“Os senhores não imaginam a dor de uma pessoa que passa dois dias sem se alimentar, pois essa é uma condição que não podemos mais admitir”, palestrou o moçambicano Helder Muteia, representante no Brasil da FAO/ONU (Agência para Alimentação e Agricultura da Organização das Nações Unidas), durante o IV Fórum Inovação, Agricultura e Alimentos para um Futuro Sustentável, realizado no Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), em Campinas (SP).
À propósito da Semana Mundial da Alimentação, Mutéia apresentou um quadro pouco animador as cerca de 400 pessoas presentes ao encontro. “Dados atualizados, de 2010 até este ano, apontam que 868 milhões de pessoas passam fome no mundo, o que representa uma a cada oito pessoas, a maioria localizada na África Subsaariana (região do continente ao sul do deserto do Saara)”, afirmou.
Para o representante da FAO, tem que haver um esforço coletivo dos povos no sentido de incrementar o cooperativismo e reforçar os investimentos em tecnologia no campo, a fim de se atingir a meta do milênio estabelecida pela ONU em reduzir pela metade as pessoas que passam fome no mundo até 2015. “Nós temos uma projeção que, em 2050, a população mundial atinja a marca de nove bilhões de pessoas, sendo que apenas 30% ainda permanecerá no campo, por isso temos que nos preocupar em investir na juventude para que este percentual seja formado pelos melhores profissionais”, ressaltou Muteia.
Dados da FAO apontam que países da América Latina e da Ásia estão reduzindo o número de pessoas famintas. O Brasil registrou redução de pessoas subnutridas, passando de 23 milhões para 13 milhões de pessoas. “Uma das vantagens do Brasil é que quando aumenta a demanda, aumenta também a produção”, destacou o executivo da FAO, citando ainda a importância das redes de proteção social mantidas pelo governo brasileiro, como o Bolsa Família. “Embora muitos critiquem essas iniciativas, elas são muito importantes, não como solução definitiva, mas parte de um esforço de combate à fome”, completou.
Desafios
Além do crescimento populacional e o aumento da demanda por alimentos, Muteia citou outros desafios a serem enfrentados na erradicação da fome, destacando a alta volatilidade dos preços das commodities, a escassez de água, as mudanças climáticas, a urbanização e a mudança nos hábitos alimentares.
A questão dos biocombustíveis também tem merecido atenção redobrada da FAO. "O etanol e o biodiesel se constituem em uma oportunidade na geração de renda e emprego, mas é um assunto que tem que ser tratado com inteligência, pois disputam espaço com a produção de alimentos", disse, lembrando que a cana para a produção do etanol rouba espaço dos cereais. No caso americano, que o combustível é derivado do milho, a competição com a destinação para a agropecuária é direta.
Devido à seca, a safra americana de milho deve ficar entre 10% e 12% menor que a do ano anterior, reduzindo os estoques globais e aumentando a volatilidade dos preços dos alimentos. Em decorrência deste quadro, a FAO pediu aos Estados Unidos um relaxamento no mandato que fez com que 40% da colheita americana fossem destinados à fabricação de etanol. "A recomendação da FAO é que o cultivo de cereais para a produção de biocombustíveis não utilize as terras mais férteis e que sejam eliminados os subsídios", completa.
Segurança alimentar e energética
Homenageado durante o evento, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, defendeu a necessidade de o Brasil adotar estratégias com o objetivo de liderar um programa mundial de segurança alimentar e energética, sustentáveis. “Nós estamos prontos para liderar esse processo, mas infelizmente não estamos fazendo nada. Já fizemos a lição de casa em termos domésticos, aumentando a produção através de tecnologia e produtividade, temos jovens competentes na agroindústria, o que não há em outros países europeus ou asiáticos, mas não estamos exercendo este papel de liderança”, criticou.
"A seca nos Estados Unidos mostrou que todas as teses sobre segurança alimentar são frágeis", alertou Rodrigues. O ex-ministro sugeriu a criação de um programa global que contemple inclusive a questão dos estoques. Segundo ele, o mundo tem que pensar na composição de estoques globais, "com financiamento global e governança global", como forma de evitar ações intervencionistas e conter a volatilidade dos preços das commodities.
Rodrigues também questionou a falta de líderes mundiais, que coloca em risco o sistema democrático. "Esse troca-troca de presidentes e ideologias enfraquece a democracia e ganha força no subconsciente das populações regimes autocráticos como o da China, e isso é temerário”, disse.
E finalizou com elogios à presidente Dilma Rousseff por voltar a atenção do governo à logística, segundo ele um gargalo dramático no país. "Sinto que as coisas estão melhorando neste sentido".
(Por Cleber Dioni Tentardini, Jornal JÁ, 20/10/2012)