrotóxicos organofosforados no cultivo do tabaco. Aplicado, via de regra, em quantidades excessivas e sem equipamento de proteção individual, os resíduos são absorvidos através da respiração, pele e cabelos, sendo conhecido o fato destes agrotóxicos poderem causar síndromes cerebrais orgânicas ou doenças mentais de origem não psicológica (7) Renomados toxicologistas como o Dr. Ângelo Zanaga Trapé (Unicamp), Hérnan Sandoval (Chile), Gérman Corey (México) e muitos outros, apontam os agrotóxicos organofosforados como degenerativos do Sistema Nervoso Central, porque inibem a produção de acetilcolinesterase do organismo. (9) Estes pesquisadores têm estudado a neuropsicologia provocada por esta categoria de agrotóxicos à qual pertencem a grande maioria dos produtos usados no fumo. Além das seqüelas dos agrotóxicos, os fumicultores estão sujeitos a toda a sorte de experimentos das indústrias tabacaleras. Recentemente, um alto funcionário da British American Tobacco admitiu - no Globo Repórter de 03/11/95 (programa jornalístico da Rede Globo de Televisão) - que aquela empresa plantou na região de Santa Cruz do Sul - RS, a pedido de uma de suas associadas nos EUA, mais especificamente a Brown & Willianson Tabacco Corporation (USA), a variedade de tabaco registrada nos Instituto Nacional de Propriedade Industrial como Y1 (PI 9203690-A). Este experimento foi proibido pelo Congresso dos EUA por envolver uma planta transgênica e por ferir critérios éticos pela manipulação da nicotina. Sendo que o governo americano move ação contra a Brown & Willianson por utilizar este tabaco com o dobro de nicotina na fabricação de cigarros. Além de viciante, a nicotina penetra pelo cabelos e pele atuando como imunodepressora sobre o organismo de quem a manuseia. Nesta realidade de servidão, agricultores e natureza são cobaias de mais um experimento sem ética ou moral que nenhum país com governo sério autorizaria. Todas as técnicas para a produção do tabaco são dominadas pelas indústrias, inclusive a agroecologia e o plantio de fumo sem agrotóxicos. No entanto, estas não são permitidas e os agricultores que ousam romper o círculo vicioso dos insumos (agrotóxicos e fertilizantes) são execrados, pois com uma produção quase sem custos estariam rompendo com a servidão que impõe os empréstimos bancários sob o aval das empresas transnacionais. Conforme já referido, os autores deixam claro que alguns dados são ainda preliminares e que ainda não existem conclusões mais definitivas. O que podemos afirmar, até o momento, é que os dados obtidos indicam que já existem indícios suficientes para formular uma hipótese para futuras pesquisas: a de que o uso de agrotóxicos (especialmente os organofosforados) é um dos principais fatores de risco para suicídios. Tal hipótese, por enquanto, é válida para Venâncio Aires e, de certo modo, para o Rio Grande do Sul. A literatura científica internacional de alto nível, contudo, vem reforçando esta hipótese em termos mundiais.Entendemos, assim, que diferentes pesquisas devem ser realizadas, como por exemplo, as seguintes: a) Completar e detalhar os dados de epidemiologia descritiva (quantitativa) sobre os aspectos já abordados na presente pesquisa e outros; b) aumentar a abrangência da revisão da literatura internacional a respeito destes temas (suicídios, uso de agrotóxicos e outros afins); c) realizar estudos com delineamentos ecológicos (no sentido do termo empregado pela metodologia epidemiológica de pesquisa) relacionando suicídios, agrotóxicos e outros indicadores de saúde e sociais que possam estar associados de alguma forma a estes; d) estudos sociológicos e antropológicos que abordem aspectos religiosos, educa-cionais, étnicos, raciais, familiares, comunitários, entre outras questões socio-econômicas e culturais, das regiões abrangidas e das famílias com pessoas que tentaram ou realizaram suicídio; e) pesquisas epidemiológicas analíticas (com delineamentos tipo caso-controle e outros) que busquem confirmar a hipótese da associação entre uso de agrotóxicos e suicídios (e também de problemas neurológicos e de saúde mental), incluindo a definição e hierarquização de importância de diversos fatores de risco para suicídios, através de regressões logísticas; f) estudos epidemiológicos de neuropsicologia (também de caso-controle), incluindo testes neurológicos, psicológicos e laboratoriais que estabeleçam o perfil de saúde mental de pessoas que usam agrotóxicos comparando-as com pessoas que não os utilizam; g) e outros estudos que forem pertinentes, inclusive a partir das conclusões que os demais acima estabelecerem.