E o furacão Sandy passou. Apesar de não ter sido um dos mais fortes (categoria 1, na escala até 5), deixou um enorme rastro de destruição. Mais de meia centena de mortos, sete milhões de habitações e lojas sem eletricidade, sistemas de transporte paralisados, prejuízos de 20 bilhões de dólares em 15 estados da costa leste dos Estados Unidos. No Caribe, por onde esteve antes, o estrago foi também grande, com o número de mortos chegando a 70.
Novidade mesmo quase não há. Furacões e tempestades fazem parte da história do Atlântico Norte e do Caribe. LI Express (1938), Carol (1954), Dona (1960), Gloria (1985), Grace (1991), Felix (1995), Bertha (1996), Irene (2011). São alguns nomes e respectivas datas dos eventos que causaram estragos, especialmente na região de Nova York. Dessa vez o furacão chegou na mesma época (halloween) e com características muito semelhantes as da tempestade Grace, de 1991, conhecida como "the perfect storm" e retratada em longa metragem de mesmo nome.
Apesar de considerada a maior tempestade a afetar a região (uma das mais populosas da América do Norte) desde que os registros começaram em 1851, Sandy não chega a surpreender. Cientistas vêm alertando sobre os crescentes riscos com eventos climáticos extremos há pelo menos uma década. "E a mudança climática está aumentando estes riscos, com três entre os 10 eventos mais importantes em termos de estragos desde 1900 tendo ocorrido nos últimos dois anos e meio", lembra Ben Strauss, diretor do programa de elevação do nível do mar do Grupo de Pesquisa do Clima de Princeton, Nova Jersey.
Coincidências não existem
É interessante que apenas poucos dias antes da super-tempestade tirar do ar até o pregão de Wallstreet, um estudo sobre os impactos da mudança climática foi publicado na revista Nature, uma das mais prestigiadas do planeta. O artigo assinado por um cientista da África do Sul (Universidade de Witwatersrand) e outro da Grâ-Bretanha (Universidade de Exeter) critica de maneira contundente as políticas locais, regionais e internacionais de combate ao aquecimento global, focadas principalmente na redução das emissões de CO2. Em outras palavras, políticas de mitigação, menina dos olhos até mesmo das respeitadas agências da ONU que tratam do problema.
Segundo os autores, mesmo sem saber exatamente como funcionam os sistemas envolvidos na regulação do clima, experts das diversas áreas que lidam com a questão já concluíram que o estrago está feito. Os chamados "feedbacks" vão ser cada vez mais sentidos em todo planeta. Trocando em miúdos, o negócio agora é se adaptar. E isso é muito mais importante e urgente do que mitigar emissões. "No momento, tentativas de governos para limitar emissões de gases estufa, através de esquemas como cap-and-trade, e expanção das fontes renováveis e sustentáveis de geração de energia, são provavelmente ineficazes para freiar a tendência de aquecimento global", diz o artigo.
Risco simplificado
Mas o fato novo é uma publicação do mainstream científico dando espaço para um ataque frontal às políticas do mainstream político e econômico. O assunto em sí já vem sendo debatido entre especialistas há vários anos. A Conferência Anual da American Geophysical Union, ocorrida em Dezembro passado em São Francisco/Califórnia oferece um resumo dos principais pontos preocupando os cientistas do clima. Fora isso, em 2009, Dr. James Hansen, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, publicou o livro "Storms of my Grandchildren" (Tempestades dos meus Netos). Nele são apresentados fatos importantes e detalhados comprovando a ineficácia das políticas de mitigação em debate. Três anos antes, James Lovelock já havia levantado tal argumento em seu livro "A Vingança de Gaia".
Correndo o risco de uma simplificação, pode-se resumir a história do combate à mudança climática na seguinte frase: é um processo desenhado para falhar. Semelhante ao que ocorre na questão da sustentabilidade, especialmente em nível global. O jornalista britânico George Monbiot captura bem a questão em artigo publicado em Agosto deste ano sobre as políticas de governo visando determinar o preço das "commodities naturais". "Mercantilização, crescimento econômico, abstrações financeiras, poder corporativo: não foram esses os causadores da crise ecológica mundial? Agora dizem que para salvar o planeta precisamos de ainda mais desses ingredientes", escreve Monbiot.
A pergunta que vem à cabeça é quantas catástrofes ainda serão necessárias até que a sociedade desperte de seu lindo sonho de consumo?
(Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 01/11/2012)