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cvrd passivos da mineração política ambiental de MG
2012-07-18 | Mariano

O texto a seguir é de autoria Oswaldo Sevá, engenheiro mecânico, doutor em geografia,  docente da Universidade Estadual de Campinas, de São Paulo, na área de energia, e no doutorado em ciências sociais. Foi escrito em maio do ano passado e apresentado como parte do projeto “Mapeamento dos Conflitos Sócioambientais em Minas Gerais”, desenvolvido pela equipe do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais  GESTA, do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da a Universidade Federal de Minas Gerais.

O texto pode ser consultado em http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/?pg=txtAnalitico. Ou na página do professor Sevá.

Por limitação de espaço, selecionei trechos bem adequados, fazendo ajustes para uma leitura mais fluente do documento. Sugerimos, porém, a consulta à fonte, que é preciosa, por sua descrição didática e crítica do processo de produção mineral em Minas Gerais, com lições a fornecer a todas as áreas onde as mineradoras, sobretudo a Vale, atuam.

 Manchetes de 2006. O outro lado da riqueza.

* Mineração fatura alto e cidades pagam caro
Municípios mineiros responsáveis por 60% da produção nacional da Vale do Rio Doce sofrem com poluição e elevada taxa de suicídio

* Patrimônio cultural ameaçado
Cidades históricas, como Catas Altas, vivem sob a pressão da mineração, que traz riscos ambientais e até aumento da criminalidade na região. Vale do Rio Doce nega problemas

* Ar tão poluído como o da capital paulista
Pesquisa da USP conclui que a extração de minério de ferro produz uma poeira que causa ou agrava doenças respiratórias

* Tentativa de suicídio também aumenta

Tais manchetes e verbetes não estão em nenhum panfleto de esquerda ou de organizações ambientalistas ditas radicais, nem mesmo em alguma publicação de oposição ao governo estadual Aécio Neves/Antonio Anastasia, então recém eleito com grande aprovação para um segundo mandato. E sim num jornal tradicional, considerado o mais importante de Belo Horizonte, O Estado de Minas, que publicou, em 17 de dezembro de 2006, na seção Economia um caderno especial intitulado O outro lado da riqueza, de autoria do enviado especial Bernardino Furtado. O caderno foi editado para registrar com a devida ênfase os dez anos da privatização da todo-poderosa Companhia Vale do Rio Doce, a “Vale”.

A estatal da mineração, uma antiga empresa estrangeira (Itabira Iron Minig Co.) federalizada nos anos 1940, que havia se tornado ao longo de sessenta anos uma das maiores do mundo, foi leiloada a “preço de banana” pelo governo federal Fernando Henrique Cardoso / Marco Maciel em 1997. Os novos donos eram a corporação japonesa Mitsui e o banco Bradesco, além de fundos de pensão de funcionários de bancos estatais brasileiros.

A megaempresa vivera os últimos anos sob a batuta do mineiro Eliezer Baptista e depois do também mineiro Joel Rennó, passou a ser comandada por mais de dez anos, pelo impetuoso executivo Roger Agnelli, do Bradesco, até ser substituído, por causa de um enfrentamento, por ele protagonizado, ao novo governo federal Dilma Roussef/Michel Temer.

Assim contada, pode parecer que a historia de Itabira – e dos demais locais onde a “Vale” governa: Mariana, Catas Altas, Santa Bárbara, São Gonçalo do Rio Acima e outras em MG, Parauapebas, Canaã, Ourilândia e Marabá no Pará, São Luis no Maranhão – se explique e se esgote com essas manobras midiáticas e palacianas.

Neste artigo, além de repassar esses enredos do poder, tentaremos mostrar uma historia mais realista nas áreas da mineração, a trajetória de um povo enquadrado à força, desde a escravidão, na formação capitalista brasileira.

Mina grande conflitos gerais. Mais valiosas pedras, poderes sim se exacerbando. Quanto mais quanto mais, o diabo no meio do redemunho, se contorcendo, mirando no olho de quem vai se encantar. O rio se entende é na travessia, a terceira margem.

O dito contém o não dito decidido não dizer, estória que se conta, inventada e havida. E o reredito, mentira urdida, impossível da certa decifração? Como talvez escrevesse o também mineiro João Guimarães Rosa.

