Um mundo dividido entre dois blocos de poder. Cada um com sua ideologia, seu plano, seus objetivos. Um mundo em crise, combalido por uma depressão econômica arrastada por décadas.
Pessoas desempregadas, cansadas, sem perspectivas, perdidas numa transição global sem fim. Divididas enfim, dentro do mesmo espaço geográfico e social. Ao fundo, um nacionalismo crescente, ufanista, apresentado como receita da salvação. O resultado inescapável são conflitos regionais, guerras civis, golpes de Estado por todos os lados. A instabilidade como palavra-chave.
Esse é o prelúdio da segunda guerra mundial, resumido pela revista The Atlantic, em um documento literário e fotográfico. Guardadas as devidas proporções, é possível ver as semelhanças com o momento atual. O principal sinal é justamente o fortalecimento do belicismo como máquina política e econômica. Um velho artifício de nações que se julgam desenvolvidas.
O paralelo pode ser estendido à primeira guerra também. Em outubro o Plymouth Institute for Peace Research da Grã-Bretanha entrevistou Noam Chomsky, professor emérito do MIT, considerado um dos maiores intelectuais vivos da atualidade.
A ideia era fazer uma comparacão com a situacão atual, e a que precedeu o início da primeira grande guerra há cem anos. A diferença principal, segundo Chomsky, são as armas nucleares.
“Temos escapado à auto-aniquilacão quase que por milagre, ignorando o alerta feito por Bertrand Russell e Albert Einstein em 1955, de que se não quisermos por um fim à raça humana, a humanidade deve renunciar à guerra como meio político”, lembrou ele, chamando a atenção para o fato de que a maioria dos intelectuais em todos os países está dedicada a fortalecer os interesses de seus Estados.
Ou seja, trabalham para justificar os meios bélicos e violentos como único caminho possível para a paz. “Os que fogem à regra são punidos por sua sanidade e integridade”, diz Chomsky.
Denunciando com fatos históricos e geopolíticos a política criminosa de Israel frente aos palestinos, o intelectual norte-americano afirma que há uma “construção forjada” da realidade no oriente médio, com o objetivo de justificar e promover o conflito na região.
O recente surgimento do “Estado Islâmico” (IS, ISIS ou ISIL em inglês) é um bom exemplo. “Trata-se de uma consequência das atrocidades cometidas pelo exército norte-americano no Iraque, o que incitou conflitos sectários, destruindo de fato o país como unidade nacional”.
A coisa fica ainda mais complicada, considerando que até o momento a única força capaz de deter o avanco dos milicianos do Estado Islâmico foram os curdos, habitantes da quadrúplice fronteira entre Turquia, Síria, Irã e Iraque. Quer dizer, norte-americanos e europeus estão armando os curdos do PKK (Partido do Curdistão), inimigos do governo turco, que é crítico ferrenho do governo israelense, este por sua vez aliado estratégico de Washington na região.
E mais, Noam Chomsky acusa explicitamente o governo dos Estados Unidos e aliados, como a Arábia Saudita, de apoiar por décadas grupos islâmicos fundamentalistas para fazerem oposicão ao nacionalismo secular. Este último, um problema político desde que vastas reservas de petróleo foram descobertas ali.
Chomsky ainda cita o jornalista e expert naquela região, Patrick Cockburn, para descrever a estratégia Norte-Americana como uma “construção de Alice no País das Maravilhas”. Propondo combater ambos, o Estado Islâmico e os inimigos deste ao mesmo tempo. Diplomacia internacional? “Isto é praticamente impensável na cultura política dos Estados Unidos”, lamenta o professor do MIT.
Na Ucrânia a abordagem é semelhante. “Washington violou a promessa verbal feita a Gorbachev, e tem promovido sistematicamente a expansão da OTAN para o Leste, até as fronteiras da Rússia, e ameaçando incorporar a Ucrânia”, aponta ele. Tal política vai contra as ligações históricas e culturais entre russos e ucranianos, fora a enorme implicação estratégica para ambos. Para Chomsky, a atual crise na Ucrânia é culpa do ocidente, mas sem isentar a autocracia russa.
Ao final da entrevista, Noam Chomsky comenta como que esperançoso: “Nós estamos marchando resolutamente em direção a uma crise ambiental que irá se sobrepor a outras preocupações em um futuro não muito distante”. Mas a ideia de que a catástrofe irá nos salvar contraria o pensamento de um dos maiores expoentes do ambientalismo brasileiro de todos os tempos. José Lutzenberger, apesar do seu notório catastrofismo, dizia que apesar de todas as mazelas ecológicas do mundo moderno, a maior de todas as tragédias humanas sempre foi a guerra. Até porque uma coisa não exclui a outra. Muito pelo contrário.
(Por Mariano Senna, Ambiente JÁ / Jornal JÁ, 05/11/2014)