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rio 2012/cúpula da terra sustentabilidade e capitalismo cúpula dos povos
2012-07-23 | Mariano

O consenso, pouco ambicioso, acordado pelos 191 países que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro, ficou muito aquém do que se esperava, não apenas pela crise econômica e política dos historicamente ricos e poluidores, mas também pela agenda desenvolvimentista dos novos ricos, como Brasil e China, atual campeã mundial em emissões de gases estufa.  Mas, apesar de fraco, é possível encontrar na ensaboada linguagem do documento final “fios da meada para serem puxados”, garante Aron Belinky, coordenador de Processos Internacionais da Vitae Civilis Cidadania e Sustentabilidade, uma das ONGs brasileiras mais ativa nas negociações diplomáticas sobre meio ambiente. Como no ano passado ele coordenou os Diálogos Nacionais Rumo à Rio+20, conhece bem os bastidores tanto da conferência oficial como dos eventos paralelos organizados pela sociedade civil. Nesta entrevista exclusiva concedida ao Extra Classe na manhã do dia 23 de junho, quando participava da plenária de avaliação da Cúpula dos Povos, o geógrafo que virou consultor em responsabilidade social e sustentabilidade lamenta a ausência das organizações da sociedade civil favoráveis a mecanismos de mercado nos debates organizados pelos movimentos sociais. Aron Belinky também constata que há ainda muito espaço a ser ocupado pelos ambientalistas e lamenta ter visto muitas empresas maquiadas de verde nos eventos paralelos da conferência.

O documento final acordado pelos 191 países presentes na Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), realizada de 20 a 22 de junho, tem um título que parece indicar uma mudança de rumo, “O Futuro que Queremos”, mas o conteúdo é genérico e sem compromissos concretos. Que avanços podem ser pinçados nesse consenso obtido após limarem todos os pontos polêmicos, e que realmente significariam avanços, como a transformação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em uma OMC Ambiental, com poder de sanções internacionais, e a criação de um novo fundo de US$ 30 bilhões para financiar ações sustentáveis?
Aron Belinky – O documento oficial tem vestígios e traços de um monte de coisas importantes (o fortalecimento do PNUMA será discutido na próxima Assembleia Geral da ONU e novas fontes de financiamento serão definidas até 2014 por um grupo de especialistas). Tirando alguns pontos muito importantes que deveriam estar e não estão presentes no texto final da Rio+20, como os direitos reprodutivos e o reconhecimento dos limites planetários como um paradigma a ser seguido, ele tem menções a um conjunto importante de agendas e vai ser referencia. A partir daí vamos poder puxar uma série de debates. Esse seria o ponto positivo, a existência de fios da meada para serem puxados. No entanto, o documento, em geral, é fraco. O mérito é existir como texto de consenso e ter esses vestígios que poderão ser trabalhados. Mas é muito menos do que a gente gostaria.

Não foi apenas a Rio +20 que terminou com um documento considerado fraco, a Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental, que reuniu no Aterro do Flamengo diversas bandeiras dos movimentos sociais, de 15 a 22 de junho, também acabou com uma declaração genérica, frustrando boa parte dos ambientalistas. E agora?
Aron – Daqui para frente no campo socioambiental precisamos identificar quais os pontos de agenda que vamos trabalhar. Temos que tomar cuidado para evitar dispersão, pois há muitos pontos em aberto. É importante escolher algumas prioridades. Certamente uma delas será esse processo de construção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (que devem ser estabelecidos pela ONU até 2015, mas não foram mencionados na declaração final da Cúpula dos Povos). Me parece que é uma coisa que vai ter uma capacidade de síntese importante, onde vai ter um espaço de interlocução relevante. Precisamos entender onde estarão esses espaços e ocupá-los na arena, tanto nacional como internacional. O campo socioambiental se qualificou bem nisso, é reconhecido como interlocutor que foi ativo no processo. Agora precisamos escolher e ocupar esses espaços.

Qual sua avaliação da Cúpula dos Povos, articulação dos movimentos sociais que conseguiu realizar uma marcha contra a economia verde com mais de 50 mil pessoas protestando  no centro do Rio de Janeiro?
Aron – Eu tive pouco envolvido na organização e realização da Cúpula dos Povos. Mas acho que ela foi interessante do ponto de vista de criar um espaço onde outros grupos puderam se encontrar. Teve uma dificuldade de abrigar um espectro mais amplo da sociedade civil. A coordenação decidiu fazer um recorte ideológico bastante marcado, e talvez com isso tenham deixado de fora áreas que no meu ponto de vista teriam sido importantes terem sido incluídas, não me refiro a empresariado e governo.