Minério só tem uma safra; as áreas antigas sofrem para sempre
Em Nova Lima, muito antes do minério de ferro ser retirado em grande quantidade, quem mandava era a extração de ouro, coisa bem antiga, da época dos ingleses, e dos veios onde se achavam pepitas de vários quilates. A mina do Morro Velho ainda hoje funciona, é das mais profundas de todo o mundo, avançando a mais de dois mil metros, e dizem também, com galerias que ficam abaixo da cidade vizinha, Belo Horizonte.

Nas ultimas décadas, a mina foi mudando de donos, passou para as mãos da anglo-sulafricana Anglo Gold, em sociedade com os australianos da BHP e dizem também, com o grupo Marinho da rede Globo. O metal precioso passou a ser obtido principalmente com o processamento químico do minério por meio de ácido cianídrico; a bacia de rejeitos industriais acumula grande quantidade de uma lama branca, com altos teores de metais pesados, dos quais o venenoso arsênico.

O povoado do Mingu, entre Nova Lima e Raposos, já contaminado por essa bacia, teve muitas das casas esvaziadas e demolidas para que ninguém viesse de novo morar ao lado dessa bacia. Próximo dali, uma grande adutora de água da Copasa traz uma boa parte da água para abastecimento de Belo Horizonte, captada no mesmo trecho do rio das Velhas onde a Anglo Gold despeja seus efluentes industriais após o tratamento.

Em Congonhas do Campo, a antiga Mina da Casa de Pedra, que foi bastante ampliada nas ultimas duas décadas pela privatizada Companhia Siderúrgica Nacional, sua proprietária, contribui com sua poeira ferruginosa para a intensa poluição do ar na cidade histórica.

Essa poeira traz junto minúsculos fungos do subsolo que se alojam nas ranhuras das esplendidas  esculturas dos profetas do Aleijadinho no pátio da Matriz da cidade. A essa agressão se soma também a acidez atmosférica regional provocada pela queima de grandes fluxos de carvão mineral, a 15 km de distancia, na grande siderúrgica Açominas, no município vizinho de Ouro Branco. A acidez também ataca a pedra-sabão das esculturas e de tantos outros adornos e peças das construções dos monumentos históricos.

Como o diabo no redemunho, a história retorna como tragédia. A riqueza arquitetônica e artística dessas cidades foi paga com o ouro dos antigos ciclos de mineração, agora é ameaçada pelas sequelas do intenso ciclo do minério de ferro.

Bem, as minas e seus problemas gerais não cabem em um único relato curto como este. Ficam então mais algumas pistas para quem for navegar pelo valioso projeto de mapeamento dos conflitos ambientais feito pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais:

* o ouro voltou com tudo, e ainda pior do que no século XVIII lá em Paracatu;

* a moderna CBMM, do grupo Moreira Salles explora o estratégico metal nióbio em uma grande mina perto de Araxá;

* em Itamaraty de Minas, ao lado de Leopoldina, o grupo Votorantim explora grandes volumes de bauxita, a mesma terra avermelhada de onde a americana Alcoa já retirou milhões de toneladas em volta de Poços de Caldas para fabricar alumínio;

* em São Tomé das Letras e no entorno da barragem de Furnas, em Capitólio, e tantos outros municípios é retirada sem qualquer freio ou precaução a conhecida pedra mineira, um arenito usado para revestimento de prédios, calçadas e pátios;

* em Itaú de Minas, perto de Passos mais uma grande fábrica de cimento, ali perto o Morro do Níquel;

* o nome já diz tudo: o detonado Morro do Ferro e depois o estrago do garimpo de cassiterita em Ritápolis, ambos próximos de São João del Rey;

* a nova mina – que dizem ser de manganês mas pode ser cassiterita ou outra coisa – em Pouso Alegre, próxima da BR-459, cujos fantásticos lucros da exportação para a China enriqueceram também os donos de caçambas bitrem que dali saem para o porto no RJ

* os belos granitos extraídos para exportação em Campo Belo, em Cláudio, pertinho das fazendas do senador Aécio Neves e de seus tios; ao lado da rodovia MG 50 perto de Formiga, na Pedra Branca de Caldas em tantos locais da Mantiqueira, alguns bem escondidos…

* os eternos diamantes de Diamantina, nos riozinhos e no riozão Jequitinhonha, ainda garimpados;

* a cobiçada safira tirada da mina que dizem ser dos conhecidos políticos Abi-Ackel no Triângulo Mineiro;

* os topázios de Ouro Preto e de Teófilo Otoni, as esmeraldas, águas marinhas e outras lindezas garimpadas por aí, até que se acabem, até que não seja mais possível retirar mais nada, que tudo tenha virado um deserto, uma terra contaminada e inabitável.

