Naderev Sano é um dos delegados da 19ª Conferência do Clima, que está sendo realizada em Varsóvia, na Polônia. Aos prantos, ele declarou no plenário: “o que meu país tem sofrido como resultado deste evento climático extremo é insano. A crise climática é insana. Podemos deter esta insanidade aqui em Varsóvia”. Os delegados de 190 países aplaudiram de pé. Mas certamente, isso não emocionará os donos do poder no mundo, muito menos vai influenciar a movimentação global do sistema capitalista. Nos últimos 50 dias, quatro relatórios alertaram para as consequências graves do aquecimento global. O primeiro, em setembro, do IPCC, o painel da ONU, que reúne especialistas do mundo inteiro. Depois o programa de Meio ambiente da própria ONU (PNUMA). A seguir, no início de outubro, o relatório do Programa Internacional do Estado dos Oceanos (IPSO), ressaltando que a acidez está aumentando, também a temperatura, por consequências, os oceanos absorverão menos dióxido de carbono (CO2).
O último deles foi divulgado no dia 13 de novembro, em Genebra, pela Organização Meteorológica Mundial, também ligada à ONU. A súmula segue o mesmo tom: 2013 será um dos anos mais quentes da década, envolvendo quase todas as regiões do planeta, sendo que a Austrália registrou o janeiro mais quente da história – levando em consideração as medições desde 1850. O secretário-geral da OMM, Michel Jarrud destaca:
“O nível do mar subiu 3,2 milímetros, superior a média mundial de 3 milímetros entre 2000-2010, e que significa o dobra da média do século XX, que foi de 1,6 milímetros. O nível do mar seguirá aumentando pelo derretimento do gelo e das geleiras, já que mais de 90% do calor gerado por gases de efeito estufa é absorvido pelos oceanos que, como consequência seguirão aquecendo”.
Onde está a energia?
Na região do Pacífico Ocidental, que abrange as sete mil ilhas que formam as Filipinas – população de 92 milhões – o nível do mar subiu seis milímetros, o que agravou o efeito do tufão Haiyan, chamado por eles de Yolanda. Jarrud também alerta para o aumento das concentrações de gases estufa, principalmente CO2, e em 2013 eles continuarão subindo, “o que significa que estamos a caminho de um futuro mais quente”. Na realidade nenhum dos relatórios aponta alguma novidade no quadro geral das mudanças climáticas. Porém, existe um problema grave, que está sendo escamoteado. Trata-se do acúmulo de energia, pelo efeito estufa, já denunciado mais de uma vez pelo pesquisador James Hansen, recentemente aposentado no Instituto Goddard da NASA, depois de 46 anos de trabalho. Uma energia que ninguém sabe onde está retida e que os pesquisadores desconfiam se concentrar nas correntes submarinas profundas.
Ele vem denunciando esta situação desde 2005 e em 2008 provocou o Congresso Americano em um depoimento realista, dizendo que as coisas piorariam, em termos de mudanças climáticas. Depois disso e, agora, por não ser mais funcionário público, acrescentou que na época estava sendo muito “otimista”.
Áreas inabitáveis
Vamos voltar ao tempo. Em 1903 Alfred Russel Wallace, que dividiu os primeiros estudos sobre a evolução da vida no mundo com Charles Darwin – na época ele morava na Nova Zelândia-, publicou o seguinte comentário:
“Algumas tempestades são tão violentas, que nenhuma estrutura humana pode resistir, enquanto as árvores maiores e mais vigorosas são feitas em pedaços ou então derrubadas. Se nossa atmosfera recebesse uma quantidade maior de calor solar, essas tempestades poderiam aumentar em frequência e violência, tornando consideráveis porções do globo inabitáveis”.
O pesquisador australiano Tim Flannery, autor do livro “Os Senhores do Clima”, incluiu o comentário na abertura de um dos capítulos. Ele publicou um adendo no livro sobre o furacão Katrina, que em 2005 detonou Nova Orleans, no Golfo do México. Flannery cita o efeito telecinético da natureza, quando analisa os efeitos do clima globalmente. É uma reação que acontece simultaneamente no planeta mesmo sem haver ligação direta.
“O Pacífico tropical ocidental é a área mais quente do oceano global e constitui um grande regulador do clima. Ele controla a maioria das precipitações tropicais e a posição da Corrente de Jato, cujos ventos trazem neve e chuva para a América do Norte.”.
Calor a nos assombrar
A temperatura do Pacífico Tropical caía normalmente abaixo de 19,2ºC, porém, depois do fenômeno El Nino de 1976, a temperatura nunca mais caiu menos de 25ºC. E desde o maior El Nino registrado nos últimos tempos, entre 1997 e 1998, as águas do Pacífico Ocidental tem chegado, frequentemente, a 30 ºC. A temperatura para formar os eventos extremos no oceano é contada a partir de 26ºC, serve tanto para furacão, ciclone ou tufão, o nome muda apenas pela região onde ele ocorrerá. Quanto mais calor na superfície do oceano, maior evaporação equivale a mais combustível no fenômeno, porque aumenta a quantidade de vapor d’água. Um dos componentes dos gases estufa, que se encontra em maior volume, além do CO2, do metano (CH4) e do óxido nitroso (N2O), é justamente o vapor d’água, que tem a capacidade de reter o calor rebatido pela superfície na atmosfera.
