A antiga Companhia Vale do Rio Doce é a segunda maior mineradora do mundo, abaixo apenas da australiano/neozelandesa BHP Billiton. Mas pelo critério da mineração a céu aberto, a Vale é a primeira. Não precisando cavar túneis para lavrar e dispondo do minério de ferro mais rico do planeta à flor da terra, como o de Carajás, a rentabilidade da empresa é maior. Não é por acaso que ela é a que acumula maior taxa de lucro líquido e a que mais distribui dividendos.
A Vale deixou de ser estatal em 1997, vendida na bacia das almas pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Mas permanece em pleno vigor o decreto-lei 4.352, de 1º de junho de 1942, que a criou. Embora a alienação tenha sido promovida no bojo do Programa Nacional de Desestatização, o ato de criação da CVRD teria que ser formalmente revogado para perder os seus efeitos, por ato legislativo regular.
Um dos dispositivos do decreto-lei baixado 70 anos atrás pelo presidente Getúlio Vargas, estabeleceu que “o dividendo máximo a ser distribuído não ultrapassará de 15% e o que restar dos lucros líquidos constituirá um fundo de melhoramentos e desenvolvimento do Vale do Rio Doce, executados conforme projetos elaborados por acordo entre os Governos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, aprovados pelo Presidente da República”.
Algumas das ações judiciais que questionam a venda da Vale apontam essa ilegalidade. Se o decreto continua válido, os 85% do lucro líquido da Vale não podem ser usados pela vontade unilateral da empresa e dos seus acionistas. Claro que hoje o fundo precisa de novo regulamento para incluir os 11 demais Estados onde a empresa atua. O critério de partilha deve ser o do faturamento bruto: de onde mais a Vale tira, é para lá que mais deve repor. Pará e Maranhão se tornaram tão importantes ao seu funcionamento quanto Minas e Espírito Santo. O Pará em destaque.
As ações continuam sem decisão final, passados 15 anos. Enquanto isso, a extração de minério é incrementada ao máximo. A lentidão da justiça na apreciação e resolução do conflito favorece a transferência de uma riqueza natural única, que não terá uma segunda safra. Uma vez exaurida, a jazida dos minerais de Carajás se tornarão apenas um buraco no local e um retrato na parede, a provocar dores na consciência nacional.
Tenho procurado motivar a opinião pública a se informar sobre as atividades da Vale. Novamente tento tirá-la da letargia em que se mantém. Gostaria que os leitores se manifestassem sobre os temas aqui propostos. Mas fossem além: apresentassem propostas, sugestões ou mesmo dicas para uma nova meta: fazer parar o trem de minério de Carajás, o maior do mundo, que faz nove viagens por dia entre a mina e o porto da Ponta Madeira, em São Luiz do Maranhão. Ao longo de um ano, coloca 100 milhões de toneladas do filé-mignon dos minérios, 80% dele seguindo para a Ásia.
Como não somos índios nem somos sem-terra, o propósito não é o de ocupar fisicamente a rodovia e fazer os seus trens pararem, como já aconteceu. Mas é criar constrangimento legal, moral e lógico à manutenção dessa hemorragia de riquezas, que viola normas em vigor e representa um ato de lesa-pátria, conforme declarei ao jornalista Luiz Carlos Azenha, em entrevista que ele divulgou no blog VioMundo.
Podemos discutir aqui temas graves e urgentes, como o reajuste dos royalties; a instituição de uma nova taxa (na verdade, imposto) por Minas Gerais, Espírito Santo e Pará, já contestada na justiça; o cumprimento do decreto de criação da Vale quanto à distribuição de dividendos; a internacionalização da empresa; um marco regulatório para a exploração mineral; a encomenda dos 15 enormes navios para transportar minérios, depois de a Docenave ter sido sufocada pela própria Vale; e muito mais.
Espero que meus leitores entrem nesta roda em benefício do Pará, da Amazônia e do Brasil.
(Por Lúcio Flávio Pinto, Vale q Vale, 22/06/2012)