Projetos novos, o progresso?
Para ampliar a mineração, tem que infernizar e mentir, ao que parece: assédio sobre moradores, lideranças, ONGs; a manipulação política e partidária e das autoridades da Justiça e Promotoria em BH e nos municípios; os processos de licenciamento ambiental grosseiramente simplificados, as audiências públicas cheias de irregularidades e de manobras de bastidores; o direcionamento da cobertura feita pela grande mídia e a desinformação das consequências reais e prováveis das atividades.

E assim vai o dito progresso: a mina Brucutu em Barão de Cocais, projetada para extrair mais 30 milhões de toneladas de minério de ferro por ano; a mina da Casa de Pedra, em Congonhas projeta passar de 16 a 50 Mt/ ano; a mina recém aberta de Capão Xavier pela Vale vai transformando o pacato bairro Jardim Canadá ao sul de BH, e aumentando ainda mais o infernal tráfego na rodovia BR 040, ale de ameaçar diretamente as captações de água na Serra do Rola Moça e no córrego Catarina que alimenta o distrito de Casa Branca em Brumadinho.

Dentre tantos, destaca-se o já famoso projeto Minas-Rio, iniciado pela empresa MMX, do empresário-celebridade Eike Batista, filho do dr. Eliezer, um dos pais históricos da Vale… e depois repassado para a mesma Anglo já mencionada.

A mina projetada afetará diretamente a captação de água na Serra do Sapo e os municípios de Dom Joaquim e Alvorada de Minas; a previsão é de captar inicialmente captar 600 litros de água por segundo, no  Rio do Peixe, fazendo 32 km de adutora com túneis;  uma nova transposição de água, que será despachada junto com ”polpa” de minério.

A construção de mais um mineroduto afetará todo o trajeto dali até a região da foz do rio Paraíba do Sul, no distrito de Açu no litoral norte fluminense. Pelo rastro dos destroços e “impactos indiretos” vão Parques Municipais e Estaduais, e transformar para sempre, e para pior, a vida na pacata e turística Conceição do Mato Dentro, em plena Chapada Diamantina.

Outro projeto que também vem despertando polemica e revolta em antiga região mineradora é o do Morro Vermelho em Caeté, a leste de BH, próximo da fatídica rodovia BR-262. Conforme a matéria do Estado de Minas, publicada em 25 de abril de 2010, assinada por Zulmira Furbino: Mineração sufoca e depreda patrimônio natural e histórico de MG.

Exploração de minério modifica topografia do estado, depredando montanhas importantes como a da Moeda e da Piedade. Encardidas, cidades afetadas convivem com inchaço e pobreza. Em Caeté, na Serra do Gandarela, o projeto Apolo, da Vale, mexe com as expectativas da comunidade, principalmente por causa da perspectiva de desenvolvimento econômico. A cidade ficou marcada pela decadência, depois que a antiga Ferro Brasileira fechou as portas na cidade, no início dos anos 1990. Agora, o comércio já registra aumento de vendas como efeito da chegada da companhia. E no setor de serviços, alguns restaurantes comemoram o movimento maior por causa dos empregados das empreiteiras contratadas pela Vale. No restaurante Fogão a Lenha, de três meses para cá o movimento aumentou 40% e o número de pessoas atendidas nas firmas que prestam serviço à companhia aumentou de 300 para 500. Mas esse é só um lado da moeda.

“A empresa está chegando, mas Caeté, como todos os municípios do estado, não tem planejamento urbano ou rural”, diz Ademir Martins Bento, representante do Movimento Artístico, Cultural e Ambiental de Caeté (Macaca). A cidade tem 40 mil habitantes e espera receber cerca de 4 mil trabalhadores indiretos durante a construção da planta da mina. “Isso pressiona os preços da moradia. Além disso, a estrutura de saúde em Caeté andou delicadíssima nos últimos anos. A Santa Casa está fecha não fecha.” De acordo com ele, o poder público municipal aposta na chegada da Vale como uma espécie de salvação. “Mas isso não está escrito no papel”, observa. (ZF)

SOS Minas! 
Muitos trechos de rios e rios inteiros já e foram: Piracicaba, Paraopeba, das Velhas, Pomba. Os picos se foram, o Cauê em Itabira, metade da crista do Curral, em BH, outro tanto da Serra Azul em Itatiaiuçu, outros estão indo, a  Piedade, o Itabirito.