Os dados dos satélites artificiais indicam que a Terra está recebendo mais calor do que refletindo, o que James Hansen traduziu no desequilíbrio energético de 1watt/metro quadrado, uma minúscula lâmpada. A questão também foi levantada por pesquisadores do Centro Nacional para Pesquisas Atmosféricas (NCAR), dos Estados Unidos. Um deles, Kevin Trenberth escreveu um artigo para a revista Science.
“Ou as observações dos satélites, as boias oceânicas e os outros instrumentos são inadequados para rastrear o calor ‘perdido’, que pode estar se acumulando nas profundezas do oceano. Ou então as observações de satélites estão erradas ou grandes quantidades de calor ainda não são adequadamente medidas e monitoradas. O calor vai voltar a nos assombrar mais cedo ou mais tarde”, registrou.
O lixo da farra econômica
Os atuais instrumentos medem a temperatura da superfície dos oceanos e até uma profundidade de 1000 metros. Não é registrada nenhuma anormalidade, a temperatura é a mesma nos últimos anos. Tim Flannery citando vários outros pesquisadores, ressalta que a temperatura leva 30 anos para chegar à superfície do mar, significa que atualmente, eles expressam a temperatura da década de 1970 – ele escreveu isso no início de 2000. Este é justamente o problema: os países ricos, digamos, tem dinheiro para colocar uma estação espacial rodando a 320 km da Terra, e não tem dinheiro para instalar instrumentos que monitorem as profundezas dos oceanos. Não custa relembrar, o planeta é formado por 70% de água, tudo, absolutamente tudo aqui é regulado pelo mar e suas interações com a atmosfera, a vida biológica e outros fenômenos naturais, como os vulcões. Simples: não há interesse. A verdade é que para estabilizar o clima em níveis razoáveis é preciso diminuir as emissões de gases, a maior parte dos combustíveis fósseis.
Isso significa alterar o sistema econômico global, pois a primeira pergunta é a seguinte: quem vai pagar a conta? Os países ricos, com suas economias estabilizadas, padrão de vida, renda per capita, todos os equipamentos assegurados, sem contar a farra de consumo dos 30 anos gloriosos que duraram até a década de 1990. O CO2 começou a ser monitorado em 1950 por Charles Keeling, conhecido mundialmente pela Curva de Kelling, e mais recentemente no documentário “Uma Verdade Inconveniente”. Ele instalou um instrumento para medir o CO2 no alto do monte Ma una Loa, no Havaí, posteriormente, após o ano geológico de 1957-58, outro na Antártica. Desde então a curva só aumenta. Em 1950 estava em 315ppm(partes por milhão), já acima das 280ppm anterior à Revolução Industrial dos ricos. Agora já passa de 400ppm. E pelo menos metade desse CO2 ainda está na atmosfera. Ou seja, o lixo da farra dos europeus, americanos e assemelhados, continua atuando no aquecimento global. E mais: desde os anos 1950 alguns pesquisadores começaram a perceber que os oceanos já não estavam conseguindo absorver todo o lixo produzido pela civilização industrial – em termos de gases.
Negociação hipócrita
A velocidade dos ventos que compõem os tufões tem aumentado no sudeste da Ásia. O Serviço Meteorológico das Filipinas mostrou que em 1951 a velocidade máxima era de 240km/h, entre 1960-80 a maior velocidade foi de 275km/h. Na última década a maior velocidade subiu para 320km/h, em 2006. O Haiyan registrou ventos de até 380 km/h. A OMM anunciou que os ciclones tropicais entre os anos 2000-2010 mataram quase 170 mil pessoas, afetando 250 milhões e causando prejuízos de US$380 bilhões.
Os delegados em Varsóvia estão discutindo questões que não foram decididas na última conferência do clima em Copenhague, e que novamente virão à tona em 2015 em Paris, para entrar em vigor em 2020. Para substituir o Protocolo de Kyoto que a maioria dos países não assinou – 50% mais um do volume das emissões, que tornaram possível o Protocolo, contou com a adesão da Rússia. Ocorre que o Canadá, por exemplo, faz parte do tratado, mas não cumpre as metas. É uma negociação hipócrita, fazem de conta que vão decidir e na hora final, boicotam.
A teoria dos donos do poder no mundo, muitos acionistas de petrolíferas em diferentes continentes, ou donos de minas de carvão, ou de montadoras, ou de siderúrgicas movidas a carvão, é que a tecnologia resolverá o problema. É a mesma teoria dos economistas para o crescimento econômico ilimitado. E assim vão ganhando tempo. Que depois faltará, certamente. Os Estados Unidos, citando outro exemplo, tem o território onde ocorrem os mais diferentes eventos climáticos extremos, como tornados, furacões, secas e enchentes. No ano passado o furacão Sandy provocou US$60 bilhões de prejuízos – eles se preocupam mais com os prejuízos do que com as mortes. Mas também passaram pela maior seca dos últimos 50 anos no meio oeste, a região chamada de “cinturão do milho”. Mesmo assim, tanto os capitalistas de Wall Street, como vários grupos de comunicação, como a Fox e o The Wall Street Journal, de Rupert Murdoch não acreditam em mudança climática. É uma conspiração contra o poderio econômico estadunidense. Nessa lógica, os povos do resto do mundo estão condenados ao sofrimento e a morte prematura.
(Por Najar Tubino, Carta Maior, 14/11/2013)