Quais áreas?

Aron – Houve em alguns momentos dificuldade em conectar especialmente organizações da sociedade civil que trabalham com mecanismos ligados ao mercado e de alguma maneira não estão com fileiras cerradas em uma agenda antimercado, antiglobalização, anticapitalista. Isso acabou segmentando mais do que eu acho que seria interessante do ponto de vista de abrigar a diversidade da sociedade brasileira.

O senhor participou de parte da reunião de avaliação da Cúpula dos Povos, realizada no dia 23 de junho no Aterro do Flamengo, onde diversos representantes das entidades do campo socioambiental reclamaram que não tiveram acesso às negociações oficiais da Rio+20, o que não teria acontecido na Rio 92. Faltou espaço para o diálogo?
Aron – Também aqui houve essa possibilidade de conversa de pé de ouvido. Possivelmente mais do que na Rio 92. O que acontece é que isso aconteceu de forma mais institucionalizada. Durante as diversas reuniões preparatórias, a capacidade da sociedade civil chegar aos governos foi muito grande. Além disso durante a Rio+20 foram realizados eventos paralelos, que não ocorreram na Rio 92, onde a sociedade civil se colocou lado a lado no mesmo espaço de negociação com suas propostas e suas agendas. Teve um espaço de lobby.

Mas não foram um ou dois que reclamaram, foram muitos. Por quê?
Aron – O que acontece é que uma grande parte da sociedade civil não enxerga esses espaços, não reconhece que ali é um lugar para fazer lobby, ou não vê sua efetividade, ou por barreira linguística, ou por questão de grana. Quando a ONU chegou aqui no Rio de Janeiro de fato esse espaço foi limitado, mas ele já vinha acontecendo, só que em Nova Iorque e no processo internacional. Essa é uma coisa que tem que ser constatada.

Muita gente ficou frustrada com os Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável, realizado de 16 a 19 de junho, pois havia uma expectativa de que as propostas que surgissem poderiam influenciar as negociações diplomáticas, só que no primeiro dia o documento oficial da Rio+20 já estava praticamente fechado. Como avalia essa iniciativa inédita do governo brasileiro apoiada pela ONU?
Aron – Os Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável não foram em momento algum colocados como forma de participação na produção do documento oficial. Nunca foram apresentados dessa maneira. Mas como eles foram mal explicados desde o começo, muita gente entendeu que eles seriam parte da negociação. Isso gerou uma enorme confusão. O governo brasileiro teve uma boa ideia. Se fossem bem articulados poderiam de fato ter um potencial extremamente inovador. Mas foram realizados de maneira pífia em função da incapacidade do governo de se descartar da tutela.

A exposição Humanidades 2012 realizada pelas federações das indústrias do Rio de Janeiro e de São Paulo no Forte de Copacabana foi um grande sucesso de público durante a Rio+20, no dia 14 de junho a Confederação Nacional da Indústria realizou um encontro sobre sustentabilidade que reuniu cerca de 800 executivos, e a Confederação Nacional da Agricultura manteve um espaço permanente no Pier Mauá. Como avalia a participação do empresariado brasileiro na Rio+20?
Aron – O empresariado foi muito presente e muito ativo. Do ponto de vista da mídia e da imagem pública foi extremamente visível. Gerou uma imagem de modernidade, uma imagem de coisas legais, um astral positivo. No entanto, acho que a consistência desta fala é questionável. Acho que alguns setores do empresariado trouxeram de fato coisas com consistência, amadurecidas ao longo do tempo. Isso também teve uma mistura grande com muita maquiagem verde, jogar para torcida sem ter uma consistência mais profunda. Agora o que me chamou mais a atenção é que o empresariado priorizou muito pouco a participação no processo oficial. Lá no Riocentro (onde as negociações diplomáticas da Rio+20 foram realizadas) a presença de grandes empresas era razoavelmente pequena. Na verdade eu acho que esse debate estava acontecendo em outro espaço, em outra arena.

(Por Roberto Villar Belmonte, Jornal Extra Classe, Julho/2012)


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