Para quem ainda se lembre de uma legislação ambiental e de uma agência ambiental que poderiam “regular” ou pelo menos minimizar tais problemas, fica aqui o registro da vergonhosa utilização, nos últimos anos, de uma “falsa licença”, a AAF-Autorização Ambiental de Funcionamento. Que o Ministério Público Federal recentemente propôs em Ação Civil Pública, e obteve liminar para invalidar. Conforme release da Assessoria de Comunicação do MPF, de novembro de 2010:

O juiz da 2a. Vara da Fazenda Pública Estadual de Belo Horizonte, Osvaldo Oliveira Araújo Firmo, argumentou na liminar que “As razões de ordem fática apontadas pelo Estado como justificadoras da burla à materialização do princípio da avaliação de impactos ambientais por meio do licenciamento ambiental, determinada pela Lei nº 6938/81 (art. 9o, III e IV e art. 10), são de lastimável impressão… Por tudo, resta claro que a AAF é um instrumento, por assim dizer mais frouxo, que o Estado de Minas Gerais optou por instituir, acreditando-se autorizado – à primeira vista – por uma retórica hermenêutica sintomaticamente casuística, para isentar-se de assumir suas atribuições legais…”.

A liminar determina ainda ao Estado de Minas Gerais “a obrigação de não fazer consistente em abster-se, doravante, de conceder ou renovar quaisquer Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAF) para atividades de extração ou beneficiamento de minério de ferro no Estado de Minas Gerais, sob pena de multa de R$100.000,00 por ato praticado, sem prejuízo da responsabilidade penal e por ato de improbidade administrativa. Com isso fica suspensa a aplicabilidade do art.2º da Deliberação normativa COPAM n.74/2004, até que contra ordem judicial delibere diferentemente”.

No caso específico do minério de ferro, segundo os promotores, a DN 74/2004 permitia  a extração de até 300 mil toneladas de minério de ferro ao ano com base na mera expedição de uma AAF, sem qualquer estudo ambiental prévio, publicidade, anuência do município explorado ou monitoramento subseqüente dos impactos, considerando tal atividade como sendo de pequeno potencial degradador, por incrível que pareça. Para se ter idéia do que isso representa, aduziram os promotores: “basta dizer que para transportar 300 mil t de minério de ferro bruto são necessárias 10.715 viagens, utilizando-se caminhões com capacidade de 14 m3 (Scania P420)”.

Segundo os autores da ação, “essa permissividade ambiental, flagrantemente ilícita, tem ocasionado sérios danos ao meio ambiente natural e cultural de Minas Gerais, de que é exemplo a completa destruição, na Serra da Moeda, de uma cavidade natural subterrânea com vestígios arqueológicos por uma grande mineradora que operava com base em meras AAFs expedidas pelo Estado de Minas Gerais (quando no caso seria necessário EIA/Rima e Licenciamento Ambiental), gerando enorme autuação administrativa pelo Ibama  ( Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), propositura de ação civil pública pelo Ministério Público contra o empreendedor e órgãos estaduais, além da requisição de inquérito policial para apuração de crime ambiental (art. 67 da Lei 9.605/98).

A ação civil pública requer ainda que o Estado seja obrigado a convocar, no prazo de 30 dias, todos os estabelecimentos que exercem atividades de extração ou beneficiamento de minério de ferro, em funcionamento com base em AAFs, para o licenciamento ambiental corretivo.”

Epílogo: Drummond, onde a paz?
Tudo o que foi escrito a respeito das localidades e regiões da mineração no Estado de Minas Gerais é também válido para as áreas similares em Goiás, no Mato Grosso, em Rondônia. E principalmente no Pará, nas regiões de Marabá, de Paragominas, de Trombetas, Juruti, que por isso mesmo um dia chamei de “As minas gerais do Norte”.

Quando essa Minas Gerais se for, ainda haverá a outra, na Amazônia.

Encerro com o poeta Drummond, reproduzindo a estrofe final do poema  “Apelo aos meus dessemelhantes em favor da paz”:

“Não quero oferecer minha cara como verônica nas revistas.

Quero a paz das estepes

a paz dos descampados

a paz do pico de Itabira quando havia pico de Itabira

a paz de cima das Agulhas Negras

a paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroada de Morro Velho

a paz

da paz.”


(Por Lúcio Flávio Pinto, Vale q Vale, 26/06/2012)


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